Paula Veiga tem 53 anos e faz voluntariado desde os 19. Neste ato de ajuda aos outros, Paula já fez um pouco de tudo: «Já lavei idosos, já lavei pratos, já fui condutora da Refood. Quando estou inserida num grupo tenho de cumprir o que me pedem para fazer. Quando sou eu que crio os grupos, normalmente peço donativos em géneros, vou recolher e entrego diretamente às famílias. Quando me dão donativos em dinheiro faço as compras e entrego às famílias carenciadas e apresento as contas ao grupo».
As motivações para fazer voluntariado são variadas. Se há algumas décadas predominavam as de índole religiosa, agora estas desdobram-se ainda em motivações sociais, políticas, ambientais ou culturais, derivadas de uma maior consciência cívica e de intervenção na sociedade. Paula Veiga, que trabalha na área de seguros, diz que gosta simplesmente de ajudar pessoas: «Não importa a idade ou a raça. Ultimamente tenho ajudado mais crianças, porque normalmente faltam bens essenciais, como papas, fraldas, produtos de higiene, e frescos, como carne, peixe, legumes fruta e outros miminhos de que elas gostam. Mas o que gosto mesmo é de conversar com as pessoas, ouvir as suas preocupações e distraí-las. Gosto também de animar os velhotes dar-lhes um pouco de alegria».
Está comprovado que ajudar os outros faz bem ao próprio. A ciência já provou que existe uma associação positiva entre o voluntariado e a boa saúde mental e o bem-estar emocional que se torna mais evidente por volta dos 40 anos. «Ajudar o outro não é apenas bom para o outro, mas também nos ajuda a ser mais felizes e saudáveis. O ato de contribuir também nos conecta aos outros, criando comunidades mais fortes e ajudando a construir uma sociedade mais feliz para todos. E não é só com dinheiro, podemos ajudar com o nosso tempo, ideias e energia. Então, se quer sentir-se bem, faça o bem», ressalta a psicóloga Catarina Carvalho. Paula confere que ajudar os outros a faz sentir-se muito bem. «É viciante porque quando começas queres sempre fazer mais. E é um ato quase ‘egoísta’, porque te sentes tão bem e é tao gratificante. Ao dar aos outros recebo tanto que mais parece que estou a pensar em mim».
Ainda assim, os portugueses não praticam muito estes atos de voluntariamente ajudarem os outros. E as razões são várias: «Entre outras causas, como sejam os poucos incentivos existentes para o exercício eficaz do voluntariado, a dificuldade da conciliação do trabalho-família e a pouca valorização dada a esta opção cívica. Mas também há questões culturais, como a predominância de uma cultura utilitarista e monetarista, que dá mais importância ao que tem preço e a qualquer forma de ganho material», salienta Eugénio José da Cruz Fonseca, presidente da direção da Confederação Portuguesa de Voluntariado. E acrescenta: «Ninguém pode negar que o povo português é solidário, mas vive este valor humano de forma mais reativa que proativa. Falta-lhe a cultura da solidariedade. Quero dizer, um sentido mais comprometido com o bem comum assente, não só na dádiva de bens monetários ou outros, mas na entrega de parte do seu tempo para enriquecer de mais humanismo a vida social, cultural, empresarial, sanitária, educativa, religiosa, ecológica, etc.»
O que é ser voluntário? Uma lei a precisar de ser revista
Por nem sempre estar associada a uma organização, Paula é um dos milhares de voluntários que ajudam os outros em Portugal, mas que não encaixam nas estatísticas do Instituto Nacional de Estatística (INE). O que é afinal um voluntário? «O voluntário é o indivíduo que de forma livre, desinteressada e responsável se compromete, de acordo com as suas aptidões próprias e no seu tempo livre, a realizar ações de voluntariado no âmbito de uma organização promotora», define a Lei 71/98, que define as bases do enquadramento jurídico do voluntariado.
