Os ecossistemas não foram criados para o homem. O homem é apenas um dos elementos do ecossistema. Esquecemo-nos de que a economia vive da componente ambiental. Se não tivermos solos, água, recursos vegetais e animais, não temos ambiente para funcionar como base da economia, nem para viver com saúde. Foi o facto de desrespeitarmos esta ordem natural que nos levou à situação actual, incluindo muito provavelmente a pandemia que estamos a atravessar.
Não tenhamos dúvidas: a transição para um sistema de vida sustentável e saudável não se faz sem os governos – mas cada um de nós tem de fazer também a sua parte. Neste início de ano, deixo aqui algumas ideias que julgo que todos conseguiremos implementar, com impacto no planeta e na nossa qualidade de vida. Sem fundamentalismos mas com a determinação de quem aceita ser chamado a escolher as nossas batalhas.
Comprar menos coisas. Precisamos de inverter a tendência do consumo como anti-depressivo. Inevitavelmente, precisamos de reduzir o consumo e perceber que é mesmo possível ser feliz com menos.
Trocar e partilhar produtos e serviços. São cada vez mais as plataformas electrónicas que nos permitem partilhar o que já não nos serve ou solicitar aquilo de que mais necessitamos, evitando o desperdício e o consumo desnecessário.
Usar menos o carro e, se possível, escolher carros menos poluentes. Andar a pé e de bicicleta é uma opção cada vez mais viável nas cidades que se reestruturam a pensar nas pessoas, não apenas nos automóveis. Os transportes públicos são outra alternativa. Li uma reportagem impressionante sobre a cidade brasileira de São Paulo, em que uma única linha de metro economiza 3 milhões de barris de petróleo por ano. Dá que pensar. E está nas nossas mãos fazer diferente.
Comer menos carne. O relatório “Livestock’s long shadow environmental issues and options”, da Food and Agriculture Organization (FAO), Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação, afirma que “a indústria alimentar contribui mais para o aquecimento global do que todos os meios de transporte juntos”. A pecuária, e em particular a bovinicultura, foi apontada como “uma das principais causas da degradação dos solos e da poluição da água”.
Comer menos peixe. As reservas de peixe para consumo humano entrarão em colapso em meados deste século, se nada for feito para o evitar. A pesca intensiva não só ameaça de extinção várias espécies de peixe, mas também destrói a um ritmo alucinante o ecossistema marinho com o sistema de arrasto. No documentário The End of the Line, inspirado no livro homónimo do jornalista e activista da Greenpeace, Charles Clover, aprendi algo que nunca mais esqueci: uma rede de arrasto pode destruir uma área equivalente a cinco mil campos de futebol numa única viagem. É de loucos! E registem isto, que em nada nos ajuda a tranquilizar: actualmente, só 3% dos oceanos são áreas marinhas protegidas.
Optar, cada vez mais, por alimentos locais e sazonais. Para chegarem ao prato, todos os alimentos implicam gastos de energia, consumida na produção e transporte. Quanto mais distante é a proveniência, maior a pegada ecológica. Um kiwi da Nova Zelândia chega a Portugal com um ónus de 1,84kg de CO2 por quilo, ou seja, cada fruto deixa uma pegada muito superior ao próprio peso. Se tivermos isto em conta, julgo que é mais fácil tomar decisões racionais na hora de ir ao supermercado, certo?
Passear mais na natureza. Apreciar as florestas que ainda perduram em Portugal e no mundo, deleitando-nos com a fauna e a flora no seu desfile de superioridade, num mostruário de como é bonita a natureza. Só é possível proteger aquilo que se conhece e que se ama.
Aproveitar os jardins das nossas cidades. São refúgios eficazes contra o stress e a ansiedade. O contacto com a natureza tem claros benefícios para a saúde e o bem-estar e isto tem tudo a ver com a sustentabilidade.
Dedicar tempo, por pouco que seja, a projectos pró-bono. O trabalho voluntário é essencial para diminuir as desigualdades e equilibrar o mundo, sobretudo se for usado em prol dos redução dos gaps de riqueza e oportunidades.
Sempre que possível, aderir ao teletrabalho. Segundo dados fornecidos pelo The Intergovernamental Panel of Climate Change (IPCC), órgão das Nações Unidas que avalia as descobertas científicas relacionadas com as alterações climáticas, basta retirar 50 mil pessoas das estradas de Lisboa para se poupar, num todo, mais de 220 milhões de euros por ano.
Recusar viagens desnecessárias, de trabalho ou de lazer. Mesmo que a pandemia dê tréguas, hoje já ninguém acha razoável apanhar um avião para ter uma reunião em Londres, demorar uma hora, e regressar no mesmo dia. Grande parte das reuniões internacionais foram esvaziadas de presença física porque, simplesmente, hoje como ontem, isso não faz qualquer sentido. Quem, nos últimos meses, participou em reuniões destas à distância percebe que, afinal, a coisa funciona. E os ganhos ambientais são efectivamente brutais.
O mesmo se passa com as viagens de lazer. Não é sustentável ir passar um fim-de-semana a Paris como quem vai de passeio à Costa da Caparica. É preciso moderar, também, este género de deslocações.
Calcular a nossa pegada ecológica. Mais importante do que diminuí-la é conhecê-la. Ninguém combate aquilo que desconhece. A maior parte de nós não tem noção de como as coisas nos chegam, temos um desconhecimento profundo sobre a origem e concepção dos produtos. Falta rastreio. Uma rápida pesquisa na internet permite-nos encontrar diversas calculadoras carbónicas, umas mais detalhadas do que outras. Na grande maioria é possível avaliar as emissões de vários modelos de automóveis, bem como o impacto das viagens de avião e do consumo energético em casa. Exercício informativo que pode ser mais ou menos consequente, caso decidamos compensar os valores emitidos e, sobretudo, alterar hábitos.
Recusar o descartável que, com a pandemia, voltou a invadir as nossas vidas. É urgente encontrar alternativas ao uso de máscaras e luvas descartáveis, por exemplo. Uma equipa de cientistas da Universidade de Aveiro tem estudado nos últimos meses o aumento de lixo e o recuo generalizado na gestão sustentável de resíduos de plástico, e alertam: estes são os maiores efeitos colaterais derivados do combate à pandemia. Estes investigadores estimam que, a nível mundial, são necessárias mensalmente 129 mil milhões de máscaras e 65 mil milhões de luvas! Sim, leu bem – em cada 30 dias! São números estratosféricos que teremos de combater. Cada um de nós, à nossa pequena escala.
Sem encolher os ombros.