Com efeito, o facto de poderem contar com horas de trabalho grátis (ou tendencialmente grátis, uma vez que em muitos casos, as ações de voluntariado implicam o pagamento de algumas despesas, nomeadamente quando o trabalho de voluntariado é mais contínuo e regular), da parte de pessoas que, de forma voluntária, as oferecem, bem como a sua motivação, boa vontade, capacidades e competências, é uma enorme vantagem competitiva que as iniciativas de impacto têm, face às iniciativas de negócio puramente comerciais. E isto acontece, porque, e quando, as pessoas, as empresas e a sociedade em geral, reconhecem que estas organizações e iniciativas geram um valor que vai muito além do seu benefício próprio, e que contribuem, em maior ou menor medida, para criar uma sociedade mais justa, equilibrada, saudável e com maior qualidade de vida. É, no fundo, se quisermos e numa perspetiva mais economicista, uma recompensa não financeira das atividades exercidas, com um impacto financeiro significativo nas contas destas organizações. E esta é a visão mais objetiva, e talvez a menos romântica, do voluntariado.

Mas existem também, uma série de outras vantagens, quer para a organização, quer para os seus beneficiários, que advêm do facto de existirem pessoas e organizações que querem colocar o seu tempo, boa vontade e qualificações à disposição destas missões.

Nomeadamente, e desde logo, um efeito psicológico e anímico positivo, junto dos colaboradores das organizações, pela validação e reconhecimento que o mero gesto de doação e voluntarismo necessariamente significa - em áreas que implicam, muitas vezes, um forte investimento (e consequente desgaste) emocional das pessoas que aí trabalham, este não é um fator de somenos importância.

Este mesmo efeito é também sentido e percebido, muitas das vezes, pelos próprios beneficiários - quantas vezes não tive a oportunidade de testemunhar, na primeira pessoa, na Terra dos Sonhos - organização que criei em 2007, e que, entre outras atividades, desenha experiências emocionalmente transformadoras para crianças e jovens que estão em situações de doença crónica grave - , o espanto comovido de muitos pais, e de muitas crianças e jovens, quando percebiam que havia um conjunto de estranhos que dedicavam tempo das suas vidas para criarem momentos de magia na suas vidas. Com consequências positivas, que são muitas vezes difíceis de medir, mas fáceis de sentir, na vida delas.

Noutra perspetiva, é de assinalar igualmente a capacidade que os voluntários têm de trazerem qualificação, foco e conhecimento para dentro de organizações que, exatamente por estarem focadas em missões de alta intensidade, não têm muitas vezes o tempo, a disponibilidade, ou a capacidade de cuidarem de si mesmas, e do desenvolvimento profissional e pessoal das suas pessoas.

Também a criatividade e diversidade que um envolvimento saudável de iniciativas de impacto com os seus voluntários, podem trazer para o seio da própria missão, é um fator que não é de somenos importância. Novas perspetivas que trazem e acrescentam ao dia a dia, tão "dentro da bolha", que muitas vezes estas organizações são obrigadas a viver.

Esta, foi, agora, uma visão, se quiserem, mais romântica, embora muito real. Mas a verdade é que, mesmo com todas estas vantagens, o voluntariado pode ser também uma grande dor de cabeça para muitas organizações.

Porque não existe a capacidade instalada de coordenação e, o que poderia ser uma aventura positiva de criação de valor, torna-se um pesadelo logístico, que acaba por ter o efeito oposto do desejado - desgaste e saturação, em vez de entusiasmo e motivação.

Porque os próprios voluntários assumem, algumas vezes, uma atitude meio esquisita, quando oferecem o seu tempo, mas apenas o fazem se for dentro das suas próprias condições e nos seus próprios termos, sem respeitarem as necessidades concretas e reais das iniciativas que apoiam, e sem aceitarem que, em condições de normalidade, as equipas das organizações apoiadas saberão, melhor do que eles, aquilo que a instituição, e os seus beneficiários, precisam. E muito embora isto não seja sempre assim e haja casos, excecionais, em que isso não acontece.

Ou porque, pura e simplesmente, as pessoas são difíceis de gerir - cada cabeça, uma sentença, e cada vontade vale tanto, quanto a do vizinho do lado. Mas com um desafio adicional - é que essa vontade oscila e, tão depressa como vem, também se pode ir. E existe sempre um risco elevado quando se está muito dependente destas oscilações de vontade, num sistema, como o do voluntariado, onde o maior incentivo à permanência, é essa mesma vontade.

E é aqui que penso que um voluntariado mais profissionalizado pode fazer toda a diferença. Acredito que deveriam existir, inclusivamente, incentivos económicos, para qualquer cidadão que decidisse investir tempo na sua própria formação e capacitação para ser voluntário ou voluntária. Mas essa é outra conversa e, enquanto isso não acontece, penso que, nesta matéria, como em tantas outras, a competência, a eficiência e os recursos das empresas, podem fazer a diferença entre ter "amendoins", ou ter "lavagante", servido à mesa.

O voluntariado corporativo, nomeadamente o chamado voluntariado de competências - ou seja a transferência de conhecimento e ferramentas, de empresas para organizações sociais, aplicando-se o expertise funcional dos colaboradores a necessidades semelhantes existentes do lado das organizações beneficiadas - é, na minha opinião, não apenas o mais eficaz, e com maior impacto na capacidade que as organizações têm de fazer o seu trabalho bem feito, como é também uma oportunidade de investimento nas pessoas, que as empresas não podem, e não devem descurar. Muito menos agora, numa altura em que o "S" do ESG está na ordem do dia, mesmo em termos de compliance.

Segundo dados divulgados pela Universidade Johns Hopkins e pelo Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, no final do ano passado, estima-se que existam aproximadamente 140 milhões de voluntários em todo o mundo. Uma base de dados recolhida durante um ano e meio de pesquisas e entrevistas, em mais de 130 países.

E, no que se refere ao voluntariado de competências, nomeadamente o corporativo, também tem havido um crescimento ao longo dos anos, a nível global, o que se alinha bastante com o crescente desejo, por parte das pessoas, de procurarem, não apenas aprendizagem e conhecimento, como também conexão e significado, um propósito, através do seu trabalho. É isso que nos diz um estudo lançado pela McKinsey em 2021, segundo o qual 70% dos inquiridos definem o seu sentido de propósito através do seu trabalho. Entre outras razões, esta será talvez uma das principais pela quais as empresas devem definitivamente apostar em desenharem programas de voluntariado corporativo, que sejam eficientes e impactantes, e desenhados com um pensamento estratégico.

Outras boas razões são, de acordo com muitos estudos já existentes:

  • O aumento dos níveis de criatividade, produtividade e envolvimento dos colaboradores;
  • A redução do turnover;
  • O aumento de competências de trabalho em equipa e de colaboração;
  • A criação de uma cultura organizacional que fomenta a lógica de serviço à comunidade - o que, junto dos millenials, por exemplo, é um fator determinante, uma vez que, segundo os estudos já referidos, 70% dizem favorecer, nas suas escolhas profissionais, empresas comprometidas com as comunidades.

Em resumo, o voluntariado apresenta vantagens para todos - organizações de impacto, os seus beneficiários, os voluntários, e as empresas que decidem apostar na criação de oportunidades de voluntariado para os seus colaboradores. Mas existem riscos e dificuldades? Sim. Claro que sim. Mas é certo e seguro que a balança pende mais para o outro lado. Experimentem. Desafio-vos a provarem que estou errado.


Ser Ou Não Ser
Ser Ou Não Ser Mário Henriques