Neste sentido, Portugal tem uma taxa de voluntariado muito mais baixa do que a média europeia. Segundo dados do INE, relativos a 2018, apenas 7,8%, ou seja 695 mil pessoas, faziam voluntariado em comparação com 19,3% da média europeia. A taxa de voluntariado formal cifrou-se em 6,4%, enquanto que a taxa de voluntariado informal foi de 1,5%.
Mas estes dados não refletem a realidade do país, uma vez que «há muito voluntariado informal que não é considerado para as estatísticas. Há novos setores em que o voluntariado se está a afirmar e passam despercebidos. Empiricamente, tem-se a consciência de que a percentagem divulgada peca por defeito. Todavia, mesmo se os dados fossem mais objetivos, ficaríamos abaixo da média europeia», explica-nos Eugénio da Cruz Fonseca.
Por isso, «os indicadores que até agora têm sido tidos em conta pelo INE têm de ser revistos. Desde logo, há que aferir o conceito do que é ser voluntário. Agora predomina o que consta da Lei 71/98, de 3 de novembro, que define as bases do enquadramento jurídico do voluntariado. Apesar de se manterem os princípios fundamentais em que o conceito assenta há que ter em conta algumas especificidades que se têm vindo a afirmar. É que esta lei já tem 22 anos. A sua revisão revela-se um imperativo para se encontrarem respostas a questões que continuam em aberto», acrescenta.
Ainda assim, os dados existentes indicam que a taxa de voluntariado feminino foi superior à masculina (8,1% vs. 7,6%). O escalão etário predominante foi o dos 15-24 anos (11,3%). A participação no trabalho voluntário aumentou progressivamente com o nível de escolaridade (15,1% nos indivíduos com ensino superior). A taxa de voluntariado foi superior nos indivíduos desempregados (10,5% contra 8,8% dos empregados) e solteiros (9,1%), referem os dados do INE.
Em termos de distribuição regional da população, a região Norte concentra quase um terço do total de voluntários (32,4%), seguindo-se a Área Metropolitana de Lisboa (28,3%), Centro (25,1%), Alentejo (6,8%), Algarve (3,7%), Região Autónoma da Madeira (2,0%) e, com a menor concentração, a Região Autónoma dos Açores (1,6%)
«Traçando um perfil sociodemográfico sintético do voluntário, poderá afirmar-se que, nas atividades de trabalho voluntário formal, destacaram-se os indivíduos mais jovens, desempregados, com níveis de escolaridade mais elevados, do sexo feminino e solteiros. No trabalho voluntário informal prevaleceram indivíduos em escalões etários mais elevados, com níveis de escolaridade elevados, desempregados, do sexo feminino e divorciados/separados», sintetiza o documento do INE.
Dados incomparáveis na Europa
Pelo facto de as próprias definições de voluntariado não serem similares nos vários países europeus, comparar dados não resulta num quadro realista. O mesmo é admitido pelo INE: «A comparabilidade internacional dos dados sobre trabalho voluntário é dificultada pela inexistência de metodologias harmonizadas e de informação para o mesmo período de referência».
O conceito de voluntário não estar bem definido – há o formal e o informal - é então um dos problemas que faz com que não se possam fazer comparações absolutamente fiáveis entre os diversos países europeus, assim nos reforça Gabriella Civico, diretora do Centro Europeu de Voluntariado: «Faltam dados sobre o voluntariado na Europa e os que existem não são comparáveis entre países devido às diferentes definições de voluntariado utilizadas e aos diferentes métodos e parâmetros de recolha de dados. Não acho que a taxa de voluntariado seja assim tão baixa em comparação com outros países. A questão é que, para efeitos de estatísticas, em Portugal é usada uma definição muito restrita do que é um voluntário, enquanto que noutros países é mais ampla».
Estatísticas regulares e comparáveis ajudariam os decisores políticos a desenvolver orientações e programas de voluntariado mais eficazes com base em evidências reais. Então porque é que com décadas de União Europeia ainda não existem estatísticas comuns? «A principal razão é que os responsáveis pela recolha de estatísticas na Europa, principalmente o Eurostat, não acreditam que seja uma questão suficientemente importante para investir recursos e exigir que os países o façam. Este argumento tem algum mérito, visto que o voluntariado é competência de um Estado-Membro e, por vezes, é uma competência regional e não da UE. Por outro lado, a UE investe no voluntariado através de programas como o Corpo Europeu de Solidariedade», salienta Gabriella Civico.
