“Aprendi com a minha avó e também ela tinha aprendido com a avó, ou seja, esta é uma receita que passa de geração em geração”, lembra Ana Batista, chef de cozinha do restaurante Casa Cunha Leal, em Alcaide, sobre o “Arroz de míscaros”. Rui Cerveira, responsável pela cozinha da Casa da Esquila, no Sabugal, confirma: “não há, que se conheça, um registo escrito sobre a origem do ‘Arroz de míscaros’”. Começou “por ser um prato de subsistência, uma vez que se aproveitava tudo o que a terra dava, originalmente confecionado com pão, depois com batatas, e, só mais tarde, com arroz”, conta. A opinião é corroborada por Olga Cavaleiro, investigadora em história e cultura gastronómica, recordando que “o ‘Arroz de míscaros’ é uma receita recente, já que o seu consumo no interior beirão começa com o desenvolvimento da distribuição alimentar. Antes, usava-se, essencialmente o pão”.
Saber distinguir
É entre outubro e janeiro que decorre a época dos míscaros, dependendo das condições atmosféricas, já que para surgirem nos pinhais é preciso que chova e que a temperatura baixe. Esta é uma das mais de 3000 espécies de cogumelos selvagens registadas, sendo normalmente usados no “Arroz de míscaros” o “Tricholoma portentosum”, conhecido como míscaro branco, e o “Tricholoma equestre”, vulgarmente designado por míscaro amarelo. Portugal é um dos únicos países do sul da Europa a autorizar a confeção deste último, já que o consumo frequente pode provocar lesões. Fernando Tavares, da Liga dos Amigos do Alcaide e organizador do Míscaros – Festival do Cogumelo, assegura que “desde que haja moderação, não há problema”. A proibição espanhola, diz, “faz com que todos os anos cheguem ao festival várias camionetas de espanhóis, só para poderem apreciar esta espécie”. Rui Cerveira afina pelo mesmo diapasão, reconhecendo a predileção dos consumidores pelo míscaro amarelo, embora possa “acabar por ser proibido”. Recomenda que “não se meta no tacho qualquer cogumelo que se encontra na floresta, porque só pessoas experientes sabem distinguir entre os comestíveis e os venenosos”. O melhor, garante, é “confiar nos restaurantes desta e de outras regiões, que os sabem confecionar e distinguir graças à experiência adquirida ao longo dos anos”.
Cogumelo polivalente
O segredo do “Arroz de míscaros” “é a qualidade dos míscaros e a cebola usada no refogado”. Como todas as receitas, “cada cozinheiro tem a sua própria versão, havendo quem coloque tomilho, colorau e até quem o refresque com vinagre”. Mas, “a qualidade do míscaro é o mais importante”, esclarece Rui Cerveira. Além do tradicional arroz, esta espécie de cogumelo silvestre “pode ser usado para fazer entradas, como pataniscas, sobremesas, com a tarte de míscaros, e até licores, chás, sumos e aguardentes”.
Onde se come o melhor “Arroz de míscaros”?
Do minhoto “Arroz de sarrabulho de Ponte de Lima”, ao transmontano “Butelo com casulas”, da outrora pobre “Feijoada de sames”, ao cosmopolita “Bacalhau à Brás”, dos raros “Molhinhos de Carneiro com grão”, à serrana “Galinha cerejada”, passando pela tradicional “Espetada regional com milho frito” ou pelas festivas “Sopas do Espírito Santo”, a cozinha tradicional está repleta de truques, segredos, histórias para descobrir no novo guia essencial “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”.
Dividido pelas sete regiões de turismo – Porto e Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Ribatejo, Algarve, Açores e Madeira, o novo guia “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”, com a chancela Boa Cama Boa Mesa e apoio do Recheio, está à venda a partir de 8 de novembro (€15,90) em banca e/ou online AQUI (com desconto e oferta de portes para assinantes do Expresso). Neste guia pode saber onde se come o melhor “Arroz de míscaros” da Beira Interior, uma das 50 receitas regionais, que integram a publicação.
Ao longo de 260 páginas, dedicadas aos mais típicos sabores locais, revelam-se histórias e curiosidades que dão forma a estas receitas. Cada prato, uma história, por vezes com várias versões, para descobrir pela voz de quem lhe conhece os segredos e pela mão dos guardiões da tradição: os melhores restaurantes tradicionais, que preservam um legado passado de geração em geração.
Sugerem-se cerca de 250 espaços para visitar, sentar-se à mesa e comprovar a autenticidade dos sabores regionais, partir à descoberta dos produtos locais ou “pôr a mão na massa”, em experiências que envolvem gastronomia e vinhos.