Será que são criaturas especialmente boas e generosas? ou será que são pessoas portadoras de um conjunto de capacidades especiais, que se recebem na lotaria genética, como resultado de uma determinada experiência de vida, ou por influências ambientais e circunstanciais, e que os tornam especialmente habilitados para resolverem os problemas do mundo?
Pode ser tudo isto, nada disto ou uma mistura de vários ingredientes. Mas, do que não tenho dúvidas é que esta questão merece uma reflexão e análise, para se detetarem padrões, que permitam ampliar e replicar os bons resultados conseguidos.
É isso mesmo que a ciência tem feito, nomeadamente os estudos económicos ligados aos processos de empreendedorismo e inovação social, que procuram analisar os comportamentos, métodos, e resultados destas iniciativas de impacto, por forma a identificarem os seus pontos fortes e as suas fragilidades, transformando os resultados dessa análise, em ferramentas que possam ser usadas para levar ainda mais longe os processos de transformação da sociedade que estes empreendedores desenvolvem.
Uma coisa por demais evidente, é que os empreendedores sociais se focam em resolver problemas sociais e ambientais. E fazem-no recorrendo a modelos de negócio que tentam balancear o impacto (ou seja, o nível de transformação teorizado como aquele que se deseja alcançar com a iniciativa - a que chamamos Teoria da Mudança), com o modelo de sustentabilidade económica - o modelo de negócio no sentido stricto sensu.
Mas surge, desde logo, uma questão - se vivemos num mundo com recursos limitados (e não apenas recursos materiais e naturais, mas também incorpóreos, como o tempo), como podemos saber em que problemas nos devemos focar?! Com tanto problema que há no mundo?
Desde logo, e porque resolver problemas sociais e ambientais é uma tarefa de uma grande complexidade - quer pela enorme quantidade e interconexão das diferentes raízes desses problemas, quer pelo tempo necessário a modificar consciências, vontades e comportamentos - é preciso que, seja quem for que decide enveredar por este caminho, tenha a capacidade de superar os inúmeros obstáculos e o longo tempo de espera necessário para começar a ver os resultados das transformações desejadas. E, para que isso aconteça, tem de existir uma forte ligação ao problema que se está a resolver, ou uma forte crença na necessidade e possibilidade da sua solução. Em resumo - Paixão. É esta que vai assegurar que não fugimos a sete pés perante as adversidades que vão necessariamente surgir.
Esta paixão é evidente no caso do Miguel Neiva. A sua paixão pela cor, pelo design, e pela funcionalidade que este pode trazer à vida das pessoas, levou-o a focar-se neste problema em concreto. A crença na importância do problema, e na possibilidade da solução encontrada, levam-no a estar aqui hoje, mais de 20 anos volvidos desde a inspiração inicial. E a afirmar que o foco é resolver o problema. E não enriquecer à conta do negócio.
Mas, a conexão emocional ao problema ou ao contexto do mesmo, não é suficiente. Sem as competências de designer e gestor, o nosso convidado não teria chegado onde chegou. E este é o segundo ponto fundamental - ter os conhecimentos, a experiência, as competências necessárias, dentro da equipa que lidera a iniciativa, para poder desenhar e implementar modelos eficazes, que efetivamente resolvam os problemas. Não será, por exemplo, possível, desenvolver modelos alternativos de produção energética, se não se tiverem os conhecimentos técnicos e a tecnologia que são necessários para que isso aconteça.
Finalmente, e talvez a parte mais interessante é a de definir o contexto específico e os limites do problema que se quer resolver. Parece simples e evidente? posso garantir-vos que não é. E qualquer empreendedor social que se preze sabe muito bem que é tudo menos fácil definir, de forma acionável, um problema social ou ambiental. Mas é fundamental que se leve muito a sério esta tarefa - porque sem que exista uma definição bem feita do sistema social sobre o qual se pretende imprimir uma alteração, não se podem definir os limites daquilo que deve ser um diagnóstico feito às diferentes dimensões desse mesmo problema. E, sem este diagnóstico, realizado de uma forma séria, sólida e credível, os riscos de desenhar soluções ineficazes, incompletas ou ineficientes, são enormes.
