Entre todos os cancros ginecológicos, o cancro do ovário “é o que apresenta maior taxa de mortalidade, em Portugal”, afirma Lúcia Correia, ginecologista oncológica no Instituto Português de Oncologia de Lisboa e membro da Sociedade Portuguesa de Ginecologia. De acordo com a especialista este acontecimento “advém do facto de a maioria (70-80%) dos casos ser diagnosticada em estádios avançados (III e IV), com doença disseminada fora da pélvis”.

Os números do GLOBOCAN 2022 para Portugal apontam para a existência de 682 novos casos de cancro do ovário naquele ano, um dos cancros de maior letalidade no sexo feminino.

Os sintomas, “muito inespecíficos e insidiosos”, como explica Lúcia Correia, podem ser um dos motivos para o diagnóstico tardio. Além disso, podem ser sintomas facilmente associados a outras causas, como dor pélvica ou abdominal, aumento do volume abdominal, sensação de enfartamento, cansaço fácil, queixas gastrointestinais ou urinárias, perda de peso, hemorragia vaginal, entre outros. Em casos mais raros as doentes podem apresentar-se “assintomáticas e o diagnóstico ser feito na sequência da realização de exames ou cirurgias por outro motivo”, afirma Mónica Pires, também membro da Sociedade Portuguesa de Ginecologia.

Segundo esta especialista, “entre todos os fatores de risco conhecidos, as mutações genéticas são responsáveis por 20-25% dos casos de cancro do ovário, sendo as mutações nos genes BRCA 1 e 2 as de maior risco”. Mas, acrescenta, “ter uma mutação BRCA não significa ter um cancro”. “Há múltiplos fatores genéticos, ambientais e do próprio indivíduo que influenciam o risco de aparecimento de cancro, pelo que muitas portadoras não desenvolvem a doença. As mulheres portadoras de uma mutação BRCA podem optar por estratégias de diminuição de risco, seja por um rastreio mais precoce e intensivo no caso de cancro da mama, seja por cirurgias redutoras de risco como a mastectomia profilática ou a salpingooforectomia profilática (remoção de ovários e trompas) após cumprir o seu projeto reprodutivo. Nas mulheres já com diagnóstico de cancro, nomeadamente cancro do ovário, o conhecimento da existência de uma mutação BRCA permite à equipa multidisciplinar a adequação do tratamento.”

Quanto ao cancro do ovário, o principal motivo da inexistência de um programa de rastreio eficaz prende-se com a biologia e história natural da doença. À luz do conhecimento atual, as lesões percursoras descritas não são detetáveis pelos diferentes métodos de imagem ou por marcadores bioquímicos. Quando surge a transformação maligna, a sua evolução e metastização, particularmente intra-abdominal, é precoce e pouco sintomática, motivo por que a maioria (>75%) dos cancros do ovário são detetados em fases avançadas.

Mónica Pires salienta ainda que a falta de acompanhamento ginecológico regular em Portugal é também uma realidade. “O recurso ao atendimento em serviço de urgência acaba por ser uma alternativa, justificada, muitas vezes, pela rápida progressão da doença que se traduz frequentemente em distensão abdominal ou dor”.

Para melhorar o diagnóstico precoce, esta especialista defende a necessidade de “literacia na saúde, educação para a prevenção e importância da valorização de determinados sinais ou sintomas.” Lúcia Correia concorda, reforçando que “as mulheres que pertencem a grupos de alto risco, como as portadoras de mutações genéticas, devem ser acompanhadas em unidades específicas”.

CG/COMUNICADO

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