Frequentemente somos confrontados com doentes referenciados para os Cuidados Paliativos por necessidades paliativas complexas, sendo que as principais necessidades são o controlo de sintomas, a adaptação terapêutica às necessidades atuais individuais e a organização de cuidados.
Mas para organizarmos os cuidados em casa temos de ter uma estrutura funcional mínima, que é composta por uma habitação, um ou mais cuidadores capazes (idealmente com tempo integral garantido), e apoios técnicos, financeiros e providenciais para que o doente possa permanecer em casa.
Podemos ter a equipa de Cuidados Paliativos mais disponível do mundo, com horário 24h/24h, mas se não tivermos assegurada uma das premissas atrás descritas, não conseguiremos trabalhar de forma segura e eficaz, nem tão pouco estão garantidas as condições básicas do cuidar. E se não conseguimos assegurá-lo, os doentes caem, invariavelmente, na urgência.
Um doente com necessidade de Cuidados Paliativos especializados deverá já ter avaliação médica para complemento por dependência e atestado multiusos. Consideramos que esta é uma base fundamental do suporte social que está na dependência direta do médico assistente e/ou das equipas que seguem os doentes previamente.
Num doente com necessidade de Cuidados Paliativos complexa há, habitualmente, uma flutuação sintomática que exige atenção, orientação e preparação do cuidador para atuar perante as necessidades, que podem ser variáveis ao longo do dia, com a administração de medicação em “SOS” (medicação pro re nata). Ou seja, um doente com a necessidade de apoio de uma equipa especializada em cuidados paliativos precisa, obrigatoriamente, de ter um cuidador capaz de gerir esquemas terapêuticos fixos e atuar perante situações esporádicas (ou de ser capacitado para tal).
A literatura internacional refere que mais de 50% das pessoas preferem ter os cuidados de fim de vida bem como morrer em casa, se lhes fosse permitido escolher. Em estudos realizados na nossa equipa, esta percentagem é de cerca de 85%. Assim, percebe-se como os cuidadores informais são cruciais para que esta preferência se realize.
Também é sabido que a grande maioria dos cuidados prestados a pessoas com doenças crónicas, fragilidade, ou outra condição de saúde de longa duração, são prestados por cuidadores informais provenientes do seio familiar. Os cuidados ocorrem geralmente dentro das relações sociais.
A Eurocarers define o cuidador informal como uma “pessoa que presta (geralmente) cuidados não remunerados a alguém com uma doença crónica, deficiência ou outra necessidade de cuidados de saúde ou de longa duração, fora de um quadro profissional ou formal”.
Em Portugal, os cuidadores informais são, na grande maioria, mulheres. Os estudos nacionais e internacionais revelam que existe uma tendência para a feminização dos cuidados, sendo que os cuidadores apresentam idades entre os 45 e os 75 anos, com baixas habilitações literárias e com uma relação de parentesco com a pessoa cuidada; são filhos e/ou cônjuges, o que confirma a responsabilidade da família no cuidado. Destes, 40,9% estão ativos profissionalmente e, de acordo com dados da literatura, acumulam as funções do cuidar com o trabalho, verificando-se um impacto na vida profissional e pessoal dos cuidadores, visto que o cuidado é prestado de forma ininterrupta.
Os cuidados são prestados no domicílio do doente ou do cuidador e incluem uma vasta gama de tarefas, designadamente, apoio nas atividades da vida diária (cuidados de higiene e alimentação); apoio nas atividades instrumentais da vida diária; apoio emocional; administração da medicação prescrita; avaliação e gestão de sintomas para ajustar a medicação para alívio destes; ser o elo de comunicação entre o doente e a respetiva equipa de saúde; defender os direitos e a tomada de decisões éticas que garantam a autonomia e a dignidade da pessoa cuidada.
Os cuidadores informais iniciam as suas funções quando surge uma doença. Nunca as haviam realizado até então, não tendo por isso formação. Estes cuidadores, por obrigação, por dever ou por escolha, reagem a uma situação de doença/dependência sem competências específicas para as várias tarefas do cuidar. Assim, enfrentam desafios e apresentam necessidades. A extensão dos cuidados cruzam-se com outros papéis do cuidador.
A responsabilidade do cuidar de outra pessoa pode ser extenuante, levando à exaustão física e emocional do cuidador. Estes sofrem de desgaste emocional pela sobrecarga das tarefas, dos cuidados contínuos, pela falta de descanso, pela dificuldade de conciliação da atividade profissional com a prestação de cuidados e pela privação social; sofrem de desgaste financeiro, pela difícil conciliação entre a situação laboral e o acréscimo de despesas que a doença acarreta e o desgaste físico justificado pela insuficiência de respostas sociais.
A sua atuação é invisível, no entanto, é fundamental para a economia dos países. Em 2016, a Associação Cuidadores Portugal estimou que o valor do trabalho realizado pelos cuidadores informais atingia quase 4 mil milhões de euros anuais. Os cuidadores informais representam uma enorme poupança para os sistemas de saúde, aliviando a pressão sobre os hospitais e diminuindo os internamentos.
É necessário avaliar e reconhecer a contribuição dos cuidadores informais para a produção global dos cuidados, do impacto económico e social decorrente dos cuidados prestados e, sobretudo, o seu papel importantíssimo na promoção da qualidade de vida dos doentes.
O reconhecimento da sua importância e oferecer-lhes o apoio social, emocional e financeiro, através da criação de medidas de apoio e respetiva adequação ao desafios e necessidades dos cuidadores informais. Porque o cuidar não tem limite.
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