Na minha opinião, existem dois tipos de Cidadania Local: Dentro dos Partidos e Fora dos Partidos mas ambas, contudo, não são oponíveis nem incompatíveis.
1. Dentro dos Partidos
Os militantes têm de ser ouvidos ou irão desaparecer da atividade partidária todos os que não sejam dirigentes e os partidos -- forma essencial ao funcionamento regular das instituições democráticas -- tornar-se-ão de partidos de cidadãos em partidos de dirigentes. Queremos, mesmo, ter partidos compostos apenas por Dirigentes e Políticos Profissionais? Sem representação social ou demográfica? Sem presença no território e nas cidades? Mas este é o tipo de partidos que estamos prestes a ter: fechados sobre si mesmos e funcionando em Bolha de elogios e onde todos se conhecem há muitos anos, onde todos têm entre si algum tipo de ligação familiar ou são amigos de banco de escola e pertencem a uma elite cada vez mais fechada, cada vez mais endogâmica de famílias aristocratas.
Atualmente, quem fica com a mácula de ser de um "partido político" nunca mais a consegue sacudir e fica automaticamente marcado dentro -- se vier do campo da cidadania ativa -- e fora do partido como indesejável porque -- pelo seu percurso pessoal e político -- é imprevisível e coloca as suas causas e as dos cidadãos com quem se identifica acima dos interesses do Partido e do seu Aparelho. Isto afasta da vida partidária muitos quadros que poderiam servir o país. Igualmente precisamos de revisitar o tema do que pagamos aos nossos eleitos. Os vencimentos de presidentes de Junta, Câmara Municipal e governantes da República são baixos quando comparados com as médias profissionais equivalentes e com os orçamentos que administram. É um tema impopular mas essencial se queremos mesmo atrair, e manter, na política os melhores governantes.
Os militantes de base dos partidos têm que ser ouvidos -- numa escuta ativa e não meramente teatral -- que tem que ir além da democracia palmar que os partidos gostam de exibir nas campanhas eleitorais.
2. Fora dos Partidos
Sejamos claros: o Aparelho (de todos os partidos) odeia e/ou despreza todos os que fazem cidadania ativa fora do quadro partidário convencional. Despreza a sua opinião, sabota-os quando pode, soprando notícias para os "media amigos", lança rumores e boatos e organiza redes de trolls. E isto em todos os partidos mas sobretudo no PSD (partido em eternas guerras de sucessão) e no PS, adoentado agora pela permanência -- durante demasiados anos -- no poder em Lisboa e em São Bento.
Por vezes, o Aparelho e a Situação usam estes cidadãos para listas para queimar, para atraírem fogo inimigo e o afastarem de si dos que realmente importam nessas listas.
Há uma dicotomia insanável entre Cidadania Ativa e Atividade Partidária. Não tem que ser mas depois de tantos anos de Poder instalaram-se nos partidos de poder lógicas empregacionistas em que o "avençado", o "ajuste direto", a troca de favores e empregos se tornou um modo de vida. A política partidária deixou de ser uma política de causas para ser uma política de sobrevivência pessoal e familiar. E os críticos são encarados e processados como "delitos de opinião" ou alvo de ataques ad hominem. Os críticos não podem ser afastados ou colocados -- apenas -- na caixa do "fala-para-aí" mas enquadrados e as suas razões ponderadas e respondidas.
Os atos da Greve Climática merecem também reflexão: até que ponto em que este recurso -- cada vez mais violento e vândalo -- não tem as suas origens na distância crescente entre eleitos e eleitores em que os deputados e vereadores (no poder e na oposição) sistematicamente não respondem aos cidadãos e quando os formulários no site do governo ficam sem resposta? Acredito que o CPA devia ser revisto por forma a obrigar estes eleitos a responderem a todos os pedidos de contacto.
Se tivéssemos ouvido os cidadãos, a Emergência da Habitação teria chegado ao estado catastrófico atual? Tenho sérias e fundadas dúvidas porque me recordo da forma jocosa ou indiferente como era tratado quando levava este tema a reuniões e congressos do PS.
Por fim, a cidadania ativa poderia ser uma fonte de recrutamento e refrescamento nos partidos. O Bloco de Esquerda faz isso muito bem há anos. O Livre tentou imitá-lo e o Chega fez o mesmo (com bons níveis de sucesso entre os jovens). Mas o PS e o PSD continuam a recrutar o essencial dos seus quadros na Juventudes partidárias e estas nos ensinos secundário e superior o que limita a diversidade dos quadros que cada vez mais não têm experiência fora do quadro partidário e do poder local ou nacional e pouco ou nada conhecem do mundo do ativismo e das empresas privadas. Este fenómeno já se observa atualmente no governo e no Parlamento e tenderá a agravar-se nos próximos anos com grave prejuízo -- a prazo -- para a qualidade dos nossos representantes e para a sua representatividade social e demográfica.
3. Conclusões
a) É imperativo que partidos políticos e cidadãos ativos encontrem novas formas de colaboração. A democracia só se fortalecerá quando a participação cidadã for valorizada e integrada nos processos decisórios. A mudança começa agora: exige-se uma renovação profunda dos partidos políticos, que devem abrir-se à diversidade de ideias e experiências, e uma maior responsabilização dos representantes eleitos perante os cidadãos.
b) A coexistência entre cidadania ativa e partidos políticos não é uma utopia, mas uma necessidade urgente. Ao promover a participação cidadã e fortalecer os mecanismos de responsabilidade, podemos construir uma democracia mais justa, transparente e representativa. É hora de ultrapassar as dicotomias e construir pontes entre diferentes formas de participação política.
c) A distância entre os cidadãos e os seus representantes políticos é um problema grave que ameaça a saúde da nossa democracia. A cidadania ativa oferece uma oportunidade única para revitalizar a política partidária e aproximar os cidadãos dos processos decisórios. No entanto, esta mudança exige uma profunda transformação nos partidos políticos, que devem abrir-se à diversidade e à participação cidadã. Ao mesmo tempo, os cidadãos ativos devem procurar formas de influenciar as decisões políticas e exigir maior responsividade dos seus representantes.
Rui Martins é fundador do Movimento Pela Democratização dos Partidos