A pandemia de covid-19 trouxe à nossa vida quotidiana um conjunto de termos, expressões, “jargão”, que até então não encontravam lugar fácil na nossa vida por serem termos técnicos e difíceis de entender, ou cujo significado era distante ou sem interesse fora do contexto técnico.
De facto, vivenciamos um momento único da história da humanidade em que o acesso à informação é fácil. Mas também, uma marca desta unicidade histórica é a existência de informação contraditória, muita dela falsa, não credível, e carecendo de uma validação isenta como aquela providenciada pela evidência científica. Os tempos que vivemos refletem indubitavelmente a era da “pós-verdade”, em que a verosimilhança de certa informação, ou o apelo às emoções sobrepõe-se à verdade, aquela que é apresentada com factos sólidos e sustentada pelos princípios e rigor da evidência científica. E, este fenómeno não se esgota na ação política nacional e internacional, mas reflete-se também noutras áreas como a saúde, incluindo assuntos relacionados com a alimentação e nutrição.
Quantas situações se conseguem identificar em que encontramos informações contraditórias relativamente a um determinado alimento? Ou seja, em que foi possível encontrar diferentes fontes de informação e referências que indicavam que um mesmo alimento pode ser simultaneamente benéfico ou prejudicial para a saúde, por exemplo? Posto isto, é necessário identificar metodologias que permitam, de forma rigorosa e sustentadas em evidência científica tomar decisões, sejam elas por parte dos consumidores, ou pelos decisores políticos que estabelecem recomendações de saúde e que irão potencialmente determinar alterações na dieta, como é o caso da avaliação do risco-benefício de alimentos. A avaliação do risco-benefício de alimentos, sendo uma ferramenta que permite estimar os riscos e os benefícios para a saúde humana, decorrentes da exposição (ou da ausência dela) a um alimento ou grupo de alimentos (dieta), ou a alguns dos seus componentes, permite determinar o balanço entre o risco e o benefício, de forma integrada.
São vários os exemplos onde a avaliação do risco-benefício foi utilizada por forma a clarificar as recomendações relativas ao consumo de certos alimentos, como o consumo de peixe, exemplo clássico no contexto da avaliação do risco-benefício, nomeadamente no que concerne à quantidade e tipo de peixes cujo consumo deverá ser privilegiado; o consumo de café, tão frequente na rotina diária de qualquer português; ou a suplementação e consumo de determinados componentes alimentares. Em Portugal, a avaliação do risco-benefício de alimentos tem ganho força, e marcado o panorama internacional, devendo-se em muito a projetos científicos e de capacitação, tal como o projeto ALTERNATIVA, que pretende quebrar silos, integrando para além dos riscos e dos benefícios para a saúde associados aos alimentos, também aspetos de sustentabilidade, tão importantes e cuja ação é urgente e tão necessária.
A aproximação da ciência, do seu rigor, robustez e evidência, à nossa vida diária, aos noticiários e às nossas intervenções nas redes sociais, é uma das inúmeras consequências desta pandemia, e que com certeza marcará o futuro próximo, com uma maior exigência social para que a sociedade seja (bem) informada e que assim, possa tomar as suas decisões de forma consciente e baseada em evidência científica (robusta).
Ricardo Assunção, professor na Egas Moniz School of Health & Science