Reza a lenda que a “Chanfana” terá surgido no Mosteiro de Semide, uma vez que, devido ao pagamento dos foros, até ao final do século XIX, os moradores deste couto estavam obrigados a entregar galinhas, vinho, azeite, dias de trabalho, cabras e ovelhas, como pagamento. Dado que as freiras não conseguiam manter grandes rebanhos, descobriram uma fórmula para cozinhar e conservar a carne, aproveitando o vinho que lhes era também entregue pelos rendeiros. Por ser cozinhada com vinho e banha a “Chanfana” acabava por se conservar durante largos meses.

Outra das crenças populares refere a terceira invasão francesa, quando as freiras inventaram esta fórmula gastronómica para evitar que os soldados franceses roubassem as cabras e as ovelhas da região. Uma outra declinação da história dá conta de que, uma vez que a população envenenou a água para liquidar os franceses, não restou outra solução a não ser confecionar a carne com vinho.

Madalena Carrito, Mordomo-Mor da Confraria da Chanfana de Vila Nova de Poiares, não acredita nestas versões. Assume ser impossível determinar com exatidão a origem da “Chanfana”, dando conta de que, “já no ‘Dom Quixote’, de Miguel de Cervantes, editado pela primeira vez em 1605, se falava desta especialidade”. No clássico da literatura pode ler-se: “Luta com eles para mostrar que é mais hábil, e com isso ganhar o respeito e a sobrevivência, com mostras de competência na arte de manipular a ‘Chanfana’ na circunvizinhança dos castelos.” Madalena Carrito aponta para “mais registos na literatura, onde a ‘Chanfana’ é referida sem que se consiga apurar a origem”.

Chanfana
Chanfana Pedro Cerqueira

A Confraria da Chanfana coloca Vila Nova de Poiares como “Capital Universal da Chanfana”, rivalizando com Miranda do Corvo, onde se localiza Semide, apelidada “Capital da Chanfana”. “Mais do que uma guerra”, a Mordomo-Mor assume que esta rivalidade tem “apenas o intuito de chamar a atenção para a especialidade, que estava a cair em desuso, sendo apenas confecionada em casas particulares”. Hoje, mais do que um prato de memórias, é “uma novidade que as novas gerações estão a descobrir e a apreciar”. Para Cremilde Loureiro, cozinheira, a receita é simples: “Começa-se por limpar as gorduras e partir a carne de cabra em pedaços pequenos.” Depois, “coloca-se num caçoilo de barro preto e tempera-se com louro, alho, salsa, colorau, sal e piripíri, rega-se com vinho tinto e deixa-se repousar”. O ideal é “deixá-la a marinar de um dia para o outro, levando-se depois ao forno, preferencialmente de lenha”. Algumas horas mais tarde, “depende do tamanho do forno e da caçoila, serve-se com batata cozida e, se houver, grelos”.

João d’Eça Lima, cozinheiro e proprietário do restaurante Xisto Louçainha, ressalva o aspeto da conservação como uma das razões para a criação da “Chanfana”. “Não havendo frigoríficos, era a melhor forma de, nas lojas debaixo das casas, conservar o preparado.” Terminada a confeção, o molho da “Chanfana” ainda se aproveitava para preparar outro prato: um “Arroz com couve”.

Restaurante Dona Elvira
Restaurante Dona Elvira Expresso

Onde se come a melhor “Chanfana”?

Restaurante Dona Elvira
Com 52 anos de portas abertas, Fernando Duarte, a segunda geração, com o irmão, à frente do estabelecimento, garante: “Servimos sempre a ‘Chanfana’ (€20) e os seus derivados.” Ou seja, há na ementa “A sopa de casamento” e ainda o “Negalho”, o bucho da cabra com as tripas do animal e confecionado como a “Chanfana”. Caso a refeição seja prolongada, no Restaurante Dona Elvira oferecem também alojamento.
Entroncamento, Vila Nova de Poiares. Tel. 239421480

A Parreirinha
Começou como uma pequena tasca, onde já se vendia “Chanfana”, mas em 1985 Fausto Lourenço adquiriu o espaço e transformou-o num restaurante moderno, onde a tradição ainda persiste. “Somos o mais antigo restaurante de Miranda”, diz sem dúvidas, da mesma forma que assume que a “Chanfana” (€16) e a “Sopa do casamento” são as especialidades d'A Parreirinha. Da região fazem ainda o “Sarrabulho” e os “Negalhos”, sugerindo para terminar o regional “Arroz-doce”.
Rua Doutor Rosa Falcão, 27, Miranda do Corvo, Tel. 914394008

