Quando perguntaram ao economista francês Serge Latouche como via o desenvolvimento sustentável, ele respondeu: “Como o inferno! Está cheio de boas intenções”. Defensor do “decrescimento” e da necessidade de desintoxicação do nosso imaginário e quotidiano consumistas, ele levantou a voz contra o paradigma economicista do “crescimento pelo crescimento”, discurso que considera perverso por sustentar a felicidade humana no aumento da produtividade, do poder de compra e, consequentemente, do consumo. "Vivemos numa sociedade cuja lógica não é de crescer para satisfazer as necessidades, mas sim crescer por crescer. Crescer infinitamente com uma produção sem limites”. E acrescenta: “Quem acredite que um crescimento ilimitado é compatível com um planeta limitado ou é louco ou é economista. O drama é que hoje somos todos economistas".
Foi num artigo publicado há quase duas décadas, em 2001, na revista francesa Silence, que apresentou o slogan do “decrescimento”, hoje uma corrente com significativa expressão em países europeus, sobretudo França e Itália. O título incitava: “Abaixo o desenvolvimento sustentável, viva o decrescimento convivial”. Professor universitário, com formação em Economia, Filosofia e Ciência Política, Latouche foi um dos pioneiros deste movimento que pressupõe a necessidade de revolucionarmos a forma como vivemos.
Mas estará Latouche certo? Falar de crescimento sustentável no actual estado de degradação do planeta não será insistir numa ilusão de bem-estar, que promove desigualdades sociais e acelera a destruição da biosfera? Eu acredito que sim. Concretamente, por detrás da lógica de crescimento, escondem-se facturas elevadas, como o desgaste físico e psicológico pelas exigências crescentes do trabalho, a tremenda falta de tempo para nós próprios e para a família, a escassa socialização, a intoxicação pelo consumo desmedido, a dependência do crédito, e, claro, a insustentável degradação da qualidade de vida ambiental.
É nisto que Latouche acredita, e também por isto se assume “objector do desenvolvimento”. Nos tempos de pandemia em que vivemos, este tema regressou à ordem do dia. “Decrescer” voltou a ser palavra de ordem. Utópico? Desastroso? “É mais fácil, de facto, redistribuir as migalhas do bolo, se o tamanho do bolo aumentar. Mas não seria necessário perguntar, antes de mais, se o bolo, em si, não está envenenado? Neste caso é extremamente aconselhável diminuir a porção”, argumenta Serge Latouche, numa entrevista de 2014. Os factos, estudados e partilhados por inúmeros especialistas a nível mundial, parecem evidentes: precisar-se-ia de até seis planetas para generalizar o modo de vida ocidental, e de mais trinta para continuarmos com um índice de crescimento de 2% da população, num horizonte temporal até 2050.
Não, os adeptos do “decrescimento” não defendem uma regressão do bem-estar. Defendem apenas uma inversão dos valores sobre os quais organizamos a nossa vida. Cooperação em vez de competição, lazer em vez da obsessão pelo trabalho, vida social à frente do consumo, local por oposição ao global. Reavaliar, reconceitualizar, reestruturar, relocalizar, redistribuir, reduzir, reutilizar e reciclar são os oito objectivos interdependentes, capazes, segundo Serge Latouche, de desencadear um decrescimento sereno, convivial e sustentável.
A questão que devemos colocar é a seguinte: será que o Ocidente poderia ser feliz com menos? Esta pergunta não é inocente, já que muitos problemas da ecologia estão relacionados com o consumo. Como podemos mudar o nosso imaginário de felicidade? Como separá-lo do consumismo? Momentos de crise como o que vivemos, com os efeitos devastadores da COVID-19, podem ajudar. Serge Latouche chama-lhe, aliás, “pedagogia da catástrofe”: boas ocasiões para desenvolver iniciativas compatíveis com o decrescimento sereno e convivial, boas etapas para destronar o imaginário do crescimento e inverter a tendência do “consumo como anti-depressivo” – que Latouche tanto ataca. “Estou optimista porque com esta crise da COVID-19 a teoria do decrescimento tem forte ressonância, mas não o suficiente para realmente mudar o caminho. Ainda há muito a fazer”.
Mas como poderia ser, afinal, uma sociedade de “não-crescimento”? Na verdade, o decrescimento é uma matriz que autoriza uma série de novas alternativas, não apenas para preservar o ambiente, mas também, e talvez antes de mais nada, para restaurar um mínimo de justiça social, sem a qual o planeta está condenado à explosão. Em concreto, Latouche defende que uma política de decrescimento pode passar pela diminuição dos níveis de produção (deveríamos regressar aos índices dos anos 60-70), por uma filosofia de relocalização (diminuindo o impacto ambiental da deslocação de pessoas e mercadorias no planeta), pela diminuição do consumo de produtos obsoletos, pelo questionar da publicidade nefasta, pela redução ou supressão de externalidades negativas do crescimento, que vão desde os acidentes de trânsito às despesas com medicamentos contra o stress e depressão.
Para Latouche, se desenvolvimento é uma ilusão perversa, o desenvolvimento sustentável é uma perversão ainda mais ilusória, porque nos promete um desenvolvimento por toda a eternidade. Felizmente, o desenvolvimento não é nem sustentável, nem durável! Marc Chevallier, colunista da publicação francesa Alternatives Économiques, num artigo recente, fez as contas ao longo caminho que um par de jeans Lee Cooper tinha de percorrer até estar pronto a vestir. No total seriam necessários 65 mil quilómetros (o algodão vinha do Benim, os bolsos do Paquistão, a tintura de anil da Alemanha, para citar apenas alguns dos componentes das calças). O autor defendia, portanto, a necessidade de reduzir estes transportes caros em energia.
Neste contexto de pandemia, em que ficou evidente a dependência da Europa (e não só) em relação à China, por exemplo, pensei muitas vezes na necessidade de relocalizarmos a economia. Não é uma equação fácil, mas as sociedades devem esforçar-se por serem auto-suficientes a nível alimentar, económico e financeiro. A começar por desenvolver a actividade básica em cada região: agricultura, de preferência biológica e no respeito pelas estações. A relocalização significa menos transporte, redes de produção mais transparentes, incitações para uma produção e consumo sustentáveis, bem como maior segurança em todos os sentidos do termo.
De uma coisa tenho a certeza: desenvolvimento sustentável já não nos serve. Se quisermos criar um mundo onde todos gostemos de viver, teremos de decrescer em conjunto. Sustentavelmente.