A Semana Europeia da Mobilidade é assinalada anualmente desde 2002, com o propósito de sensibilizar para a importância uma mobilidade urbana mais sustentável. Vinte e dois anos após o lançamento desta iniciativa da Comissão Europeia, vale a pena fazermos uma reflexão sobre este tema, principalmente quando a sustentabilidade é um dos temas da atualidade.
Com mais de 70% de cidadãos europeus a viver em áreas urbanas, tornou-se premente que se tomassem medidas para minimizar os impactos do ruído e da poluição atmosférica, e proporcionar uma melhor qualidade de vida aos habitantes das grandes metrópoles. Porém, a verdade é a cultura do carro permanece, não só em Portugal, mas também no Sul da Europa. E porquê?
Em primeiro lugar, o automóvel continua a desempenhar um papel muito importante no estilo de vida de milhares de cidadãos, pois, proporciona comodidade e conforto nas deslocações diárias, num contexto em que a rede de transportes públicos continua a apresentar algumas fragilidades, sobretudo, fora dos grandes centros urbanos. Com a deslocação dos cidadãos para as periferias, muito influenciada, entre outros fatores, pelo aumento do preço das casas, o carro continua a ser a solução de transporte para muitos. Os Censos de 2021 corroboram este facto, ao revelarem que 66% dos portugueses se deslocam de carro nos seus movimentos pendulares, enquanto há dez anos eram 62%.
Também os resultados do mais recente Observador Cetelem revelam que o nosso país está entre aqueles onde é mais importante para os cidadãos possuírem um veículo (89%), considerado indispensável. Vislumbrando que a ideia de um futuro sem carros parece não fazer parte dos planos dos cidadãos.
Não obstante, não podemos olhar para o carro como o principal entrave ao cumprimento do objetivo delineado pelo Parlamento Europeu até 2035: uma mobilidade rodoviária com zero emissões de CO2 no que se refere aos automóveis novos de passageiros e veículos comerciais ligeiros. Estamos já num processo de transição promissor, dos veículos a combustão para os elétricos e híbridos. Porém, é necessário um esforço concertado para aumentar o acesso a estes veículos que estão ainda fora do alcance da maioria da população, assistindo-se a um crescendo da procura por veículos usados nesta categoria. Em boa medida, porque se tornam mais acessíveis a um maior número de cidadãos, tal como já acontece com os automóveis a combustão. Contudo, a oferta ainda é menor que a procura.
Estes comportamentos dos consumidores, caeteris paribus, são reforçados pelo crescimento do financiamento de carros usados, 11% acumulado a julho de 2024, e do financiamento de motos, 15% no mesmo período, indicando claramente procura por soluções de mobilidade acessíveis, adaptadas às condições económicas. Por outro lado, a durabilidade das baterias dos veículos elétricos e híbridos têm levantado algumas dúvidas, o que gera ainda alguma incerteza quanto ao sucesso deste futuro mercado de usados.
Tendo em conta este contexto e com mais de metade dos portugueses (51%) a desconhecerem os benefícios associados à compra de carro elétrico, é urgente investir na informação dos cidadãos sobre a mobilidade mais sustentável. Ao mesmo tempo, é fulcral o investimento nas redes de transportes públicos, não só nas grandes cidades, mas também nas áreas suburbanas e até rurais, de forma a reduzir a dependência dos portugueses do carro.
Mais do que falar num futuro sem carros – que não mudará de um dia para o outro -, devemos olhar para todos os veículos como meios de transportes que podem contribuir para um futuro mais verde. Um futuro mais sustentável ao nível da mobilidade é possível, dependendo apenas da tomada de medidas para que todas as formas de mobilidade coabitem, incluindo a necessária regulação das regras de trânsito, nas cidades e fora delas, permitindo aos cidadãos a possibilidade de fazer melhores escolhas em prol do ambiente.
Mobility & Group Synergies Director, Cetelem – BNP Paribas Personal Finance