Mas então como saber em que problemas colocar o foco? Para além de as nossas paixões e conhecimentos serem fatores fundamentais para a escolha, devemos também tentar perceber quais os problemas que é mais necessário resolvermos. E é aqui que o exemplo de Miguel Neiva é um exemplo que inspira especialmente. Se ele não fosse um empreendedor social, orientado para ter impacto real na sociedade, ele procuraria áreas do mercado nas quais a sua paixão - o design - e os conhecimentos que tem nesta área, pudessem ser transformados em valor económico - ou seja, lucro. Mas essas áreas de mercado não são, na maior parte dos casos, áreas de necessidade social. O empreendedor social, pelo contrário, olha para os segmentos menos favorecidos, para as áreas de mercado menos servidas. Que são, muitas das vezes (embora não seja este necessariamente o caso no que respeita a pessoas com daltonismo), exatamente as áreas com menor capacidade de pagar, o que levanta grande parte dos desafios da sustentabilidade económica, que são sobejamente falados e conhecidos, neste tipo de projetos de impacto.
O Coloradd vem dar resposta a um problema negligenciado pela sociedade. Antes do código de cores que criou para pessoas com daltonismo, a inclusão deste segmento não era sequer um tema de conversa. Nem para o Governo, nem para as empresas, nem para as organizações sociais. E isso acontecia, porque não havia consciência dos efeitos negativos desta condição, não apenas para os próprios daltónicos, como para toda a sociedade. Foi a paixão do Miguel pelo design e pela cor, que apontou os olhos, a mente e os conhecimentos de muitas pessoas, para este problema. Mas foi a constatação da negligência com que a sociedade o tratava, que abriu o espaço necessário a gerar impacto positivo. E este impacto, vai muito além do impacto para os daltónicos - toda a sociedade ganha, quando os seus membros mais excluídos são integrados de um modo mais eficaz. E não apenas porque o sistema social se torna mais saudável, do mesmo modo que um corpo será tanto mais saudável, quanto melhor a saúde de cada uma das suas células e cada um dos seus órgãos. Mas também porque pessoas mais incluídas, são pessoas que contribuem melhor para o coletivo, no seu desenvolvimento pessoal e no seu crescimento profissional. O ColorAdd permitiu que o sistema se alterasse. Não é pouco.
E é isto que um empreendedor social faz. Ele olha para áreas da sociedade para onde poucos estão a olhar. Olha com preocupação, e foco em resolver o problema, e não apenas em gerar uma oportunidade de se beneficiar, a si e aos seus. E vê oportunidades de criar valor para a sociedade onde os outros apenas vêm problemas.
Portanto, não é que sejam criaturas especiais, particularmente dotadas de capacidades sobrenaturais de empatia, muito embora tenham que as desenvolver, se quiserem tornar-se eficientes como empreendedores sociais. São pessoas que, normalmente movidas pelas suas paixões ou áreas de interesse, olham para áreas negligenciadas da sociedade, e colocam os seus recursos e conhecimentos a funcionar, para mitigar ou resolver esses desafios.
E isto são competências que se adquirem. Que se aprendem. Os processos de inovação social podem ser integrados por empresas, governos, municípios. E, atualmente, temos a vida muito mais facilitada - não só temos um sistema que nos ajuda a identificar os problemas sociais e ambientais mais relevantes a nível mundial - a matriz dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) das Nações Unidas - como temos a tecnologia que nos permite fazer diagnósticos sociais e mapear soluções existentes, com menos dispêndio de recursos e tempo, o que nos permite focar a nossa disponibilidade, atenção e recursos pessoais nas tarefas criativas fundamentais para desenharmos soluções.
Costumo dizer que os empreendedores sociais têm o objetivo máximo de morte para os seus projetos. E isto porque, quando criam as suas iniciativas, o seu maior objetivo é que um dia elas não sejam necessárias e terminem. Se isto acontecer, significa que o problema foi resolvido ou que a solução se disseminou e foi integrada na corrente sanguínea da sociedade. Aí ele segue para o próximo projeto. Para o próximo problema. Porque os problemas a sério - importantes, negligenciados e com efeitos negativos para a sociedade de um modo transversal - esses? Infelizmente, nunca vão terminar.