“No ano de 1665, reinando em Portugal El Rei D. Afonso VI
do nome, D. António Luís de Menezes, Marquês de Marialva,
Capitão General desta Província de Alentejo, Governador das
Armas da Corte de Lisboa, Cascais e Província de Estrema –
dura e Vedor da Fazenda Real.
Ofereceu a Deus Nosso Senhor Esta Ermida que fundou
dedicada à invocação das almas em satisfação do voto que fez
Estando para sair a campanha com o Exército a socorrer a
Praça de Vila Viçosa e prometeu se o Senhor dos Exércitos
lhe concedesse vitória contra as armas de Castela a
fundaria no lugar da Batalha, em memória com missa todos os
dias pelos que morressem na peleja, fabricando-a do quehavia mister.
Tem 40 mil reis de renda em cada um ano pagos na consignação
da casa de Ourique enquanto não cabem no de Estremoz
sustento do Capelão que servir.
De que o Príncipe D. Pedro governando estes Reinos lhe fez
mercê e dotou tendo consideração a causa porque o
Marquês se empenhou com Deus pelo serviço e bem do Reino
como se vê no Alvará dado em 2 de Abril do ano de 1669.
A piedade deste Capitão e o amor com que serviu a Pátria
Pedem aos fiéis que entrarem nesta casa roguem a Deus
Nosso Senhor conceda descanso eterno aos que morreram e
se acharam na Batalha de Montes Claros, conservação da
Paz que a mão divina perpetue nestes reinos por sua misericórdia
conseguida depois de trabalhos contínuos e sangue derramado.
E nossos naturais não padeçam em tempo algum o que os
presentes ouviram, viram e experimentaram.
Espera confiado por prémio do que trabalhou no sossego
que logram se lembrarão de sua alma”.[1]
Fez no passado mês de junho 359 anos que se deu. Morreram 700 portugueses e cerca de 4.000 espanhóis.[2] A Batalha de Montes Claros (tomou o nome de um local perto de Borba), não foi uma batalha qualquer, entre as muitas que a Nação Portuguesa já travou ao longo da sua História, já que está ao nível e tem a relevância equivalente à de Aljubarrota e de Alcácer Quibir. Porquê?
Pois por representarem “esquinas” históricas, de cujo desfecho ou resultante, podia depender a sobrevivência soberana do país. Felizmente o desfecho de Montes Claros, foi decisivo, não por ter afetado irremediavelmente o poderio militar espanhol mas, sobretudo, por ter quebrado a sua vontade em subjugar a liberdade portuguesa de ter um Rei natural e em seguir uma via diferente da monarquia com capital em Madrid. A batalha foi superiormente dirigida pelo Marquês de Marialva, D. António Luís de Meneses, Capitão General do Alentejo – que tem uma merecida estátua equestre em Cantanhede – acolitado pelo Conde da Ericeira, D. Fernando de Meneses e o Duque Frederico de Schomberg, um notável militar alemão que abraçou a causa portuguesa.
O Exército Português cujo grosso das tropas se concentrava no Alentejo – província onde se desenrolaram as principais contendas da Guerra da Restauração (ou Aclamação), totalizava 12.700 homens (incluindo 2.000 britânicos), foi reforçado com 3.500 homens (quatro “terços” de infantaria e 14 companhias de Cavalaria) enviados de Trás-os-Montes, que tinham à cabeça o Conde de S. João; 2.400 infantes e 800 cavaleiros, idos das Beiras, comandados por Pedro Jacques de Magalhães e 300 cavaleiros e 2.500 infantes, idos de Lisboa, sob o comando de Sebastião de Vasconcelos e Sousa. As forças portuguesas totalizavam assim 22.500 homens e 20 peças de Artilharia, sem contar com as guarnições das praças-fortes existentes na área.
A ofensiva espanhola representou um último esforço de Madrid (aproveitando a recente paz que tinha acordado com a França) para quebrar a resistência portuguesa depois das vitórias que as forças lusas tinham obtido na batalha do Ameixial dois anos antes, a 8 de Junho de 1663 e de Castelo Rodrigo, em 7 de julho do ano seguinte. Para isso juntaram um forte exército, composto de 15.000 infantes e 7.600 cavaleiros a que se tem de juntar 14 peças de artilharia e dois morteiros e respetivas guarnições. O seu comandante, Marquês de Caracena, D. Luís de Benavides Carrilho, Capitão General da Estremadura, propunha-se ocupar Lisboa, tomando primeiro Vila Viçosa (era um alvo simbólico, dado ser a residência oficial da Casa de Bragança) e Setúbal. Ocupou Borba, que foi abandonada e pôs cerco a Vila Viçosa que resistiu, causando muitas baixas aos espanhóis (contabilizaram-se 1.200 mortos e muitos feridos nas forças espanholas e 112 mortos e 430 feridos nas forças portuguesas).
