Quando, a 20 de março de 2023, Carlos Moedas se juntou à manifestação de proprietários e alojadores locais "contra medidas do governo que restringem o arrendamento de curto prazo de habitações a turistas" na Praça do Município, desceu do gabinete e veio apoiar os alojadores locais "lamentando a decisão unilateral" do executivo socialista de então e acrescentando que o alojamento local é um setor "do qual muitas famílias dependem" — esquecendo todas as dezenas de milhar de famílias que foram expulsas de Lisboa — não o fez por ser estúpido (Moedas é uma pessoa extremamente inteligente e político muito sagaz) nem por temer perder o apoio eleitoral de que precisará em 2025, quando se apresentar novamente ao eleitorado numa eleição que, em 2021, ganhou por menos de 1% e por apenas 2.294 votos. Deu esse apoio ao AL num cálculo político.
Em primeiro lugar, Carlos Moedas ao declarar apoio ao lobby do AL, invocou um argumento estafado, repetido à exaustão mas nem por isso mais verdadeiro numa aplicação da tese de que "uma mentira repetida mil vezes torna-se verdade", atribuída a Joseph Goebbels, ministro da propaganda de Adolf Hitler na Alemanha nazi. Goebbels era responsável por manipular a opinião pública através de uma extensa campanha de desinformação e propaganda. O lobby do AL aplica a mesma teoria mas a verdade é que não, o AL não é "um setor do qual muitas famílias dependem".
A extração dos Dados Abertos que fiz em outubro do ano passado dos dados do Alojamento Local registados no site do Turismo de Portugal (que reúne apenas os registos legais sabendo-se que o setor ilegal tem uma dimensão que, provavelmente, é tão grande como o legal) demonstra que em 21 266 alojamentos locais apenas 722 tinham apenas uma fração, que 1460 tinham mais do que duas, logo tinham funcionamento empresarial, que nove tinham mais de 100 frações sob seu controlo direto, sendo que a "Ajuda Flat With Terrace", na Ajuda, tinha na sua posse 277 AL e a "AscensorBica - Lisbon Serviced Apartments" operava 211 AL na Misericórdia. Outros sete operadores tinham mais de 100 frações cada, 660 operadores tinham mais de cinco frações e 649 escondiam-se por detrás de sociedades de advogados pelo que, de facto, poderiam ter mais do que um AL já que podiam estar representados em várias destas 649 sociedades de advogados. Por outro lado, muitos proprietários de AL escondiam-se atrás de sociedades comerciais com participações cruzadas.
Por outro lado, existem registos de Alojamento Local operados por empresas de vinhos, empresas de construção civil, hotel Altis, AL registados em nomes de particulares mas com operação em 14 casas diferentes, muitos AL operados por empresas de arquitetura, empresas de contabilidade, funcionários do Parlamento (!) e das Finanças, agências imobiliárias, restaurantes, pela Associação Lisbonense de Proprietários (que, num caso que conheço, expulsou de um prédio todos os inquilinos substituindo-os por AL), empresas de AL operadas por cidadãos russos, britânicos, chineses, indianos, cidadãos do Bangladesh, etc.
Com apenas uma fração existiam apenas 722 registos num total de 21 266. Estas serão provavelmente as "famílias" a quem Moedas veio declarar apoio: 3,39% do total de AL. Destas famílias, muitas nem sequer residem ou votam em Lisboa, tendo optado por colocar as suas casas na cidade em AL e ido viver para os subúrbios. Os ganhos eleitorais de Moedas com este apoio são, portanto, displicentes. O preço que paga por este apoio é, contudo, reduzido. Desde logo porque os exilados do AL, os despejados para fora de Lisboa, as famílias que deixaram de conseguir suportar os preços do arrendamento e das casas em Lisboa e que vão viver cada vez mais longe do epicentro do terremototurismo lisbonense centrado nas freguesias histórica de Lisboa onde já há mais casas em AL do que habitadas por pessoas e não votarão contra Moedas em 2025.
Em Lisboa, no plano delineado e em execução, na cabeça de Carlos Moedas está a verdadeira "grande substituição": não apenas aquela que através da ganância de muitos empresários (a maioria ligados ao setor do Turismo) coloca 20 e 30 pessoas a viverem em apartamentos sobrelotados e que a Câmara Municipal diz não ter recursos para fiscalizar mas também aquela que — os dados do INE comprovam-no — vem transformando um número crescente de freguesias de Lisboa em freguesias gentrificadas em que apenas a classe média-alta e alta consegue habitar ou em virtude de heranças ou através de rendimentos muito acima da média nacional. Os estudos eleitorais indicam que a maior parte do eleitorado do PS se encontra na população sénior e de rendimentos baixos ou médios e nos níveis de formação académica abaixo da licenciatura. Por outro lado, o eleitorado do PSD, CDS e IL encontra-se nos segmentos mais elevados de rendimentos e formação académica.
Podemos falar sobre essas divergências mas aqui, neste momento, estamos noutra equação: Até que ponto é que este apoio entusiasta, declarado e apaixonado de Carlos Moedas e, por contágio, ao governo AD, é intencional como forma de impor e reforçar um "right shift" (desvio para a direita) do eleitorado lisboeta? Será esta a verdadeira "grande substituição", planeada e executada com grande aplicação e empenhamento pela direita e a explicação maior deste estranho (pelo excesso) apoio ao lobby do Alojamento Local?
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democratização dos Partidos