Tive a oportunidade de conhecer Jan em Lichensteig, uma pequena vila a uma hora de Zurique. Encontrámo-nos numa antiga estação de comboios, Jan estava de calças impermeáveis com uma camisola de pelo e botas de caminhada. Cumprimentou-me com um sorriso e um bem-vindo a Lichensteig!
Se forem à sua página de linkedin, Jan surge com a profissão de DNA Technical Leader, uma profissão enigmática, ainda mais quando não é médico, nem biólogo ou cientista, mas sim engenheiro de formação – e filantropo por vocação.
O apelido de Jan é Colruyt, membro da família Colruyt, uma das famílias mais ricas da Bélgica, com um património estimado de 4 mil milhões de euros, fruto de uma extensa rede de supermercados e que conta já com já três gerações em torno do negócio de família. No entanto, cedo Jan adotou uma série de valores que transcendiam a atividade económica da família, tendo a equidade, justiça social e sustentabilidade, acabado por se tornar os seus mantras e ditar o seu caminho.
Jan, Marlene Engelhorn, Abigail Disney, Valerie Rockefeller e Warren Buffet são apenas alguns dos milionários que defendem uma maior tributação dos seus ativos e pertencem a movimentos como os Millionaires for Humanity, Tax me Now ou Patriotic Millionaires, que têm como objetivo apelar aos governos por uma maior justiça fiscal, nomeadamente ao nível da riqueza extrema.
Marlene Engelhorn tem sido talvez uma das vozes mais ativas desde movimento. Herdeira da gigante empresa química Basf Friedrich Engelhorn, comprometeu-se a doar 90% da sua fortuna, tendo ainda fundado o movimento Tax me Now. Na Áustria, onde vive, promoveu um concurso para selecionar 50 pessoas que iriam decidir onde iria investir/doar 25 milhões de euros, uma iniciativa de participação cívica e democrática inédita na Europa.
Tanto Jan como Marlene consideravam que não tinham feito nada para merecer a sua fortuna e esse facto levou-os a optar por procurar outro tipo de fortuna, a procura de propósito e impacto na Sociedade.
O caso de Jan é deveras inspirador, os seus valores fazem com que nunca viaje de avião (a não ser para acompanhar os seus projetos filantrópicos na Índia, onde recentemente construiu uma residência para pessoas idosas sem recursos), deslocando-se de autocarro e comboio. Diz-me que viaja na Europa durante a noite, assim dorme e acorda já em outra cidade para as diferentes reuniões que tem. Também os seus filhos estão impedidos de andar de avião.
Para além da Índia, possui diversos projetos filantrópicos, na Bélgica e Suíça, sempre com uma preocupação ambiental e numa ótica de filantropia pós-capitalista (poderia tentar explicar este conceito, mas seria tema para outra peça).
Em suma, o cada vez maior número de vozes a favor de uma tributação mais justa reflete uma mudança significativa na abordagem em como a própria Sociedade e as suas elites percecionam o tema da desigualdade social. Milionários e filantropos como Jan, Valerie Rockfeller e Marlene Engelhorn revelam uma consciência e compromisso coletivo para com a Sociedade e acabam por reconhecer que, apesar de a filantropia constituir uma plataforma e instrumento de impacto social, a mesma não substitui o papel de um sistema fiscal equitativo como ferramenta de promoção de justiça e coesão social.
Em última análise, pessoas como Jan e Marlene Engelhorn acreditam que a verdadeira medida do sucesso pode estar na forma como contribuímos para elevar a nossa sociedade. Para Jan o verdadeiro legado não reside no que se acumula, mas sim no impacto que se deixa.
Secretário-geral do Centro Português de Fundações