Devo dizer que a questão de saber se, no processo de redução, já anunciado, do elenco governativo, a Cultura vai ou não ser Ministério não me causa grande inquietação. Por exemplo, se António Costa dedicasse mais tempo à Cultura do que o habitual encontro de apoiantes do sector que promove sempre antes de eleições ou a presença numas inaugurações avulsas, talvez valesse a pena que existisse um Secretário de Estado da Cultura na directa dependência do Primeiro Ministro. Mas como sabemos não é isso que se passa.
Independentemente da conjuntura especial que temos vivido - pandemia,crise, guerra - a Cultura é sempre a parente pobre da atenção do Primeiro Ministro. Sobre a estrutura do Governo, qual o sentido de existir um titular da pasta da Cultura com assento no Conselho de Ministros, mas que não tem voz activa ou condições para convencer e obter apoio dos seus colegas de Governo, nomeadamente na área das finanças e da Economia, além dos Negócios Estrangeiros.
Porque pego nestas três áreas? Porque as finanças são estruturantes para se poder rever o financiamento no quadro do Orçamento de Estado, para se conseguir alterar a fiscalidade do sector, desde medidas de incentivo à compra de obras de arte por particulares ou empresas, e até à autonomia financeira de Museus e outras instituições, que continuam de mãos atadas, sujeitos a cativações e que nem sequer conseguem chegar aos apoios mecenáticos que eventualmente angariam; a Economia porque é aí que converge muito do que são indústrias criativas, o desenvolvimento digital e o turismo, áreas que numa série de países europeus estão associadas à pasta da Cultura; e, finalmente, os Negócios Estrangeiros porque tem a ver com a divulgação da língua e a promoção da cultura portuguesa fora das nossas fronteiras.
E nem vou tão longe quanto aqueles países que colocam a Cultura na mesma estrutura governamental que o Desporto, como acontece em Espanha. Atentemos na definição de actividades do Ministério da Cultura e dos Desportos em Espanha: “cabe ao Ministério da Cultura e Desporto a proposta e execução da política do Governo em matéria da promoção, protecção e difusão do património, protecção e difusão do património histórico espanhol, dos museus do estado e das artes, livro, leitura e criação literária, das actividades cinematográficas e audiovisuais, dos livros e bibliotecas estatais, assim como a promoção e a difusão da cultura espanhola, a dinamização das acções de cooperação cultural, e, em coordenação com o Ministério das Relações Exteriores, União Europeia e Cooperação das relações internacionais em matéria de Cultura. Da mesma forma compete-lhe a proposta e execução da política do Governo em matéria de Desporto.”
Creio que faz sentido que a preservação e valorização do património tenha ligação com o turismo, assim como faz sentido que a gestão dos jogos de apostas sejam fonte de financiamento da actividade cultural, como também acontece numa série de países. E faz sentido que o desenvolvimento digital, tão ligado hoje em dia a áreas como o audiovisual, estejam também juntos. Nalguns países a Cultura e a Comunicação estão juntas, como aliás já acontece desde há uns anos em Portugal - mas esta ligação é sobretudo vista como forma de promover o desenvolvimento e a literacia digital. E, há até um país, a Suécia, onde o Ministério da Cultura é responsável por assuntos como actividade cultural, democracia, mídia, minorias nacionais, política juvenil e desenvolvimento da sociedade civil.
Aqui chegados, atingimos o cerne da questão: qual é a política cultural proposta - alguém sabe o que o Governo vai fazer, além das generalidades do programa eleitoral do PS? Quais os objetivos traçados? Até que ponto quer o Primeiro Ministro efectivamente mudar o curso das coisas e dotar a Cultura de mais peso e maior capacidade de acção? O nome escolhido pode ter algum significado, mas no fim do dia o que conta é a política cultural que no topo do Governo fôr aceite e definida.