Do leite materno ao sistema reprodutor, dos alimentos que consumimos, à roupa que vestimos e mesmo ao ar que respiramos, os microplásticos são já uma presença ubíqua no dia-a-dia dos portugueses. Das múltiplas e variadas fontes de poluição plástica, os pellets plásticos – pequenas esferas de matéria prima virgem – ocupam agora o terceiro lugar na lista de principais fontes de poluição por microplásticos.
Se este nome - pellets - vos faz soar alarmes poderá ter a ver com o enorme desastre ambiental que ocorreu a 8 de dezembro de 2023, ao largo de Viana do Castelo, com a queda ao mar de seis contentores que carregavam estas pequenas esferas de plástico na casa dos milhões que prontamente popularam a costa da Galiza. À semelhança do sucedido em março de 2002, no acidente do petroleiro Prestige, a sorte jogou a favor de Portugal com a viragem das correntes para norte durante o Inverno evitando que o desastre se instalasse junto à costa portuguesa.
Mas se por um lado o trajeto destes polímeros permitiu a Portugal escapar de uma contaminação em larga escala, por outro não o isentou. Relatos de norte a sul do país, e inclusive na ilha da Madeira, reportam a presença de pellets plásticos nas praias arenosas da costa portuguesa.
Ainda assim é importante clarificar que nem todos os pellets que encontramos atualmente são resultado direto deste acidente. Alguns advêm, na realidade, de situações similares que acontecem com alguma frequência, onde contentores caem ao mar por acidente ou são soltos propositadamente (em casos de tempestade para melhorar a estabilidade dos navios). A Great Global Nurdle Hunt, uma iniciativa global que promove a coleta anual de pellets (também apelidados de “nurdles”), promovida pela organização escocesa Fidra, prova-nos isso mesmo. Os primeiros relatos destas pequenas esferas de plástico nas praias portuguesas, no âmbito da iniciativa, datam de junho de 2017.
Não é por acaso que nos deparamos dia após dia com estudos sobre a presença generalizada dos microplásticos. A mensagem é clara - eles estão em todo o lado e não vão a lado nenhum tão cedo. Ainda que as limpezas de praias desempenhem um papel fulcral na remoção e mapeamento destes microplásticos, a solução efetiva e a longo prazo é uma e só uma - prevenir.
Mas serão fenómenos como estes acidentes apenas casos isolados?
Os dados falam por si - a perda de contentores de pellets plásticos para o meio ambiente é um problema recorrente. De acordo com o relatório de avaliação de impacte de 2023 da Comissão Europeia, em 2019, a UE poderá ter perdido até 184 mil toneladas de pellets para o ambiente. Não há margem para dúvidas, o que aconteceu na Galiza não é um acidente isolado - contentores estão a ser perdidos quase todos os dias no mar, e certamente Portugal poderá não ter tanta "sorte" da próxima vez.
Na realidade, o setor do turismo balnear português poderá ser, a seguir ao meio ambiente, o maior visado das consequências destes acidentes. A economia portuguesa depende significativamente do turismo de praia e costeiro, nomeadamente dos passeios de barco e da observação de cetáceos, tendo este setor representado em 2023 cerca de 15% do PIB nacional (contribuindo com cerca de 40.4 mil milhõesem 266 mil milhões de euros). Um ambiente próspero e paisagens costeiras deslumbrantes estão no coração da identidade turística de Portugal, e é claro como a água o impacte que estes acidentes terão no setor do turismo.
A Europa na vanguarda da luta contra os microplásticos
A União Europeia, como um farol de liderança em questões ambientais, tem agora a oportunidade única de criar uma legislação ambiciosa para abordar este problema crescente. Contudo, seis meses após o acidente da Galiza, os pellets plásticos correm o risco de cair em esquecimento na agenda política das agências europeias. Interrompido pelas recentes eleições europeias, o processo de discussão da proposta de regulamento para a prevenção de perdas de pellets plásticos para o ambiente com vista à redução da poluição por microplásticos encontra-se agora em diálogo ao nível do Conselho Europeu, após ter sido aprovado por esmagadora maioria em março, no Parlamento Europeu.
Também Portugal em particular terá a responsabilidade de ser um dos estados membros que mais deverá lutar por um texto progressivo da parte do Conselho Europeu, pois é certamente um dos que mais beneficiará de uma legislação ambiciosa, nomeadamente que inclua uma definição de pellets de plástico compreensiva, em linha com a restante legislação europeia (nomeadamente o regulamento REACH que pretende proteger a saúde humana e meio ambiente dos riscos que podem resultar da exposição a produtos químicos que tantas vezes surgem associadas a estas partículas plásticas), e que reconheça o transporte marítimo como um dos principais veículos de transporte de pellets, sob pena da sua exclusão exacerbar as múltiplas ameaças que o oceano atualmente enfrenta.
Uma legislação abrangente e ambiciosa permitirá colocar a UE na liderança por um futuro mais sustentável e resiliente. É hora de agir com determinação. Os microplásticos podem ser pequenos, mas os desafios que representam são enormes e a UE tem a oportunidade e a responsabilidade de adotar medidas corajosas para travar a proliferação destes poluentes.