É sabido que dois terços das pessoas que trabalham na cidade de Lisboa não residem na cidade. Isto significa que dos 545 mil habitantes (Census 2021) mais de 360 mil entram e saem da cidade todos os dias. O movimento pendular destes milhares de trabalhadores gera custos na manutenção das vias de trânsito, emissões de gases de efeito de estufa (em 2017, o transporte rodoviário contribuiu com 21% do total das emissões de dióxido de carbono da UE), nas importações portuguesas de combustíveis para automóveis e na qualidade de vida de muitos cidadãos quer em ruído quer, no caso de atropelamentos mortais.
Apenas entre 2010 e 2016, as mortes por atropelamento representaram 53,6% do total de vítimas mortais em sinistros rodoviários na cidade de Lisboa e que, em 2013 (último ano para o qual temos dados) os atropelamentos ocorridos no Concelho de Lisboa, levaram a vida a 670 pessoas. O impacto humano, social e económico destas mortes e dos internamentos hospitalares dos casos em que não houve perda de vida ascende a vários milhões de euros na última década. Todos estes números recordam-nos da imperativa necessidade de reduzir a quantidade de carros que, todos os dias, entram e saem da cidade.
Segundo o INE, em 2021 existiam 685 carros por cada mil habitantes. Não conhecemos os números de veículos dos residentes de Lisboa mas não é difícil de fazer uma projecção para que possa ser algo em torno dos 260 mil (em 2020 Fernando Medina na apresentação da ZER tinha mencionado apenas 200 mil).
Se existem demasiados carros nas ruas de Lisboa, e optando por não incluir os veículos na posse de moradores na cidade, temos que a redução dessa quantidade é uma prioridade para aumentar a qualidade de vida na cidade, cumprir as metas ambientais que o país se comprometeu a alcançar até 2030 e para reduzir a despesa da cidade com manutenção e construção de vias de trânsito.
Acredito que esta redução só pode existir através do esforço concertado em três vectores: empresas, governo da República e Câmara Municipal. Nesta abordagem tripartida há que ter sempre em perspectiva não procurar alcançar mais, a curto prazo, que não seja desejado pela população ou isso terá efeitos a curto prazo na adesão a essas medidas e no "ruído social" (que será aproveitado pelas forças extremistas e populistas). Nesta equação empresas/país/cidades: o apoio popular é fundamental pelo que é preciso enquadrar esta resposta com componentes participativos que não contradigam, mas antes complementem e enriqueçam, os programas eleitorais (autárquicos e nacionais) que são sufragados em urna pelos eleitores: referendos locais, orçamentos participativos, assembleias de cidadãos (completas: não a versão abastardada ensaiada em Lisboa em 2022), consultas públicas de nova geração (isto é: eficazes).
Mas a resposta que é exigida para cumprir as metas de 2030 dos Objetivos Desenvolvimento Sustentável e essa necessidade não se esgota nas cidades: tem que ser integrada numa resposta mais ampla e é impossível de a levar a bom porto se não for realizada com essa integração e essa resposta tem que passar por trazer menos carros para o interior das cidades construindo mais habitação pública a custos controlados, por devolver para o uso habitacional as 48 mil casas vazias (apenas em Lisboa), os mais de 25 mil alojamentos locais: por forma a que essas pessoas deixem de precisar do movimento pendular subúrbios/Lisboa.
É preciso desenvolver os transportes públicos, descer o seu preço ou torná-los — mesmo — gratuitos para todos e aumentar a resposta para a "última milha": aquela que leva e trás as pessoas entre o ponto de destino e o local final da viagem com a integração automática com redes de mobilidade partilhada ou protocolos com sistemas privados de transporte.
Sem ideologias, nem preconceitos, é preciso encetar esta abordagem multifacetada, participada e moderada mas eficiente por forma a reduzir a pegada ecológica das cidades de Portugal e, em particular, de Lisboa.
Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.