Escrever sobre o Diogo Vasconcelos, na semana em que se assinala uma década da sua morte, é como sacudir um livro de bolso e as emoções começarem a desprender-se. Empreendedor, político, visionário, sonhador e quadro internacional da Cisco, último desafio que abraçou antes de falecer de forma inesperada e prematura, Diogo confiava na criatividade de cada um de nós para co-criarmos soluções para os problemas do País e do mundo. Era uma inspiração: nunca cometeu o erro de nada fazer só porque pensava que podia fazer pouco.
Diogo é (sim, ele ainda é!) uma daquelas pessoas que nos obrigam a ser quem devemos ser. Os seus esforços desafiaram sempre as impossibilidades. Isto é um traço de personalidade que evidenciou desde pequeno – algo que ficou evidente com a publicação da biografia Diogo Vasconcelos – O homem que tocou o futuro, que tive o privilégio de escrever, em parceria com a jornalista Teresa Ribeiro. Este livro é um exercício para resgatar a memória: esta bruma frágil onde as recordações se esfumam, misturam, modificam. Este livro é, também, um pequeno contributo para tecer a sua imortalidade.
Mais do que uma homenagem, esta biografia é um manual de consulta, para que nada se perca do que Diogo nos legou através do seu talento, entusiasmo, optimismo e, acima de tudo, da sua inabalável fé no que há-de vir. A mais longa homenagem ao seu legado é uma forma demasiado incompleta e banal para honrar uma pessoa tão pouco comum.
Diogo era uma referência no País em inúmeras áreas, muito inspirador, um ser luminoso que tocou a vida de muita gente. Surgia sempre com um brilho no olhar, como se tivesse uma lanterna acesa, a mostrar o caminho, assustando demónios, dando-nos confiança e protecção ao longo das ruas escuras. Parecia que via o invisível.
Se o Diogo fosse casa escolheria ser janela. Porque a janela é, da casa, o lugar onde se sonha ser mundo. O mundo que o Diogo quis devorar, com sofreguidão insaciável, porque havia sempre milhares de coisas para fazer. Como se depois tivesse toda a vida para morrer…
Após termos escrito este livro, a Teresa Ribeiro e eu ficámos com uma certeza: os homens são do tamanho das causas que defendem. E o Diogo era enorme! Há pessoas que querem crescer para crescer. Há outras que querem crescer para ser grandes. Repito: o Diogo era enorme!
Houve muitas causas a que ele se entregou com paixão. Mas é difícil identificar a partir de que momento o tema da inovação social se tornou “a” causa de Diogo Vasconcelos. Na época em que começou a trabalhar sobre esta matéria com a Comissão Europeia, no tempo de Durão Barroso, ainda não era evidente para a maioria das pessoas, mesmo as colocadas ao mais alto nível, a ligação entre os conceitos “inovação”, palavra muito associada a negócios, e “social”, tema que remetia para o terceiro sector, onde o objectivo é servir e não visar o lucro. O match nada evidente entre mundos que pareciam opostos foi talvez o que enfeitiçou Diogo Vasconcelos. Isso, associado à sensibilidade que sempre teve para com os temas sociais e à ideia de que o desenvolvimento tem de ser um movimento colectivo e inclusivo.
Com a convicção de que a inovação na área social poderia mesmo mudar o mundo e usando todas as suas armas, incluindo a sua poderosa rede de contactos, Diogo começou, com o apoio de Durão Barroso, a moldar a policy da Comissão Europeia neste segmento. O Fundo Europeu de Investimento, lançado pela União Europeia, foi já fruto desse trabalho. Impor esta agenda na Comissão Europeia exigiu trabalho árduo – e o Diogo esteve lá, na primeira linha, munido de toda a sua crença e assertividade.
Muitas pessoas que privaram com ele atestaram, convictos, que a inovação social foi a sua realização mais incrível, algo de cujo impacto ele teve absoluta consciência. Na Cisco, onde era senior director e distinguished fellow da unidade Internet Business Solutions Group (IBSG), e um quadro superior muito respeitado, pôde, com toda a credibilidade, falar de tecnologia associada à inovação, embora depressa as pessoas percebessem que estava a fazer mais do que isso – o que ele estava a fazer junto da comissão era política, no verdadeiro sentido da palavra.
Durante anos Diogo foi chairman do painel de consultores da Comissão Europeia para as políticas de inovação, cargo que desempenhou com o habitual brilhantismo, submetendo aos experts da área as suas ideias, sempre heterodoxas, e visões alternativas sobre políticas para o desenvolvimento. Tornou-se muito influente, até no sector financeiro, nomeadamente no Banco Europeu de Investimento, onde influenciou as políticas de financiamento à inovação social na Europa.
Como tantas vezes ele dizia, as últimas décadas foram marcadas pela inovação empresarial. As empresas perceberam que inovação é condição de sobrevivência num mercado global e ultra-competitivo. As próximas décadas serão de inovação social. A quebra da confiança, as desigualdades e as novas formas de exclusão são sintomas de crise social. Uma crise é uma oportunidade para inovar. Perante os novos desafios as respostas tradicionais são manifestamente insuficientes. Ora, as políticas nacionais e europeias ainda replicam os modelos do século XX. Pesadas, burocráticas, assentes na ideia de um Estado que tudo resolve e decide, ignoram modelos de colaboração que passam pelo envolvimento das pessoas e das suas comunidades.
A última vez que entrevistei o Diogo foi para a revista Gingko, e ele afirmou, com aquela luminosidade inconfundível, que desejava ver todos em rede com todos. “A web 2.0 permite orquestrar a colaboração de milhares de pessoas em projectos comuns. Precisamos de empreendedores sociais visionários, com mentalidade de rede, capazes de libertar a imaginação da sociedade. Precisamos de líderes políticos que não se iludam com a ideia de comando e controlo, que entendam que uma sociedade mais justa passa pela massificação da colaboração e da co-criação”. E acrescentou: “A inovação social é urgente e necessária. Ainda é marginal, mas é nas margens que se geram as novas ideias para mudar o mundo. Estou optimista porque acredito que Portugal e a Europa vão descobrir e levar a sério a inovação social”.
Dez anos depois, em memória de Diogo Vasconcelos, precisamos de mais inovação social, por favor!
Dez anos depois, em memória de Diogo Vasconcelos, precisamos também de nos lembrar que a morte é uma curva no caminho. Não temos oportunidade de escolher como vamos morrer. Ou quando. Só podemos decidir como vamos viver. Agora.