Nesta última rubrica, e artigo, nesta série de episódios do Podcast “SER OU NÃO SER”, penso que nada será mais apropriado do que uma retrospetiva, uma análise crítica e algumas reflexões para o futuro, dentro dos tópicos que fomos explorando durante estes doze meses, semanalmente, com todos os nossos ouvintes. Sustentabilidade, Inovação Social, Responsabilidade Social Corporativa, Impacto, Empreendedorismo Social, Ética Empresarial e outros assuntos conexos.
Antes de entrar nesta análise e como primeira reflexão, gostava de partilhar qual a motivação que nos levou a escolher o nome “SER OU NÃO SER”, para este podcast, e que julgo trazer aqui algumas mensagens que gostava que ficassem bem gravadas na memória dos nossos ouvintes.
Para além do facto de ser uma expressão que, pela sua utilização comum em diversos contextos, se torna fácil de apreender, porque é uma expressão conhecida da grande maioria das pessoas, é também uma frase que nos conduz para algumas ideias que, no mundo da sustentabilidade, da ética e da responsabilidade (palavras cujas primeiras letras, e apenas como curiosidade, em conjunto, também formam a palavra SER), são muito importantes.
A primeira é que, quando falamos nestes temas, é fundamental que assumamos integralmente o compromisso com estes tópicos, enquanto pessoas, e enquanto gestores. Ou seja, que não nos limitemos a falar destas matérias, no vazio, sem fazer o "walk the talk". Como? trabalhando na cultura das organizações que dirigimos, no dia a dia dos processos que implementamos dentro destas, no desenho das estratégias que definimos como prioritárias, em alinhamento real com estes eixos da sustentabilidade, da ética e da responsabilidade social corporativa, e não apenas procurando cultivar aparências. A essência do que é, do que existe, deve ser o foco. Não a comunicação do que fazemos à superfície, sem qualquer impacto e apenas para indiciar algo que não existe.
A segunda reflexão é a de que a genuinidade é algo que não apenas faz, naturalmente, parte da verdade que vem, com o cultivo do SER, da essência, como é também algo cada vez mais valorizado por clientes, colaboradores e outros stakeholders. A genuinidade e, em última instância, a verdade de se assumir o que se é, é boa para o negócio.
Finalmente, e para terminar esta reflexão, apenas uma nota para referir que, na expressão “SER OU NÃO SER”, procuramos também reforçar a ideia de que existe sempre a opção de escolher. E essa opção não só pode ser tomada a qualquer momento - vamos sempre a tempo -, como implica uma responsabilidade. Talvez a maior das responsabilidades. Ter uma ética clara, ser responsável na forma como fazemos negócios, e colocar a sustentabilidade das pessoas e do planeta no centro do negócio. Esta é uma opção que está sempre disponível e que não depende de mais ninguém, a não ser dos líderes.
Tivemos, propositadamente, perfis diversos de convidados muito distintos, procurando traçar um retrato o mais rico e diversificado possível de um ecossistema de sustentabilidade, impacto, e inovação e empreendedorismo social que, em Portugal, tem conhecido evoluções significativas nos últimos 15 a 20 anos.
Conversámos com líderes de grandes e pequenas organizações, em setores diversos, com empreendedores sociais, responsáveis de sustentabilidade, membros do Governo, responsáveis de organizações públicas, corporações, organizações sociais e académicos.
Durante 48 semanas, desenhámos um trajeto pelo estado de arte atual da sustentabilidade e responsabilidade social corporativa em Portugal, passando por setores como a grande distribuição, a energia, a banca e as instituições financeiras, as sociedades de advogados, sociedades agrícolas, o setor imobiliário e outras indústrias.
Falámos com organizações de empresas, organizações setoriais e regionais, e missões de governo.
De lés a lés corremos Portugal e não só - também falámos com muitos portugueses que estão fora de Portugal, ou já estiveram, e nos deram as suas visões do mundo e de Portugal no Mundo.
Conversámos com empreendedores sociais, ativistas e representantes de organizações, que dedicam o seu dia a dia a resolverem alguns dos mais prementes desafios sociais e ambientais do País, e que partilharam connosco as suas dores, mas também as suas conquistas e esperanças.
Demos, no fundo, voz, espaço e atualidade, a um paradigma que, de forma crescente, tem vindo a ter uma posição de destaque nas sociedades, a nível global e, em particular, naquela que mais nos interessa e nos preocupa, a portuguesa. Um paradigma no qual a consciência de que qualquer atividade humana deve ter em conta o respeito pelas pessoas, e pelo planeta em que habitamos, é a norma, e condiciona, de forma afirmativa e construtiva, a forma como vivemos, como fazemos negócios, como nos relacionamos e como projetamos as nossas construções e realizações.
Gostava de partilhar, neste espaço, algumas conclusões e reflexões pessoais que resultaram deste caminho de um ano a falar da sustentabilidade em Portugal, e que deixo como nota final para encerramento desta temporada do Podcast “SER OU NÃO SER”.
