“Vamos agradecer aos idiotas. Não fosse por eles não faríamos tanto sucesso.”
Mark Twain
Eis um dos mistérios/confusões mais bem guardados/baralhados do “comércio” mundial. O negócio dos hidrocarbonetos (petróleo e gás) é um dos maiores negócios que há no mundo.[1] E não é só um negócio, é um fator geopolítico vital.
Foi desenvolvido a partir do início do século XX, sobretudo a partir de uma espécie de “cambão” de sete grandes companhias nacionais e multinacionais que se formaram - conhecidas pelas “sete irmãs” - a saber, a Royal Dutch, a Shell; a British Petroleum; a Standard Oil of New Jersey (ESSO); Exxon, que se fundiu mais tarde com a Mobil; Standard Oil of New York, mais tarde Mobil, que se fundiu com a Exxon, formando a Exxon Mobil; a Texaco, que se fundiu com a Chevron, ficando a Chevron Texaco, em 2001 e até 2005, ano em que voltou a ser Texaco; Standard Oil of California, a qual formou mais tarde a Chevron e incorporou a Gulf Oil e depois a Texaco; a Golf Oil, absorvida pela Chevron.[2]
Deste modo, das sete irmãs restam apenas quatro: a Exxon Mobil, a Chevron Texaco, a Shell e BP. Estas “sete irmãs” fizeram um pacto secreto, em 27 de agosto de 1928, em Achnacary (Escócia). Com este pacto criou-se um cartel, que dominou o preço do petróleo até 1960 e tentaram impedir que outras empresas tivessem acesso ao mercado do petróleo, só para ficar por aqui.
Em 14 de setembro de 1960, formou-se a Organização dos Países Exportadores de Petróleo (OPEP). Esta entidade foi criada, em Bagdad, no Iraque, com o objetivo de estabelecer uma política comum em relação à produção e à venda de petróleo. Foram cinco os países fundadores: Irão, Iraque, Kuwait, Arábia Saudita e Venezuela. Tem sede em Viena de Áustria. Os atuais membros, para além dos referidos são a Argélia, Angola, Guiné Equatorial, Gabão, Líbia, Nigéria, República do Congo, e Emirados Árabes Unidos. Equador, Indonésia e Catar são ex-membros.[3]
Mais tarde, em 1975, houve um acordo entre a Arábia Saudita - que sempre foi o líder da OPEP - e os EUA que permitiu ao presidente Nixon abandonar unilateralmente o acordo de Bretton Woods, de 1944 - em que se estabelecia o “padrão ouro” como regulador maior da moeda, depois dos “Financeiros” o terem imposto ao Presidente Roosevelt, na sequência da Grande Depressão de 1929 e da crise da libra, em 1931 - e ter imposto (e salvo) o dólar, obrigando a que toda a compra e venda dos hidrocarbonetos fosse feita em dólares (os famosos “petrodólares”), mantendo assim a moeda americana como a moeda de referência.[4] E cada vez que tal estatuto é ameaçado, logo se soltam os quatro cavaleiros do apocalipse, com o dito cujo da guerra, à cabeça...
*****
O negócio dos hidrocarbonetos pode ser dividido em quatro partes, a saber: a exploração (prospeção e extração); o transporte (oleoduto/gasoduto/transporte marítimo); a refinação e o comércio, onde entra a tal questão da moeda.
Em 1974, Portugal encontrava-se em vias de ser, não só autossuficiente, como grande exportador (sobretudo por causa das jazidas existentes em Angola e perspetivas de exploração noutros locais), possuía duas refinarias, em Lisboa (entretanto desaparecida) e Leixões e encontrava-se, desde 1973, a realizar o grande projeto industrial em Sines; possuía uma frota de petroleiros e a sexta moeda mais sólida do mundo, o saudoso escudo. Todas as reservas estavam em território nacional.
Hoje não temos produção própria, à exceção de vários poços no Brasil, comparticipados pela Galp; não temos um único navio petroleiro ou de transporte de gás; fechámos inexplicavelmente a refinaria de Leixões (embora tenham decidido manter a capacidade de armazenagem) e sobre Sines pairam as mais desvairadas ideias; não temos moeda própria e uma percentagem não conhecida das reservas existentes (para três meses) encontram-se armazenadas na Alemanha. Ninguém entende porquê.