A Grelha
Tem mais de 30 anos de portas abertas e, apesar de se dedicar a refeições rápidas a quem passa em trabalho na Estrada da Beira, diz Guilherme Seco, funcionário da casa, que “não podíamos deixar de ter ‘Chanfana’ (€19) na ementa”. A Grelha integra a lista de restaurantes recomendados pela Confraria da Chanfana, o que certifica que neste espaço apenas se serve a receita original.
Entroncamento, EN 17, Vila Nova de Poiares. Tel. 966986664



As Medas Restaurante
As Medas Restaurante Expresso

As Medas Restaurante
É um restaurante muito popular na região Centro do país, já que se localiza na igualmente famosa EN17, ponto de passagem obrigatória, antes da chegada do IP3, para quem circulava de Espanha. As Medas Restaurante é gerido pela mesma família há 68 anos, e hoje João Rosa, o proprietário, já delegou nos filhos a gestão do espaço, que se notabilizou pelo “Frango assado”. Além desta especialidade, também a “‘Chanfana’ (€16,95) já começa a trazer muitos clientes, porque aqui seguimos à risca a receita original”, garante com orgulho o responsável do espaço.
EN 17, Medas. Tel. 239421253

Museu da Chanfana
O nome Museu da Chanfana indica a dedicação extrema à confeção e à preservação da receita original da “Chanfana” (€18). Assumem-se como espaço especializado na confeção deste prato, que servem da forma mais tradicional, dando ainda a conhecer derivados da “Chanfana”, como a “Sopa de casamento”, feita com couves e fatias de pão, usando o molho da chanfana e a eventual carne que sobrava. Servia-se no dia a seguir à cerimónia de casamento aos convidados. Parque Biológico da Serra da Lousã, Quinta da Paiva, Miranda do Corvo. Tel. 915361527

Restaurante Tina
Começou por se chamar Tina do Bitoque, mas 20 anos depois, o Restaurante Tina assume-se como restaurante de cozinha tradicional portuguesa. Com fornos próprios, todos os dias há “Chanfana” (€18,50), “Sopa do casamento” e “Negalhos”. Clementina Ferreira, conhecida como Tina, aponta “outra das atrações da casa e que acompanha bem com a ‘Chanfana’: a broa com sementes”, receita caseira que será registada como exclusiva.

Guia Boa Cama Boa Mesa:
Guia Boa Cama Boa Mesa: Expresso

Um guia para provar Portugal
Do minhoto “Arroz de sarrabulho de Ponte de Lima”, ao transmontano “Butelo com casulas”, da outrora pobre “Feijoada de sames”, ao cosmopolita “Bacalhau à Brás”, dos raros “Molhinhos de Carneiro com grão”, à serrana “Galinha cerejada”, passando pela tradicional “Espetada regional com milho frito” ou pelas festivas “Sopas do Espírito Santo”, a cozinha tradicional está repleta de truques, segredos, histórias para descobrir no novo guia essencial “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”.

Dividido pelas sete regiões de turismo – Porto e Norte, Centro, Lisboa, Alentejo e Ribatejo, Algarve, Açores e Madeira, o novo guia “Restaurantes, Pratos e Produtos Regionais”, com a chancela Boa Cama Boa Mesa e apoio do Recheio, está à venda a partir de 8 de novembro (€15,90) em banca e/ou online AQUI (com desconto e oferta de portes para assinantes do Expresso). Neste guia pode saber onde se come o melhor “Arroz de míscaros” da Beira Interior, uma das 50 receitas regionais, que integram a publicação.

Ao longo de 260 páginas, dedicadas aos mais típicos sabores locais, revelam-se histórias e curiosidades que dão forma a estas receitas. Cada prato, uma história, por vezes com várias versões, para descobrir pela voz de quem lhe conhece os segredos e pela mão dos guardiões da tradição: os melhores restaurantes tradicionais, que preservam um legado passado de geração em geração.

Sugerem-se cerca de 250 espaços para visitar, sentar-se à mesa e comprovar a autenticidade dos sabores regionais, partir à descoberta dos produtos locais ou “pôr a mão na massa”, em experiências que envolvem gastronomia e vinhos.

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