Foi recentemente eleito presidente da APEF. Como é que encara este novo desafio?
Encaro como um serviço a uma causa e como oportunidade de dar o meu contributo para o progresso da nossa Associação. A melhor forma de homenagear todos os que ao longo de mais de três décadas construíram e desenvolveram a APEF é continuar a sua obra, adaptando-a aos novos tempos e realidades, e tornar ainda mais importante o seu papel.
Quais os seus objetivos para o biénio 2023-2025 à frente da Direção da APEF?
Em primeiro lugar, continuar os projetos que já vêm da Direção anterior, na qual estive envolvido. Os principais objetivos são: que a APEF seja ainda mais o local de encontro de todos os que se interessam pelas questões do fígado, a casa da hepatologia; contribuir ainda mais e melhor para a formação dos hepatologistas portugueses; contribuir para dinamizar a atividade científica dos hepatologistas portugueses, fomentando a cooperação entre os diferentes centros nacionais de modo a que a investigação que fazemos possa ganhar maior dimensão e escala; robustecer o papel exterior da APEF, junto da sociedade civil e dos órgãos do poder; aumentar a cooperação da APEF com outras associações médicas nacionais e com as associações internacionais de Hepatologia.
“A melhor forma de homenagear todos os que ao longo de mais de três décadas construíram e desenvolveram a APEF é continuar a sua obra”
Quais as atividades que estão a desenvolver?
Vamos realizar, além da nossa reunião anual – o Congresso Português de Hepatologia -, várias outras reuniões científicas e ações de formação, presenciais ou através de plataformas digitais, sendo algumas delas em parceria com outras entidades. Vamos também apoiar a formação dos mais novos, atribuindo bolsas de estudo. Vamos apoiar projetos de investigação, do ponto de vista científico, através da nossa comissão científica e também do ponto de vista material, atribuindo bolsas de apoio.
Quais são os grandes desafios no tratamento das doenças do fígado em Portugal?
O primeiro grande desafio é mantermos o excelente nível da prática médica que já atingimos na área da doença hepática. Desejo que a crise que o SNS atravessa não venha a afetar a qualidade do que fazemos. Porque é preciso termos condições e recursos para acompanhar a evolução da ciência e da tecnologia, que é imparável, e assim termos acesso à inovação.
Quais os próximos passos a dar para combater essas questões?
É indispensável que todos os que avaliam, diagnosticam e tratam doentes hepáticos tenham condições de exercício profissional adequadas. Se não houver esse estímulo, alguns poderão ter a tentação de fugir para outras áreas mais compensadoras…
Quais as patologias do fígado mais frequentes?
Continua a ser muito pesado o fardo da doença hepática alcoólica. Parece que com a pandemia o problema do consumo excessivo de álcool se terá agravado. Mas, o impacto do fígado gordo está a aumentar. E o número de casos de carcinoma hepatocelular não para de crescer.
Considera que a população está devidamente informada para os fatores de risco e formas de prevenção?
Acho que a literacia em saúde também nesta área tem melhorado, mas ainda é muito deficitária. A APEF está empenhada em dar o seu contributo neste campo. Aproveitaremos todas as oportunidades para intervir publicamente e divulgar noções básicas sobre as principais doenças hepáticas e a sua prevenção.
Em termos científicos, têm-se verificado muitos avanços no que respeita às terapêuticas para estas patologias? Quer referir alguns?
Nos últimos anos tivemos grande sucesso no tratamento das hepatites crónicas, sobretudo da hepatite C. E os avanços no tratamento dos tumores hepáticos estão a ser muito interessantes. O mesmo tem acontecido noutras doenças menos frequentes como a colangite biliar primária ou a hepatite D. Mas, não temos ainda fármacos realmente eficazes para tratar a esteatohepatite não alcoólica ou para reverter a cirrose. Por outro lado, o transplante hepático, sendo um recurso finito e de fim de linha, está à nossa disposição e os nossos centros de transplante estão a dar-nos boa resposta.
“A literacia em saúde também nesta área tem melhorado, mas ainda é muito deficitária. A APEF está empenhada em dar o seu contributo neste campo”
Como está atualmente o acesso aos medicamentos, por exemplo, para as hepatites? Já funciona melhor?
Neste momento, temos acesso a todos os fármacos de que necessitamos. Infelizmente, continuamos a ter algumas barreiras burocráticas que, não impedindo o acesso, complicam o processo. As nossas autoridades e instituições preferem complicar, em vez de simplificar. Parece uma fatalidade!
A APEF não é constituída apenas por médicos de Medicina Interna. Quais são as outras especialidades?
Na APEF predominam os gastrenterologistas, seguidos dos internistas. Mas, várias outras especialidades que intervêm no diagnóstico e tratamento do doente hepático – Cirurgia, Imagiologia, Pediatria, Anatomia Patológica, entre outras – têm também lugar e dão a sua contribuição na APEF. E não podemos esquecer os cientistas básicos.
Qual a importância desta integração de especialistas de várias áreas?
A prática da Medicina é cada vez mais multidisciplinar, pois a confluência de diferentes saberes e experiências redunda em benefício para o doente. E isso também é verdade para o progresso científico, pois também aí deixaram de existir áreas reservadas. O espírito de “capelinha” é uma ideia do passado. Mas, precisamos também de melhorar a colaboração com os nossos colegas médicos de família, pois são eles que detetam muitas das situações de patologia hepática e fazem a primeira abordagem das mesmas.
Quais os objetivos para o futuro?
Que a APEF seja cada vez mais uma associação moderna e dinâmica, com o contributo de todos os que se dedicam às questões do fígado. E que contribua para o desenvolvimento da Hepatologia portuguesa, não só na perspetiva da prática clínica, mas também na investigação científica nesta área.
Texto: Sílvia Malheiro
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