Mas há algo que pode escapar ao espectador menos atento ou informado: se olharmos bem para a camisola do Uruguai, vemos quatro estrelas por cima do escudo. Ora, a FIFA permite que uma Seleção Nacional use uma estrela por cada Campeonato do Mundo conquistado e uma pesquisa simples mostra que o Uruguai venceu o Mundial de Futebol por duas vezes, em 1930 e em 1950. Mas porque usam quatro estrelas então? Vou saltar já para a resposta final: porque o Uruguai venceu o torneio de futebol que estava inserido nos Jogos Olímpicos de 1924 e 1928. E agora, caro leitor, sente-se que vem aí uma lição de História.
Reza a lenda de que o futebol foi introduzido na era moderna dos Jogos Olímpicos em 1896, em Atenas, quando uma equipa em representação do Império Otomano derrotou uma equipa local. Oficialmente, este jogo não é reconhecido porque também o seu acontecimento é duvidoso e não foi, até hoje, comprovado. Portanto, o futebol é introduzido de forma oficial nas Olimpíadas de Paris de 1900, não como desporto olímpico, mas sim como Desporto de Exibição, uma categoria que pretende testar a introdução de um desporto nos Jogos. Só em 1908, em Londres, é que o Futebol passa efetivamente a ser uma modalidade olímpica, com a organização da competição da modalidade a caber à FA (Football Association, a federação de futebol inglesa correspondente à nossa FPF). A mesma FA vai ainda organizar a competição de futebol nos Jogos Olímpicos de Estocolmo, em 1912.
E a partir daqui entra a FIFA. Fundada em 1904, a Federação Internacional de Futebol já havia tentado organizar um Mundial, mas falhou sempre. Percebendo o estatuto crescente da modalidade por conta da sua inserção nos Jogos Olímpicos, a FIFA vai então, em 1914, reconhecer o torneio olímpico como um torneio mundial oficial para amadores e, em 1923, fica-lhe entregue a organização completa e independente dos torneios olímpicos de 1924 e 1928, em Paris e Amesterdão, respetivamente. Ambos os torneios vão ser vencidos pelo Uruguai e vão ser usados pela FIFA como teste para a organização do primeiro Campeonato do Mundo FIFA, que decorreu em 1930, precisamente no Uruguai.
De Rivera a Montevidéu, se há coisa que não se discute é que o Uruguai é tetracampeão do Mundo de futebol. Como equiparar as competições dos dias de hoje às do século passado é sempre um exercício complicado e não unânime, os uruguaios usam um critério ao qual se recorre comummente neste tipo de casos: a reação mediática e o sentimento social coletivo. Mediaticamente, de facto, há várias provas de que vários jornais europeus e sul-americanos da época, antes e depois de ambas as competições de 1924 e 1928 acontecerem, tratam o torneio como um campeonato mundial e o seu vencedor como campeão do mundo. No Uruguai, o título foi festejado em 1930 como o terceiro e em 1950 as palavras emocionadas do narrador Carlos Solé em direto do Maracanã, no Rio de Janeiro, não deixam dúvidas: “É tetra!”. Na época, por uruguaios e europeus, o Uruguai foi considerado campeão do mundo ao vencer ambas os torneios, que apesar de olímpicos rinham organização da FIFA, de 1924 e 1928.
E, se não nos quisermos apegar a estas manifestações mediáticas e sociais coevas das vitórias uruguaias, prendemo-nos ao slogan que fui usado, em 2008, para promover o jogo amigável entre França e o Uruguai, “O jogo das 5 estrelas”, que faz alusão às quatro conquistas mundiais do Uruguai e à, até então, única conquista da seleção gaulesa.
Ao longo das últimas duas décadas, a FIFA tem dado constantes passos atrás e à frente no reconhecimento do Uruguai como tetracampeão do Mundo. Por várias vezes ordenou que retirassem duas das quatro estrelas que aparecem na camisola. Hoje, não é clara a posição da FIFA dobre este assunto, porque, por um lado, reconhece o Uruguai como tetracampeão, embora não reconheça como vencedor de quatro Campeonatos do Mundo, mas sim de dois torneios mundiais (’24 e ’28) e dois Campeonatos do Mundo FIFA (’30 e ’50), por outro, de forma recorrente pede para que o Uruguai exiba só duas estrelas. De acordo com a atualização de 2021 do Regulamento de Equipamentos da FIFA, “Uma estrela de cinco pontas da FIFA (…) pode ser usada por qualquer seleção nacional sénior por cada vitória em cada uma das seguintes Competições FIFA: Campeonato do Mundo FIFA, (…).” Em nenhum momento foi feito algum reconhecimento dos torneios olímpicos de ’24 e ’28 como Campeonatos do Mundo FIFA, apesar de estes terem sido organizados de forma completa e independente pela mesma FIFA. A rotina é sempre a mesma: a FIFA pede para que se retirem duas estrelas, o Uruguai apresenta os seus documentos comprovativos e argumentos para usar as quatro estrelas e a FIFA acaba por autorizar. Tudo isto para, poucos anos mais tarde, se repetir. É uma dança confusa, injusta e que carece de resolução de uma vez por todas.
Hoje uma coisa é muito clara: Campeonato do Mundo é uma coisa e Jogos Olímpicos são outra. Mas como vimos, nem sempre foi assim e há lugar para variadas leituras e interpretações. Da minha parte, não há dúvidas de que o Uruguai é tetracampeão do Mundo de futebol. Mas na verdade, o Uruguai que seja o que quiser: bicampeão do mundo, tetracampeão, campeão de tiro ao balão – o que quiserem! Desde que não nos ganhem em 2022.
Diogo Luís Teixeira, Estudante