Pensar num serviço da administração pública portuguesa com 200 anos é pensar numa estrutura criada para resolver as necessidades das pessoas, num ambiente social, económico, cultural, e até administrativo, completamente diferente daquele que hoje, 200 anos depois, continua a justificar o interesse e necessidade da existência de um serviço como este.
Esta realidade, que surpreende pela sua atualidade, deixando antever que o verdadeiro fundamento para a criação de um serviço que gere no território de um país, um sistema tão complexo como a floresta, só pode ser um sistema necessário à organização da sociedade, seja qual for o contexto político-administrativo que exista no país, a cada momento.
Essa é, na verdade, a razão pela qual ao longo de 200 anos, ainda que sob diferentes formas, o Estado assegurou o funcionamento de uma estrutura administrativa responsável pela política florestal em Portugal.
Sob a capa de diversos nomes e com uma cambiante curiosa de competências e autoridade, os serviços florestais em Portugal já tiveram quase todas as funções do Estado em si delegadas.
De gestores de património e ordenadores da paisagem, passando por responsáveis pela cobrança de impostos, até à função assistencialista de empregador para desempenho de apoios sociais nas épocas de carestia, as Administrações Florestais espalhadas pelo país foram corporizando o que o Estado, a cada momento, considerava como prioridade de desenvolvimento económico e social, tendo sempre presente um pensamento estratégico de longo prazo – que caracterizou a esmagadora maioria das decisões de arborização, construção de Infraestruturas, de um assinalável parque habitacional público – hoje desesperadamente a precisar de investimento – passando pela constituição de uma polícia técnica com formação especializada e um objetivo claro de proteção dos recursos naturais – a Guarda Florestal - até à criação do primeiro e até hoje único parque nacional do país – o Parque Nacional da Peneda-Gerês.
A democracia trouxe a liberdade de escolha que, condicionada pela exiguidade de recursos de um país pobre e exaurido pela guerra colonial e sob um contexto de forte assimetria regional em termos de desenvolvimento e de condições de vida entre o litoral e o interior, privilegiou naturalmente a escolha por um êxodo populacional interno e profundamente severo para os territórios do interior.
Estes territórios perderam o seu ativo mais importante – as pessoas – e com ele perderam a capacidade de se modernizar e de criar condições de resposta às necessidades, fossem elas de melhores condições de vida ou de criação de valor económico nas suas atividades naturais que, muitas delas, mostram hoje como podem ser importantes na economia nacional, como a caça ou a pesca em águas interiores, e o turismo!
50 anos de democracia e quase 40 de integração europeia permitiram esbater as assimetrias de desenvolvimento entre o litoral e o interior – temos hoje vilas e cidades médias no interior com uma ótima oferta em termos de qualidade de vida – mas falta-nos ainda enraizar o conceito de coesão territorial na cabeça dos cidadãos e, sobretudo, que essa realidade e vivência permita convencer cada vez mais pessoas a aí viver e a trabalhar.
Toda esta dinâmica não foi estranha à evolução dos territórios rurais e portanto, também não deixou de fora a floresta nem a sua evolução ao longo dos anos.
São raros hoje os casos de famílias que, por ocasião do nascimento de um filho, plantam um pinhal como forma de fazer face às expectáveis despesas do seu casamento, assim como são raras as paisagens de mosaico agroflorestal constituídas na sua maioria por agricultura de subsistência, o que associado ao êxodo e ao rendilhado composto pela repartição da propriedade, representam um sério problema de abandono de vastas áreas de território.
Se poderemos concordar genericamente com a ideia de que menos Estado pode ser melhor Estado, quando estamos perante um sistema em forte desequilíbrio, como aconteceu durante décadas com o mundo rural português, a fortíssima redução de investimento e de alocação de meios a que os Serviços Florestais foram votados, ainda que num contexto de escassez de recursos próprio de um país pobre como Portugal, teve como consequência um assustador afastamento do Estado face aos cidadãos e ao território rural, acompanhado do abandono de património, de atividades e de perda de valor para o país como um todo. E o melhor exemplo dessa perda de valor está sem dúvida no flagelo dos incêndios rurais que têm sido a principal causa de perda de biodiversidade em Portugal.
A feliz decisão de fusão dos Serviços Florestais com o Serviço de Parques e Reservas – que em 2012 juntou a Autoridade Florestal Nacional com a Autoridade Nacional de Conservação da Natureza – e que deu origem ao ICNF – Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas – veio mostrar algo que, por esse mundo fora, já era uma opção política a defender. Gerir espaços florestais e naturais é uma tarefa que não pode estar desligada, assim com as políticas de conservação da natureza e florestas não se fazem uma sem a outra. Os produtores florestais – e também os agricultores, por natureza – são os principais interessados na defesa de um equilíbrio ecológico e na proteção da biodiversidade, pois hoje ninguém tem dúvidas da interdependência entre o equilíbrio dos sistemas naturais e a sua capacidade de suportar atividades produtivas sustentáveis e duradouras.
Ao Estado cabe a difícil tarefa de regular os diferentes interesses em presença e assegurar que se cumpre-a responsabilidade que nos está confiada de garantir que as gerações futuras dispõem do mesmo nível de recursos com a capacidade de prover um nível de vida, pelo menos com a mesma qualidade de que dispõem as gerações atuais. Esta é a razão que está por detrás das decisões que geram por vezes os comentários de gozo pela defesa de um rato, ou de uma alcateia de lobos, ou de um ninho de uma ave de rapina. Por detrás dessas decisões está a procura de um equilíbrio sustentável entre o interesse individual e legítimo de um promotor, e a necessidade de garantir um futuro sustentável às futuras gerações.
Num contexto de grande dificuldade em termos mundiais, e com uma especial complexidade decorrente da mudança climática que a Terra atravessa, Portugal tem condições de assegurar através do ICNF a sua quota-parte de responsabilidade própria e o seu contributo para um objetivo maior, com que todos estamos comprometidos.
Para que tal aconteça precisamos de manter presente a necessidade de continuar a investir numa administração pública moderna, transparente e inovadora e na defesa do património natural, do qual a floresta é um dos melhores exemplos!
Presidente do Conselho Diretivo do Instituto da Conservação da Natureza e das Florestas