Recentemente tive oportunidade de realizar uma breve visita a Paris. A viagem em si não seria merecedora de notícia mas devido a uma espécie de "desvio cidadão" do meu carácter: sempre que vou a uma cidade estrangeira enquanto os outros se ocupam – e bem – a fotografar monumentos e paisagens eu entretenho-me a observar o espaço urbano e a estabelecer comparações e a recolher ideias sobre como se poderia melhorar a nossa cidade. Talvez seja uma patologia de um quadro clínico ainda desconhecido (é possível) mas o certo é que encontro nesta componente das minhas viagens um dos seus aspectos mais interessantes... e esta viagem a Paris não foi excepção.

Nesta "crónica comparada" não pretendo fazer um levantamento exaustivo das diferenças entre Lisboa e Paris nem entrar naquele caminho (muito português...) de embarcar no delírio "lá fora é que é bom" nem num ultranacionalista "nós é que fazemos bem": mas sim empreender um exercício comparado às diversas soluções de mobilidade, urbanismo, higiene urbana, ambiente e  gestão do espaço público observando o contraste entre as duas cidades e procurando recolher  naturalmente – ideias e propostas para melhorar a vida na nossa cidade de Lisboa.

1. Comércio de Rua

O comércio de rua – ou melhor a sua resistência a esta época de cibercomércio, Internet e grandes superfícies – foi o fenómeno que mais me surpreendeu em Paris. Talvez pelo contraste com Lisboa, onde a quantidade de lojas devolutas é cada vez maior com a presença de muitos destes exemplos numa das quatro ruas mais comerciais de Lisboa (Av. Guerra Junqueiro). Aqui, como na habitação, a navegação por sites imobiliários franceses permitiu tirar a mesma conclusão: preços entre 20 a 30% superiores a Lisboa num contexto de rendimentos de 200 a 300% superiores. Claramente a especulação imobiliária e a avidez de muitos senhorios estão a ter impacto no tecido comercial da cidade e este fenómeno não parece ocorrer na mesma escala em Paris.

Não sejamos ingénuos: o comércio de Paris também sofre com o impacto do cibercomércio e das rendas comerciais e essas dificuldades observam-se, por exemplo, na resistência dos cinemas de rua (apesar do cinema Luminor, perto de Montmartre, e do seu cartaz na montra "ce cinéma est menacé de fermeture") observam-se em Paris uma grande quantidade de "Lojas Históricas" com interiores e montras e fachadas bem preservadas. Bem diferentes dos abastardamentos comuns que vemos em tantas "lojas históricas" de Lisboa (referir, neste contexto, o excelente exemplo da renovação da Bertrand da Av. de Roma).

2. Mobiliário Urbano

Se em Lisboa faltam casas de banho públicas (por exemplo, na freguesia onde resido não existe uma única) estas, pelo contrário, abundam em Paris. São de acesso livre desde 2006 (ao contrário das poucas que existem em Lisboa), cerca de 400 (com o mapa no site do Turismo de Paris em https://en.parisinfo.com/practical-paris/useful-info/public-toilets) e funcionam entre as 06h00 e as 22h00 (sendo que 150 estão aberta 24/24 horas horas) e todas – sem excepção – estão preparadas para pessoas com incapacidades e mobilidade reduzida. Por contraste, em Lisboa as casas de banho públicas são raras (talvez menos de 20) e mais sujas do que as de Paris. Segundo o site https://pee.place/en, Lisboa tem 185 casas de banho públicas (mas a maioria deste número encontra-se em espaços privados). Não encontrei nenhuma informação oficial sobre a real quantidade deste tipo de equipamentos públicos. Sei que o PAN, na Assembleia Municipal de 2016, perguntou isso mesmo mas também não encontrei registo da resposta.

Ainda no que respeita a equipamento urbano, contabilizei em Paris uma quantidade extremamente baixa de candeeiros desligados: uma das grandes pragas (juntamente com a calçada mal mantida) da Lisboa de hoje: pelas minhas andanças nas ruas de Paris encontrei menos de uma dezena de candeeiros desligados. O contraste com Lisboa, a este respeito, é flagrante: apenas na Avenida de Roma – hoje – contam-se mais de 20 candeeiros desligados. No Jardim Fernando Pessa, há candeeiros desligados há dois anos e por toda a Lisboa deverão existir (estimativa) mais de 800 candeeiros sem luz. Sei que há planos (que datam do anterior Executivo municipal) para substituir 1/4 do parque por lâmpadas LED (mais baratas e duráveis) e que esta transição pode explicar parte de um problema que agrava a insegurança na cidade mas a durabilidade em Lisboa destes "candeeiros sem luz" escapa a qualquer racionalidade. Não encontrei muitos candeeiros LED em Paris o que indica que o problema de Lisboa não está nesse vector, mas na pura e simples diferença de métodos de manutenção da rede por parte das autarquias locais destas duas cidades.

Registe-se ainda que Paris preferiu instalar candeeiros nas paredes de prédios das ruas de passeios mais estreitos enquanto que, em Lisboa, muitas ruas exibem candeeiros em passeios com menos de um metro e meio com a grande vantagem de libertar os passeios para os peões e para pessoas com limitações de mobilidade.

