No dia 3 de março, quando o mundo celebra o Dia Mundial da Audição, importa reconhecer não apenas a importância desse sentido fundamental, mas também a atenção especial às necessidades das pessoas com deficiência auditiva. É preciso reconhecer o poder transformador das novas tecnologias de apoio, reabilitação, assistência e acessibilidade e todas as inovações que estão a revolucionar a vida das pessoas com deficiência auditiva, permitindo quebrar barreiras para promover uma inclusão verdadeira.
As tecnologias assistivas que estão disponíveis atualmente para pessoas com deficiência auditiva têm tido um grande avanço. Desde aparelhos auditivos até implantes cocleares e de outro tipo, estas tecnologias têm transformado a vida de milhões de pessoas em todo o mundo, permitindo que possam ouvir de uma forma que antes seria inimaginável. Para além disso, existem aplicações (software) e dispositivos que auxiliam na comunicação, como legendas em tempo real e sistemas de alerta vibratório (de maior complexidade e melhor percepção), entre outras.
Avanços tecnológicos na reabilitação auditiva
As áreas da reabilitação auditiva têm evoluído de forma notável nos últimos anos. Os aparelhos auditivos são mais sofisticados e de dimensão cada vez mais pequena ou mais leves (devido aos progressos na miniaturização e da microelectrónica), com recursos como supressão de ruído, ligação por bluetooth (com smartphones ou sistema de difusão por Auracast) e ajustes automáticos adaptativos (por inteligência artificial), que proporcionam uma experiência auditiva mais personalizada e confortável. Também os implantes cocleares evoluíram significativamente, permitindo que pessoas com perda auditiva grave ou profunda recuperem parcial ou totalmente a audição, integrando-se numa comunidade oral.
O avanço dos aparelhos auditivos recarregáveis permitiu que os seus utilizadores desfrutassem de maior comodidade e autonomia, eliminando a necessidade de troca frequente de baterias. Num estudo conduzido pelo Instituto Nacional de Saúde dos Estados Unidos, foi demonstrado que indivíduos que utilizaram implantes cocleares experimentaram melhorias significativas na qualidade de vida e na capacidade de comunicação, destacando o impacto positivo desta tecnologia na reabilitação auditiva.
Tecnologias assistivas para comunicação e acessibilidade:
A inteligência artificial desempenha um papel fundamental no avanço da tecnologia de deteção de idioma falado, possuindo complexos algoritmos e modelos de aprendizagem automática. Assim, é possível contar com sistemas que reconhecem automaticamente o idioma e que realizam a transcrição e tradução para qualquer outra língua, em tempo real e com uma precisão igual ou superior a 95% (mesmo em português de Portugal, dependendo da pronúncia ou do sotaque). Para além disso, a inteligência artificial também pode ser aplicada no ajuste automático dos aparelhos auditivos, adaptando-se aos diferentes ambientes sonoros para proporcionar uma experiência auditiva mais personalizada e confortável, evitando que potenciais fontes de ruído possam limitar a perceção. É realmente incrível como a tecnologia está a transformar a forma como lidamos com a comunicação oral e com a audição.
Há hoje aplicações de software para dispositivos (p.ex. óculos) que utilizam inteligência artificial para transcrever automaticamente o discurso oral em tempo real ou até exibir legendas em dispositivos móveis. Isto torna a comunicação mais acessível para pessoas com deficiência auditiva em reuniões de trabalho, aulas e outros ambientes que exigem rapidez na compreensão da mensagem ouvida.
Outras tecnologias
Não podemos esconder que, atualmente, é possível colocar um dispositivo eletrónico junto ao ouvido, que emite ruído branco de modo a limitar os efeitos dos acufenos ou zumbidos (tinnitus) mesmo para quem tem uma boa qualidade auditiva mas vive este problema. Este dispositivo permite uma terapia que, ao fim de um determinado tempo, pode ter efeitos retroativos ou de retrocesso do problema, o que é algo extraordinário.
