A ciência tem mostrado evidências de que a saúde intestinal tem ligação direta ao estado emocional da pessoa, em virtude do tipo de bactérias que nela residem. Investigadores da Universidade da Califórnia Los Angeles, EUA, identificaram, em 2017, os microrganismos residentes no intestino que interagem com as regiões do cérebro associadas ao humor e comportamento, demonstrando pela primeira vez que existem diferenças comportamentais e neurobiológicas associadas à composição microbiana. Este é apenas um exemplo em que a ciência atesta aquilo que a observação empírica há muito evidencia: a saúde do intestino é vital para a saúde global do organismo.
Diferente de qualquer outro órgão do corpo, o intestino tem um sistema nervoso autónomo, o que lhe permite ‘tomar decisões’ sem precisar que o cérebro lhe indique o que fazer. Ora aí está o nosso ‘segundo cérebro’, que é ainda casa de 70% das células do nosso sistema imunitário.
Visto de diferentes ângulos à volta do globo, há muito que é valorizado a Oriente: «A medicina tradicional chinesa considera-o a raiz do homem, o que, atendendo à função fisiológica ocidental do intestino delgado, de processamento e absorção de nutrientes, faz todo o sentido. Porém também no cólon se passa grande parte do fenómeno da vida, para o bem e para o mal. Um cólon saudável, com a microbiota certa, é o segredo de um sistema imunitário extremamente eficaz, mas é também a garantia de não desenvolvimento de patologias que, como o cancro do cólon, assolam cada vez mais a população em geral, que sofrendo massivamente de prisão de ventre leva à retenção prolongada de fezes e de resíduos do metabolismo que são extremamente tóxicos para o nosso corpo e de difícil eliminação, a não ser através de meios mecânicos», começa por nos explicar António Marcos, naturopata e presidente do Instituto Português de Naturologia. E um destes meios é a precisamente a hidroterapia do cólon.
Os enemas, ou introdução de água no ânus, têm uma longa história. Conta-nos António Marcos que a técnica já era descrita num manuscrito Aramaico do séc. III como decisiva para ‘expulsar os demónios do corpo’, leia-se, as substâncias tóxicas que prejudicam o funcionamento do organismo, e foram sendo utilizados nos últimos dois mil anos, sem interrupção, para tratar achaques, dores, mau funcionamento intestinal, parasitas, etc. Outro apontamento histórico curioso é a sua utilização com adição de café diluído na água, para, na ausência de morfina, aliviar as dores dos soldados na 1ª Guerra Mundial (1914-18).
Hoje, a hidroterapia do cólon, ou hidrocólon, consiste na limpeza completa do intestino grosso através de um banho com água à temperatura do corpo, previamente filtrada e purificada. António Marcos explica que «é uma terapia naturopática assente na milenar limpeza ao cólon realizada através de enemas. Porém, ao contrário dos enemas que ‘despejavam’ no intestino grosso cerca de dois litros de água, irrigando sobretudo a sua parte terminal (cólon descendente, sigmóide e reto) e causando forte desconforto e premência na evacuação, o hidrocólon procede à irrigação de todo o intestino grosso (ascendente, transverso e descendente), através de um processo mecânico, levado a cabo por equipamento médico certificado, que no total da sessão utiliza entre 40 a 50 litros de água purificada e uma total gestão das pressões, por forma a evitar qualquer risco para a parede do intestino. Ao contrário dos enemas, trata-se de uma técnica totalmente indolor, mas de eficácia única na limpeza das aderências intestinais e de fezes retidas, na eliminação de substâncias tóxicas, na promoção do peristaltismo e do bom funcionamento intestinal, na regularização do pH intestinal e na recuperação da flora intestinal saudável».
Os benefícios apontados para esta terapia são inúmeros, começando pela libertação de resíduos que se podem acumular durante anos nas paredes do intestino até à melhoria da motricidade do intestino que aumenta a sua capacidade excretora. Em termos de benefícios para a saúde, o Instituto Português de Naturologia salienta a revitalização da flora intestinal, melhoria da absorção de nutrientes, revitalização do sistema imunitário, alívio das hemorroidas, regulação do colesterol, triglicéridos, glicémia e ácido úrico, ajuda a combater o stress e a combater o cancro, entre muitas outras vantagens apontadas. «E porque hoje temos muitas pessoas a sofrer de permeabilização intestinal que leva a uma entrada constante de substâncias tóxicas na circulação, à sua descarga para a zona hepática e a uma permanente congestão hepática, a hidroterapia vai ser decisiva na desintoxicação hepática e na promoção do funcionamento ideal do fígado. As mais imediatas manifestações positivas da terapia traduzem-se na sensação geral de bem-estar que os pacientes sentem logo após a sessão, no aumento da energia e nas melhorias visíveis da qualidade da pele, cabelos e unhas e acuidade visual», acrescenta António Marcos.
