O número de publicações sobre a cocriação, científicas ou de simples divulgação nos diversos meios de comunicação, tem crescido a um ritmo surpreendente desde as duas últimas décadas. Mas as empresas com visão de mercado foram as primeiras a apreender as mudanças sociais que talharam indivíduos mais informados e criativos, moldando as formas atuais de consumo. Por conseguinte, a cocriação, antes e além da ciência, dava já sinais de vida na realidade social, com as empresas a reconhecerem as novas motivações e os novos perfis de consumidores que exibiam modos mais participativos e ativos de consumo.
A orientação da gestão pela cocriação, definida como a gestão assente na mobilização das pessoas, processos e redes da organização para a integração dos recursos do consumidor na criação de valor, é uma resposta a todas as transformações que se operaram na esfera do consumidor, hoje descrito como mais experiente, informado e apetrechado tecnologicamente, mas também mais sensível às mensagens que apelam à sua autonomia e capacidade de escolha e personalização dos serviços e experiências de consumo.
As tecnologias digitais parecem cumprir com sucesso esse desígnio, abrindo às empresas perspetivas de inovação com base numa colaboração promissora e idealizada como contínua, dialogante e fértil. Apesar disso, o que sabem realmente as empresas acerca dos consumidores, como percecionam as suas disponibilidades e recursos para cocriar as suas experiências de consumo, ou que processos organizacionais diferenciam uma abordagem cocriativa à experiência do consumidor das demais abordagens permanecem questões em discussão.
Mas a orientação pela cocriação reconhece-se hoje como um imperativo de todas as organizações, não apenas das empresas, observando-se transversal a todas as áreas da vida social, como a saúde, o turismo ou a educação. Em todas estas áreas, o pressuposto é o de que os tempos atuais carecem de abordagens inovadoras à relação entre as organizações e os seus clientes, no âmbito das quais as tecnologias digitais desempenham um papel central.
Hoje, não apenas as tecnologias digitais são integrantes da praxis social como constituem um suporte inescapável da realidade organizacional. Os desafios que hoje se colocam às organizações no que toca ao papel que as tecnologias digitais desempenham no processo de consumo são imensos e suscitam nos gestores tanto ansiedade como fascínio quanto ao seu potencial transformador das relações sociais entre os atores. A possibilidade de comunicação virtual em direto, o rápido acesso virtual a amplas fontes de informação, as ferramentas de Inteligência Artificial que despontam no horizonte e se prevê permearem a vida, as funções e as responsabilidades sociais e empresariais são fatores que introduzem profundas ruturas nos modos tradicionais de viver a gestão organizacional. Todavia, é justamente na potenciação da utilização das ferramentas digitais que se descobrem as melhores oportunidades para desenvolver a visão pela cocriação, uma vez permitirem comunicação multidireccional, contínua e transparente entre organizações e consumidores. A cocriação compreende a visão de que o valor pode encontrar-se em qualquer lado fora da organização, nos atores sociais que são hoje dotados de mais recursos de informação, conhecimento e criatividade. Apostar no potencial cocriativo dos atores sociais é visto como o caminho conducente a sociedades mais democráticas e abertas, e nas quais a partilha de recursos ao serviço de soluções inovadoras se traduz em competitividade organizacional.
Professora Auxiliar da Faculdade de Economia e investigadora do Cinturs, Research Centre for Tourism, Sustainability and Well-being, Universidade do Algarve