Estudos vários, como por exemplo o publicado no ‘Journal of the American Medical Association‘ (JAMA) mostram que a terapia de ruído branco pode ser eficaz no tratamento do zumbido também em pessoas com perda auditiva, proporcionando alívio dos sintomas e melhorando a qualidade de vida, destacando-se o potencial destas tecnologias para fornecer tratamentos não invasivos e eficazes para pessoas com zumbido.
Terapia genética
As causas da perda auditiva são variadas, tendo particular relevância as causas genéticas. Mais de 50% dos casos de deficiência auditiva congénita em países desenvolvidos são hereditários, e destes, a deficiência auditiva isolada ou não sindrómica corresponde a cerca de 70% dos casos, sendo quase exclusivamente associada a mutações num único gene e de caráter autossómico (não associado ao cromossoma X ou Y) e recessiva.
Nos últimos anos verificaram-se avanços significativos na compreensão dos mecanismos genéticos subjacentes à perda auditiva e surdez, bem como no desenvolvimento de tecnologias para rastreio e diagnóstico genético. Estes avanços na área da genética abrem possibilidades à terapia génica, um tratamento onde é possível introduzir no ouvido uma cópia correta do gene que tem a mutação. De facto, há resultados particularmente promissores para o tratamento de surdez DFNB9 associada ao gene OTOF e para o gene GJB2, havendo diversos ensaios clínicos em curso.
Recentemente têm surgido notícias na comunicação social sobre terapia génica bem-sucedida para o gene OTOF, com exemplo para o caso de algumas crianças nascidas surdas em que algumas semanas após o tratamento genético há sinais de que a audição foi restaurada, ouvindo sons de vozes, de carros e até de movimentos associados a objetos mais pequenos. Neste caso, o tratamento genético consiste na introdução de cópias do gene OTOF sem a mutação diretamente no ouvido interno. Estes casos de sucesso usam métodos ligeiramente diferentes, mas assentam no conhecimento científico da surdez genética e são descritos como tratamentos potenciais para restaurar a perda auditiva genética associada ao gene OTOF. Os estudos prosseguem para outros genes e em mais pessoas, sendo de esperar mais boas novas em breve.
Desafios e oportunidades futuras
Claro que continuam a existir desafios a serem superados no campo da saúde auditiva. O acesso equitativo a tecnologias assistivas e serviços de reabilitação continua a ser uma preocupação em muitas partes do mundo, especialmente em comunidades marginalizadas ou com maiores dificuldades económicas. Para além disso, a consciencialização e a educação sobre questões relacionadas à audição são também essenciais para combater o estigma e promover uma sociedade mais inclusiva. A investigação continua a avançar em várias áreas de modo a desenvolver tratamentos mais eficazes e acessíveis para pessoas com deficiência auditiva. Ao mesmo tempo, é importante lembrar o papel crucial das políticas públicas e do apoio governamental na promoção da igualdade de acesso e oportunidades para todas as pessoas.
Como forma de evidenciar a importância das tecnologias implantáveis na promoção da inclusão e acessibilidade para pessoas com deficiência auditiva, pode até pensar-se propor na criação de um Dia Nacional das Tecnologias Implantáveis (Auditivas). Esta data seria uma oportunidade para contribuir a consciencialização sobre os benefícios destas tecnologias e reconhecer os avanços significativos alcançados na área da saúde auditiva. E porque não pensarmos no dia de 23 de junho, o dia em que Alan Turing nasceu (cientista britânico, 1912-XX), pioneiro para os avanços da Ciência nas áreas aqui mencionadas.
Neste Dia Mundial da Audição deixamos a nota de algumas das novas oportunidades de reabilitação, assistência e inclusão que estão a transformar radicalmente a vida das pessoas com deficiência auditiva. Ao promover uma maior consciencialização e investimento nessa área, podemos construir um mundo mais inclusivo, justo e acessível para todos.
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