Agora a pergunta que se impõe. Existem milhões de bactérias no intestino que já vimos que são vitais para a saúde humana. Esta lavagem não destrói as colónias? «Não, esta lavagem não destrói as bactérias benignas que povoam o nosso intestino, antes pelo contrário, cria as condições ideais para que elas aí se mantenham e reproduzam, ao mesmo tempo que cria condições inóspitas para as bactérias que nos podem trazer problemas e sobretudo para a disseminação de fungos», explica o naturopata.
A história do José
José Silva tem 37 anos e decidiu fazer esta terapia após anos de desconforto abdominal. «Sempre tive dificuldade em fazer a digestão, mas nos últimos anos essas dores eram mais fortes e também tinha muita facilidade em perder peso, o que me incomodavam muito. Fui a um médico de clínica geral que me disse que não estava a fazer a absorção dos nutrientes, fiz vários exames, como a colonoscopia, endoscopia e exame às fezes, que não acusaram nenhum problema. Disseram-me que estava tudo bem, mas o certo era que continuava com as dores e toda a dificuldade no sistema digestivo. Por isso, fui a um naturopata que modificou a minha alimentação e sugeriu que fizesse três sessões de hidroterapia do colón», conta ao SAPO.
Para uma desintoxicação eficaz do intestino, são recomendadas entre três a cinco sessões, mas já para uma limpeza eficaz das placas poderão ser necessárias dez sessões. Estes procedimentos só podem ser efetuados por profissionais habilitados com a cédula profissional de naturopatia, ou outros profissionais de saúde, nomeadamente enfermeiros com formação específica na área.
Os efeitos, para José, vieram logo de seguida: «Logo no primeiro dia, o que eu notei foi que naquela noite dormi como há muito tempo não dormia, tive um sono de qualidade. Depois com o passar dos dias as cólicas foram desaparecendo, já não tinha o abdómem inchado, nem flatulências. E na consulta de seguimento com o meu terapeuta ele disse-me que tinha mais 1kg, isso indicava que o meu organismo já absorvia os nutrientes da minha alimentação. A verdade é que já não me sentia tão cansado e sem energia. O meu raciocínio também parece ter ficado mais rápido».
Alguns dos receios associados ao hidrocólon é que possa ser doloroso. Segundo o Instituto Português de Naturopatia, este não é doloroso, o que pode haver é algum desconforto devido ao descolamento das placas e ao estímulo da motricidade muscular do cólon. No caso do José, esta foi a sua primeira experiência e diz que «não é nada doloroso, até posso dizer que foi muito confortável. Fui seguido por uma enfermeira sempre atenta a qualquer reação minha ou do meu organismo».
Uma terapia natural
A hidroterapia do cólon é realizada com recurso a um equipamento específico que envia água para o intestino, que carece de formação especializada para o efeito, mas não existe regulamentação específica sobre a prática. «Trata-se de uma prática meramente instrumental, com máquinas devidamente certificadas e principalmente utilizadas no domínio da naturopatia, sendo profissionais certificados e legalmente habilitados a orientarem e prescreverem a mesma e que estudam profusamente este tipo de intervenção, pelo que não se justifica qualquer tipo de regulamentação adicional», explica o presidente do Instituto Português de Naturologia.
A terapia pode ser efetuada por qualquer pessoa a partir dos nove anos de idade. Existem, no entanto, contraindicações para pessoas com problemas cardíacos severos, aneurisma, com hemorragia ou perfuração do trato intestinal, carcinoma, fistulas e fissuras do cólon, gravidez, insuficiência renal e cirurgia recente ao cólon.
Sabendo que o corpo humano tem os seus processos naturais de limpeza, surge, por fim, a questão da mais-valia desta hidroterapia. Algo que o naturopata sustenta: «Se os processos naturais de limpeza estivessem eficazmente ativos no organismo humano, não necessitaríamos de tomar banho com regularidade. A generalidade da população hoje alimenta-se mal, com alimentos inadequados, muitas vezes carregados de agrotóxicos ou outras substâncias químicas. E isto aliado a que grande parte das pessoas sofre hoje de mau funcionamento intestinal leva a que tóxicos altamente lesivos permaneçam no interior do nosso organismo, podendo resultar daí danos celulares e intoxicação orgânica. O hidrocólon vai-nos permitir agilizar a limpeza interna, tal como o banho nos permite fazê-lo com a limpeza externa. Quase todos hoje se preocupam em manter-se limpos externamente, mas descuram a importância de permanecerem limpos internamente».