Percebeu-se, através dos dados apresentados por bastantes dos nossos convidados - o que, aliás, é também corroborado por alguns estudos que foram sendo citados ao longo desta temporada, em diferentes episódios, - que a população portuguesa apresenta um grau de consciência relativamente elevado sobre as principais problemáticas sociais e ambientais, em particular em questões como as alterações climáticas, ou a questão do desperdício e da economia circular. O que não significa necessariamente que a sustentabilidade dos comportamentos acompanhe este nível de consciência - também em muitos episódios foram partilhados números preocupantes em relação a alguns problemas em concreto como, por exemplo, o risco de burnout em contexto profissional, e o grau de implementação e maturidade de estratégias de saúde mental na grande maioria das organizações empresariais portuguesas.
Foi também bastante evidente, em vários momentos, a maturidade do ecossistema de inovação social em Portugal e o pioneirismo de Portugal nesta matéria. O que, na realidade, não é surpreendente, face aos reconhecidos traços culturais de empreendedorismo e de "desenrascanço português" que, em inglês, tem uma descrição bastante mais simpática e elogiosa - Resourcefulness - ou seja, a capacidade de conseguir obter os recursos necessários para fazer o que for preciso fazer. O que é o mesmo que dizer: a capacidade de fazer "omoletes sem ovos".
Esta inovação foi também manifesta em muitas das medidas adotadas por empresas e organizações que passaram por aqui, bem como em muitos projetos de empreendedorismo muito inovadores.
Uma reflexão que passou em muitos dos episódios nos quais tivemos a presença de jovens valores portugueses é que a saída de jovens valores humanos de Portugal é real, mas que, com os incentivos certos, a grande maioria destes jovens gostaria de regressar e fixar-se no País, embora valorizando a experiência internacional.
E muitas outras reflexões e conclusões, que não vou enumerar, por ser demasiada longa, a lista e curto, o tempo disponível. Mas queria apenas terminar com uma reflexão, que quero deixar como alerta, e como uma chamada à reflexão e à ação de todos.
Em contexto coletivo afirmamos, numa grande maioria dos casos, que somos a favor da sustentabilidade e que apoiamos os passos que são dados nesse sentido. E que todos apoiamos a inclusão, o combate às desigualdades ou a ação climática positiva. E, de facto, como não o fazer? Qual seria a avaliação que o coletivo faria de nós, caso afirmássemos ser contra? Ou se afirmássemos que isso não são prioridades, caso fosse essa a verdade do que pensamos? Isso seria contra a cultura dominante do "politicamente correto". E meio caminho andado para ser cancelado.
E praticamente todos dizem que o trabalho dos empreendedores sociais e das organizações sociais é muito meritório, e que é admirável o que fazem. Mas muito raros são os que dedicam a sua vida a isso, ou sequer os que realmente percebem o valor que estas organizações e projetos geram para a sociedade. E são muitos os que se espantam quando os colaboradores destas organizações, e destas iniciativas, recebem ordenados ao nível do mercado laboral normal - o das empresas. Porque não entendem que as zonas de carência da sociedade podem também gerar oportunidades de crescimento e desenvolvimento de mercados ou - pior ainda - porque não percebem a justiça de uma remuneração adequada de pessoas que dedicam a vida a este tipo de trabalho, que gera um valor muito grande para toda a sociedade, e não apenas para uma entidade específica, e para um conjunto de acionistas.
Ou seja, temos avanço e maturidade em muitas matérias, mas temos ainda que evoluir muito noutras - nomeadamente na cultura, e no comportamento. Na cultura, porque podemos ser menos individualistas, e focados apenas no benefício de uns quantos, valorizando a importância de cuidar do coletivo, criando mecanismos para que iniciativas de transformação social possam crescer e prosperar (Filantropia Estratégica, Responsabilidade Social Corporativa, Inovação Social). E no comportamento, porque não faz sentido, e não é ético, nem sustentável, querer beneficiar daquilo que comunicar a sustentabilidade, e o foco no impacto, e na responsabilidade social, pode significar para a valorização das marcas, e para o crescimento do negócio, e depois implementar programas, iniciativas e políticas que são superficiais e que, passo o jargão, são apenas "para inglês ver".
Foi isso que quisemos, em todos e cada um dos episódios transmitir. Que já há muitas pessoas e entidades que, em Portugal, ou fora de Portugal, mas em Português, muito estão a fazer que nada tem de superficial, e que realmente faz a diferença, tem impacto e é inovador. Que existem muitos benefícios, no curto e médio e longo prazo, para as empresas que seriamente, com compromisso, apostarem estrategicamente nas transformações de médio e longo prazo das comunidades, às quais vão buscar os recursos para prosperar. E que não basta parecer - é preciso SER. Comunicar algo como verdadeiro, sem o ser, é grave. E não ajuda ninguém. Muito menos quem comunica.
Queria deixar esta mensagem e este aviso, porque acredito que existem muito mais boas iniciativas e impacto positivo, do que o contrário. Mas também todos sabemos que os maus exemplos, e as histórias negativas, acabam por deixar a sua sombra mais presente, e a manchar de dúvida e de suspeita, o que de bom se faz. E pagam os justos pelos pecadores. Aqui, a comunicação social tem um papel fundamental, transmitindo mais e melhor, tudo o que se faz de bem, e que pode inspirar outros a replicarem. Mas sem escamotear e ignorar o que está mal, e tem que ser visto, refletido e, eventualmente, alterado. E acredito que, neste podcast, fizemos a nossa parte. Obrigado por nos terem acompanhado durante todo este ano.