Felizmente, depois do desvario estratégico de fazer entrar o gás, oriundo da Argélia, por Espanha, a partir de Sevilha para a nossa fronteira, lá se percebeu que era fundamental ter um terminal marítimo para gás liquefeito e construiu-se um em Sines. Em simultâneo construíram-se cavernas em Pombal para armazenar as nossas reservas. Raramente se acerta, mas às vezes acontece.
Ora bem, com este pano de fundo (sucinto) como é que se chega ao preço do crude que aparenta oscilar de um modo que ninguém entende; todos se queixam dos preços e não há maneira de se poder ter qualquer previsão da sua evolução, mesmo quando não há nenhuma guerra importante que o possa afetar? Creio que ninguém conseguirá responder a esta questão.
Do que fica dito podemos começar por afirmar que existe um preço que é fruto dos custos de prospeção e exploração a que se devem juntar o acréscimo do transporte, da refinação e depois do comércio, isto é, como fazer chegar o produto aos consumidores e a definição da margem de lucro de todos os intermediários, até ao elo final. Sobre o preço final - que aparentemente está dependente da oferta e da procura e das condicionantes que possam existir sobre os fatores de produção e comércio atrás apontados - de que as guerras podem ser os mais graves, mas estão longe de ser os únicos - cada governo lança então os impostos que entende sobre o mesmo.
E é aqui que cabe registar o exagero - que se assemelha a uma canga de escravo – com que os sucessivos governos portugueses espoliam o cidadão nacional, a que se tem que juntar a exploração frenética de tudo o que se relaciona com a compra e manutenção de um carro. Tirando isto, a única maneira que um governo tem de se poder defender e ao seu país - é suposto o governo servir para defender o país e os seus cidadãos, neste caso os portugueses - é poder controlar alguns dos fatores de produção e, ou, tornar-se autossuficiente em matéria energética, sem o que nenhuma economia subsiste e sem o qual o género humano tenderá novamente a regressar à idade da pedra, após a invenção do fogo!
Ora, já vimos que, tirando a produção dos poços de petróleo comparticipados pela Galp (e resta saber o que se faz com isso) e a refinação em Sines, o Estado português é refém de tudo o mais. E é “masoquista”, pois vendeu a EDP a estrangeiros - uma empresa estratégica e lucrativa -, aliena barragens produtoras de energia de modo escandaloso, e que em alguns casos se encontra em tribunal; fecha estupidamente a refinaria de Leixões e as centrais a carvão; não faz com que a Espanha cumpra o acordado quanto a caudais mínimos dos rios internacionais e desistiu de ter marinha mercante (a Marinha de Guerra vai pelo mesmo caminho depois da entrada em vigor da Lei de Defesa Nacional, em 1982…) – e também a de Pesca - e ignora a energia nuclear.[5]
Oficial Piloto Aviador (Ref.)
[1] Um hidrocarboneto é um composto químico constituído por átomos de carbono e de hidrogénio unidos tetraedricamente por ligação covalente (do tipo simples, dupla ou tripla) assim como todos os compostos orgânicos. Os hidrocarbonetos naturais são compostos químicos constituídos apenas por átomos de Carbono (C) e de Hidrogénio (H), aos quais se podem juntar átomos de Oxigénio (O), Azoto (N) e Enxofre (S), dando origem a diferentes compostos de outros grupos funcionais. São conhecidos alguns milhares de hidrocarbonetos. A sua característica mais comum é a de que se oxidam facilmente, libertando calor. Os principais hidrocarbonetos são o petróleo e o gás natural.
[2] O termo “Sete Irmãs” foi criado por Enrico Mattei quando era director da petrolífera italiana Agip-ENI. Mattei acusava o “oligopólio” formado pelas petrolíferas de criar um cartel para dominar o mercado petrolífero internacional.
[3] Em 2018 os então 14 membros representavam 44% da produção global de petróleo e 81,5% das reservas então conhecidas.
[4] Basicamente o acordo resume-se ao compromisso dos EUA defenderem os poços de petróleo da Arábia Saudita e em troca os Sauditas fixariam o preço das suas vendas de petróleo exclusivamente em dólares americanos, o que foi seguido, em 1975, por todos os restantes países da OPEP. E, ainda, investirem os lucros do petróleo excedente, em títulos de dívida do governo americano, em troca de oferta semelhante por parte dos EUA.
[5] Ou seja está dependente a 100% dos fretes de quem quiser fazer o transporte.