3. Mobilidade Pedonal

Em Lisboa, assim como em Paris, não faltam pilaretes nas bermas dos passeios. Considerados como um mal menor, por quase todos, são uma praga visual em todas as cidades europeias e Paris e Lisboa não são excepções. Os pilaretes de Paris são mais altos e estreitos do que os de Lisboa e esteticamente (na minha opinião) mais apresentáveis do que qualquer dos modelos de Lisboa, mas em ambas as cidades há relativamente pouco recurso a uma alternativa que merecia ser mais usada: floreiras em lugar de pilaretes.

Especialmente contrastante entre Paris e Lisboa são os passeios pedonais: Paris optou por colocar betuminoso e cimento nos passeios enquanto a maioria dos passeios de Lisboa ainda usam calçada portuguesa (com blocos de calcário) e algumas instalações recentes de pavimento acessível "UniLisboa" (Praça de Londres, Av. da República e Graça: entre outros) que segundo o fabricante "é uma solução de betão decorativo para pavimento contínuo, com um acabamento de textura ligeira, antiderrapante e original". Não há dúvida de que a opção parisiense é visualmente muito pouco agradável e que qualquer intervenção no subsolo leva a uma reparação que torna o piso ainda pior (o mesmo problema de que padece o "UniLisboa") mas caminhar sobre este piso é menos cansativo e reduz as possibilidades de quedas e tropeções criadas pela depressões e irregularidades que encontramos na calçada de Lisboa.

O pavimento pedonal de Paris é certamente muito mais feio e impermeável do que o de Lisboa e as vantagens em permeabilidade, flexibilidade nas intervenções do subsolo e beleza são notórias, mas nesta equação há que somar a difícil manutenção da calçada, o seu geral mau estado e os problemas que coloca às pessoas que usam cadeira de rodas ou com problemas de mobilidade. Talvez, como em muitas outros dilemas semelhantes, a solução resida no meio termo: calçada artística para manter e estender a mais zonas; nas regiões de grande densidade pedonal: instalar UniLisboa com calçada convencional e criar, sempre que possível, galerias subterrâneas que minimizem a abertura de acessos no piso pedonal para acesso às redes de água, gás, esgotos ou electricidade (como já sucede, aliás, em parte do Parque das Nações).

Em Paris – assim como em Lisboa –, os passeios rebaixados junto a passadeiras são comuns mas não encontrei nenhum com guias para invisuais que são relativamente frequentes em Lisboa. Em Paris também encontrei muitas lombas em bairros residenciais assim como placas "Zona 30" (como o Bairro das Estacas ou o do Arco do Cego) mas Paris foi muito mais longe do que Lisboa: desde Outubro de 2021 que a quase totalidade das suas ruas têm essa velocidade máxima enquanto em Lisboa isso ocorre apenas em alguns bairros. Esta redução garante a redução dos acidentes de atropelamentos de peões, assim como a redução da poluição atmosférica e sonora.

4. Higiene Urbana

Por fim, gostaria de abordar a comparação num dos pontos mais difíceis de enfrentar numa grande cidade como Paris ou Lisboa: a Higiene Urbana. Em ambas o taggers de parede estão hiperactivos ainda que menos que em Lisboa, mas já no "bombing" (autocolantes em sinais de trânsito) acontece o oposto com muitos sinais quase totalmente obstruídos.

Os contentores de resíduos dos prédios são de maior capacidade (alguns) do que os de Lisboa e fazem separação em três contentores (amarelos: papel, metais e plásticos; brancos para vidro e verdes para tudo o resto). Como em Lisboa, há alguns contentores para compostagem (poucos) mas diferentemente, são raros os sacos de lixo encostados a árvores e semáforos e, sim... muitos cocós de cães nos passeios... Lisboa não tem feito o suficiente para combater o fenómeno dos sacos de lixo na rua (há locais com sacos na rua há mais de dez anos) sendo que os serviços de higiene se limitam – quase sempre – a recolher diligentemente estes sacos nas suas rondas diárias. Paris parece não ter este problema (nos bairros mais centrais) e isso merece reflexão: talvez Lisboa precise de mais fiscalização e multas, de mais campanhas de informação porta-a-porta ou de uma combinação destas abordagens...

Conclusão
Acredito sinceramente (já o escrevi várias vezes) que o principal papel de um autarca deve ser o de sair do gabinete, conhecer o seu território como a palma das suas próprias mãos, falar com as suas gentes, estar atento ao que o rodeia, ser pró-activo antecipando os problemas do amanhã e reactivo em todos aqueles que as circunstâncias e as urgências imprevisíveis surgirem como incontornáveis. Por isso, caminhar nos passeios, abrir olhos e comparar com o que de melhor se faz nas autarquias vizinhas e nas cidades que, pela sua tipologia ou escala, podem ser comparadas com a sua  é um papel determinante para se ser um bom autarca. Neste texto além de realizar uma comparação (pouco vantajosa para Lisboa) sobre o custo de vida, mobilidade leve e pedonal, espaços verdes, comércio local, mobiliário urbano e, claro, higiene urbana, deixo um sem número de propostas de melhoria para Lisboa o qual foi, afinal, o principal objectivo desta singela crónica de viagem.

Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e coordenador da secção temática "Democracia Participativa" da distrital do PS.

O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.