O restauro ecológico é a ferramenta mais importante para diminuir o risco de incêndios de grandes dimensões nas florestas, de acordo com o novo relatório da ONG ambiental WWF, que em Portugal trabalha com a Associação Natureza Portugal (ANP).
A par da topografia e das condições meteorológicas, a paisagem, nomeadamente a sua “disponibilidade e continuidade”, completa o triângulo do comportamento do fogo num determinado território. Nesse sentido, não basta aumentar a área florestal, dando primazia à reflorestação, tradicionalmente equiparada ao restauro.
“A principal prioridade é melhorar a qualidade das florestas existentes”, resume o relatório. A ideia é “ajudá-las, ativa ou passivamente, a melhorar a sua estrutura, o seu funcionamento e os serviços de ecossistema que prestam, a fim de aumentar a sua resiliência e biodiversidade”.
São vários os aspetos a considerar no momento de desenhar instrumentos de recuperação da paisagem, que devem “combinar uma perspetiva de ordenamento do território em grande escala com iniciativas a nível local”.
Primeiramente, é preciso “definir prioridades” em relação às “zonas de elevado risco de incêndio, em termos de frequência e de perigosidade”, designadamente “locais de fraca acessibilidade”. Ao mesmo tempo, devem ser privilegiadas as zonas “economicamente mais deprimidas” ou “com o desemprego mais elevado”, para que, posteriormente, os “usos e benefícios dos ecossistemas restaurados” possam servir a população.
O reconhecimento das “zonas estratégicas de ação” depende de uma “estreita parceria público-privada”, já que, em Portugal, “devido a fatores históricos, 98% da superfície florestal é privada, incluindo as áreas comunais, e apenas 2% da floresta é pública”, recordam a WWF Portugal e a ANP.
Diversificar as paisagens
Em segundo lugar, é preciso descontinuar os “milhões de hectares de florestas monoespecíficas (...) que foram queimadas muitas vezes e que alimentam o incêndio seguinte”, escolhendo, em alternativa, “a diversidade de espécies, a descontinuidade horizontal e vertical ou a estrutura etária” das árvores.
Por outro lado, as ações de restauro devem favorecer a proliferação de florestas mais maduras, já que grande parte das paisagens em Portugal “são muito jovens” e “particularmente vulneráveis aos grandes incêndios”.
A criação de “paisagens agroflorestais”, que juntem “sistemas agrícolas de elevado valor natural, destinados a rebanhos de ovinos ou caprinos (...) ou a pequenas culturas, como o castanheiro ou a cerejeira, ou o olival” com “florestas diversas”, são também uma estratégia eficaz, já que funcionam como “corta-fogos produtivos”.
Adicionalmente, podem ser “combinados fogos geridos com queimas prescritas”, métodos de “gestão do risco” sobre os quais “existe um consenso social crescente”.
A recuperação de florestas abandonadas, um dos principais fatores de vulnerabilidade dos territórios rurais aos incêndios, deve ser feita “de forma participativa” de modo a “planear usos que ajudem a diversificar a paisagem”, substituindo espécies como o eucalipto e diversificando as espécies de pinheiro “por outras mais adaptadas às novas condições”.
Além disso, é essencial “privilegiar uma silvicultura orientada para a produção de madeira de qualidade, que favoreça as plantações de folhosas como o castanheiro, o carvalho, a nogueira e a cerejeira”. Estas espécies são mais rentáveis a “médio e longo prazo, uma vez que as melhores qualidades se destinam a utilizações mais duradouras”.
Articulando utilização de recursos e conservação da natureza, promovem-se, por exemplo, “o desbaste de baixa intensidade” e a “limpeza seletiva dos matos” para prevenir a “continuidade vertical do combustível e reduzir a vulnerabilidade estrutural dos grandes incêndios florestais”.
De acordo com o relatório, desde 2022 que o investimento em prevenção supera a verba alocada ao combate de incêndios em Portugal, “o que pode ter contribuído para o menor número de incêndios e área ardida da última década” registados em 2023. “Esta estratégia mostra que é essencial continuar a apostar na prevenção.”