O Marquês de Caracena, ao saber da aproximação do Exército Português, que se tinha detido em Montes Claros, decidiu ir ao seu encontro travando-se a batalha, que durou das nove da manhã às seis da tarde. A cavalaria espanhola, que detinha vantagem sobre a portuguesa, atacou com violência em três cargas sucessivas, chegando a romper partes da 1ª linha portuguesa, mas o recompletamento das mesmas e os contra ataques efetuados desanimaram os espanhóis, que se puseram em fuga. O Comandante espanhol reconhecendo a derrota, fugiu para Juromenha e depois Badajoz.
A jornada estava ganha e em memória de tão notável feito, o Príncipe Regente D. Pedro, mandou erigir um padrão comemorativo, onde anualmente decorre uma pequena cerimónia. Na sequência decorreram conversações que levaram ao Tratado de Paz (que, infelizmente, durou pouco) de Lisboa, de 1668. Assinado com alguma precipitação e com a interferência das Cortes de Londres e Paris.
Em todo o conflito, que durou 28 anos e não se limitou à Europa, Portugal veio a perder a praça de Ceuta, por ter sido o único território em todo o mundo português que, por razões ainda não completamente esclarecidas, não aclamou D. João IV, como Rei de Portugal.
Hoje não temos questões territoriais e de soberania com a Espanha (mas o “Iberismo” não desapareceu), a não ser o caso pendente de Olivença e seu termo, ilegalmente ocupada por Espanha, desde 1807. Mas outras ameaças continuam a existir e as Forças Armadas Portuguesas estão, talvez, no seu nível mais baixo de sempre. Não que o seu potencial relativo de combate já não tenha estado mais baixo, mas porque os meios disponíveis para a sua recuperação (financeiros, materiais e em pessoal, etc.) são os mais limitados de sempre e, sobretudo, por não haver vontade nem determinação política e anímica para o realizar.
O panorama nos outros âmbitos não é melhor e as ameaças maiores que impendem sobre a Nação e o Estado Português – a saber, a fraqueza e corrupção política; dissolução moral e de valores; a dívida esmagadora; o federalismo europeu; a demografia negativa e agora, sobretudo, as diferentes formas de imigração e compra do território, e suas empresas - colocam o país chamado Portugal, não numa esquina da sua História, mas numa curva descendente que o irá precipitar, a muito curto prazo, na sua irrelevância histórica, na pobreza indigente, na escravatura mansa e na perda da sua matriz cultural. Uma curva que terminará em espiral e levará ao nosso desaparecimento.
Espera-se que nos futuros manuais de História tenhamos uma relevância superior, digamos, aos Hititas. O notável D. Jerónimo Osório, Bispo de Silves, ao ver-se confrontado com as consequências de Alcácer Quibir afirmou, em 1580, que “não via ao presente mais remédio”. Sessenta anos de cativeiro político foi o resultado, da incúria, intriga e venalidade (não apenas de Alcácer Quibir), cuja responsabilidade maior pertenceram ao alto clero e alta nobreza e depois contaram mais 28 anos de sacrifícios, lágrimas, perdas de património e numerosas vidas perdidas, a fim de garantir a nossa liberdade e independência. Um valor, aparentemente, pouco apreciado hoje em dia. E de que Montes Claros foi um marco fundamental.
Convinha lembrar tudo isto, pois vai ser muito difícil de sairmos do “buraco” onde nos metemos. Buraco que praticamente todos os políticos e televisões escamoteiam. E não vai ser fácil encontrar um novo Bispo de Silves, capaz de o afirmar. Ainda menos de lhe arranjar remédio.
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] Padrão memorial da fundação da Ermida de Nossa Senhora da Vitória de Montes Claros.
[2] Estima-se cerca de 2.000 portugueses feridos e os espanhóis, em fuga, deixaram cerca de 6.000 prisioneiros e feridos, e praticamente todo o seu armamento, munições, cavalos e muares e trem logístico.