A Organização Internacional do Trabalho desenvolveu uma metodologia de medição e instou todos os seus membros a implementá-la, mas poucos o fizeram. «A abordagem portuguesa de recolha de dados seguiu parcialmente este modelo, mas não completamente», salienta a diretora do Centro Europeu de Voluntariado.
Entretanto, a OIT redefiniu a forma como recolhe estatísticas de trabalho e agora está a recolher dados sobre trabalho remunerado e não remunerado, para que seja possível obter dados mais comparáveis sobre o voluntariado.
Ainda assim, podemos olhar para o Flash Eurobarometer, que analisa a participação social e cívica dos jovens na Europa, e verificamos que, no campo do voluntariado, os jovens mais proativos são os da Dinamarca e da Irlanda, com 39 % a participar em alguma ação em 12 meses. No caso de Portugal, 27% dos jovens envolveram-se em iniciativas de voluntariado. No final da tabela está a Finlândia, com 17%.
Existem apenas dez países onde pelo menos um em cada dez entrevistados foi voluntário no exterior. Os jovens do Luxemburgo (15%), Estónia (14%) e Dinamarca e Áustria (ambos 13%) são os mais ativos fora de portas. Aqui, Portugal regista 3% dos jovens a fazerem voluntariado no estrangeiro.
Em 2015, o Inquérito às Condições de Vida e Rendimento (ICOR) incluiu um módulo sobre participação social e cultural, no âmbito do qual se questionou a participação em atividades de voluntariado e de cidadania ativa. Segundo o INE, esta fonte de informação foi considerada como referência possível para a comparação internacional da taxa de voluntariado formal, pela sua abrangência e atualidade. As taxas de voluntariado formal mais elevadas foram observadas no norte da Europa, com destaque para a Holanda (40,2%) e a Dinamarca (38,1%). No extremo oposto, surgem a Roménia (3,2%) e a Bulgária (5,2%). Portugal, considerando os dados do ITV 2018, antecedeu a Bulgária, com uma taxa de voluntariado formal de 6,4%, distante da média da UE-28 (19,3%).
Uma ação benéfica para a sociedade
Para além de fazer voluntariado fazer bem ao próprio, como nos confirmou Paula Veiga, é uma ação essencial à sociedade a vários níveis. Uma delas é contribuir para o crescimento económico do país. Calcula-se que o trabalho voluntário em Portugal represente 870 milhões de euros, tendo em conta que são realizadas cerca de 263,7 milhões de horas. Estas horas de trabalho voluntário equivalem a 2,9% do total de horas trabalhadas na economia portuguesa, segundo o INE.
Mas o impacto do voluntariado é sentido sobretudo no incremento do bem-estar das populações, que recebem as benesses dos voluntários. E na própria sociedade: «Colaboram para que o desenvolvimento não seja apenas crescimento económico, mas impregnado de valores humanistas. Asseguram a concretização de determinadas políticas públicas, dando-lhe uma dimensão de maior proximidade. Este estar próximo, a ser considerado, é uma mais valia para as opções estratégicas dos governos central e local possam ser mais realistas. São verdadeiros barómetros para a medição dos níveis da prática da cidadania desde o nível micro ao macro territoriais», assinala Eugénio da Cruz Fonseca.
A psicóloga Catarina Carvalho reforça que «o comportamento pró-social é considerado um dos impulsionadores do comportamento generoso dos seres humanos, sociais por natureza. Uma das razões por trás dos sentimentos positivos associados a ajudar os outros é que ser pró-social reforça o nosso laço de familiaridade com os outros, ajudando-nos a atender às nossas necessidades psicológicas mais básicas».
Aqui chegados, questionámos Paula Veiga sobre até quando iria fazer voluntariado. «Para sempre. Faz parte de mim. Só me sinto bem a fazer alguma coisa pelos outros».