“Our house is on fire” (A nossa casa está a arder), alertou Greta Thunberg no Forum Económico Mundial em Davos, em 2019, num discurso em que denunciou a inércia dos Estados em face da ameaça das alterações climáticas e do aquecimento global. Em Julho deste ano, o Secretário-Geral da ONU, António Guterres, numa conferência de imprensa, perante os registos que já atestam 2024 como o ano mais quente na Terra desde que há registos, sublinhou que “The extreme heat is the new abnormal” (O calor extremo é o novo anormal). Os Relatórios do IPCC confirmam estes apelos dramáticos.
Em face da emergência climática instalada — e declarada no artigo 2º, nº 1, da Lei de Bases da Política do Clima (Lei 98/2021, de 31 de Dezembro) —, as manifestações populares multiplicaram-se a fim de pressionar os governos para desenvolverem mais e melhor acção climática e cumprir os objetivos (consabidamente insuficientes) gizados no Acordo de Paris: conter o aquecimento da Terra até 2ºC, preferencialmente 1,5ºC acima dos níveis pré-industriais até final do século. Na União Europeia, o Pacto Ecológico de 2019, já extensamente concretizado em directivas diversas, actua em duas frentes para alcançar este desígnio: acabar paulatinamente com a matriz carbónica e instalar uma lógica contracapitalista de economia circular. Numa palavra, promover a transição ecológica.
Os resultados tardam, contudo, em face da ameaça de suicídio colectivo (mais uma expressão marcante de António Guterres), e a luta nas ruas começou a entrar nos tribunais, um pouco por todo o mundo. Em Portugal, apesar de o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos ter assinalado, a propósito da ausência de esgotamento dos meios internos pelos queixosos, que há exemplos de litigância climática em Portugal — conclusão retirada na decisão Duarte Agostinho e outros contra Portugal e mais 32 Estados, de Abril deste ano —, os casos tardam a surgir. Sublinhe-se que a litigância climática é um género da espécie litigância ambiental, definindo-se através de pedidos que assacam a entidades publicas e/ou privadas o dever de promover mais e melhor acção climática (sobretudo no plano da mitigação, mas também da adaptação), e/ou a responsabilidade civil pelos danos causados pela actuação insuficiente ou inexistente.
Foi, por isso, com expectativa que se assistiu à apresentação da primeira acção climática em Portugal, promovida por várias ONGs, junto do tribunal de comarca de Lisboa. Solicitaram ao juiz que condenasse o Estado português por insuficiente acção climática no plano da adopção de medidas politico-legislativas de concretização da Lei de Bases do Clima. O sonho, no entanto, durou pouco, tendo o juiz considerado o pedido ininteligível/incompreensível, absolvendo o réu Estado da instância. O Supremo Tribunal de Justiça, em decisão do passado dia 19 de Setembro, não sancionou este entendimento, tendo devolvido a causa, para conhecimento do mérito, ao juiz de primeira instância —não sem ressaltar que “o facto de o tribunal entender que não havia motivos para rejeitar a ação com os fundamentos invocados na sentença da 1.ª instância não envolve qualquer juízo sobre o fundo da causa” (cfr. informação disponibilizada pelo Supremo Tribunal de Justiça em https://www.stj.pt/notas-a-imprensa/nota-2-2024/).
Será esta falsa partida ainda passível de redenção desta acção pioneira, após a decisão do Supremo? Infelizmente, não nos parece, dado que existem outros problemas que podem ditar o seu destino funesto, nomeadamente no plano da competência do Tribunal e do objecto do pedido. Acções contra entidades públicas cabem à jurisdição administrativa, não à cível; e as omissões político-legislativas (e só uma parte delas) são sindicáveis apenas através do instrumento da inconstitucionalidade por omissão, de acesso fechado a particulares. A falsa partida redundará, a breve trecho, numa derrota. Mas perder uma batalha não é perder a guerra, e outras acções virão — mais robustas, espera-se.
Carla Amado Gomes