"O que mais preocupa não é o grito dos violentos, nem dos corruptos, nem dos desonestos, nem dos sem-carácter, nem dos sem-ética
o que mais preocupa é o silêncio dos bons!"
Martin Luther King
Sem querer entrar em pormenores, o atual funcionamento do sistema democrático – e concentremo-nos naquilo que se passa em Portugal, sem embargo do muito que nos é imposto de fora e nós deixamos – apresenta cinco problemas gravíssimos. A saber:
- O querer assumir-se a democracia em si mesmo, como um fim;
- O primado da quantidade sobre a qualidade;
- A sensação para a opinião pública que ela influencia decisivamente os destinos do país;
- O funcionamento dos partidos políticos;
- A submissão dos atos de governação aos ciclos eleitorais.
Analisemos sucintamente cada um destes pontos.
Em primeiro lugar, a democracia deve ser encarada como um meio e não como um fim. Isto é, um meio pelo qual o Estado (que é a nação politicamente organizada) vai tentar concretizar as aspirações utópicas de todos os povos à Segurança, à Justiça e ao Bem-Estar. Por esta ordem. Ora o que se pretende é atingir estes desideratos por métodos democráticos.
A democracia não é um valor intangível, é apenas um sistema político. Não pode, nem deve ser considerada acima da Pátria, da Liberdade, da Justiça ou da Paz, da Verdade, do Bem, etc. A democracia é passível de aperfeiçoamento constante. E aqui batemos na questão da qualidade versus quantidade. A questão da igualdade do voto tem a ver com o mito da igualdade entre os homens. O que é uma mentira. Todos os homens são diferentes, o que se deve fazer é tentar dar a todos, oportunidades idênticas. Dentro destas, cada um percorrerá o seu caminho diferenciando-se para o melhor e para o pior.
No início da implantação dos sistemas liberais houve o cuidado de limitar o direito de votar impondo-se limites de cidadania que, com o fruir dos tempos e a maior informação e educação das pessoas e a demagogia da luta partidária, foram caindo um a um. O atual sistema faz com que o voto do ignorante valha tanto como o do universitário, ao passo que se tende a nivelar por baixo toda a sociedade, na manipulação e no controlo da informação e na transformação dos políticos em atores bem-falantes e bem-parecidos, na busca desenfreada da captação do voto. É urgente a reforma de tudo isto.
Dentro desta lógica passa-se para a opinião pública, através do sistema educativo, dos media, da atividade política, das manifestações culturais, etc., a ideia de que as pessoas, pelo voto, conseguem controlar os seus destinos e influenciar decisivamente a coisa pública. A realidade é, porém, bem diferente. Não diremos que a pressão da opinião pública não possa, sobretudo a de um povo com um nível de informação e cultura elevado, influenciar pontualmente uma ou outra decisão. Agora as grandes decisões de fundo, o próprio dia-a-dia, a reforma das instituições e as relações internacionais estão muito longe de ser condicionadas pela opinião pública. Essa influência é feita a nível de organizações nacionais ou internacionais poderosas, grupos de pressão influentes e de pessoas devidamente preparadas e colocadas estrategicamente. A ideia transmitida para a opinião pública é, no entanto, psicologicamente inebriadora, expandindo uma perigosa sensação de autossatisfação e tranquilidade.
Seguidamente temos o problema do funcionamento dos partidos políticos. Estes formaram-se normalmente através de uma organização incipiente e cresceram anarquicamente, possuindo doutrinas difusas e constantemente remendadas ao sabor das contingências. Funcionam muito mais como agência de empregos e não como escolas de cidadania. Filtram mal os seus candidatos a membros, visam o curto prazo, são falhos de sentido de Estado e às vezes de patriotismo e vivem na lógica do bota-abaixo e do dividir para reinar. E pelas constantes habilidades políticas e de comportamento, falhas éticas, traições e divisionismos que são públicos, bem como casos de corrupção, desacreditam-se rapidamente aos olhos dos cidadãos, que é suposto acreditarem neles e votarem as diferentes opções políticas apresentadas. Mais, com o seu mau comportamento contumaz, afastam os cidadãos honestos – os chamados homens bons dos concelhos – da atividade política e do governo da cidade, abrindo assim caminho ao lúmpen da sociedade e aos mal-formados e oportunistas, entrando-se numa espiral de desgovernação que acaba sempre em muito maus resultados.
Por último e derivado do que atrás se disse, temos a prática governativa, balizada pelos ciclos eleitorais e que são pelo menos três: as eleições do chefe de Estado (nas Repúblicas), as legislativas e as autárquicas. A que passámos a ter de juntar as eleições para o Parlamento Europeu. Ora isto tem consequências terríveis, pois normalmente não se faz o que se deve, mas sim o que é julgado mais apropriado para ganhar votos e manter o poder. Além do que custa uma fortuna! Por isso se adia constantemente as reformas de fundo. E há uma dificuldade tremenda em falar verdade e claro (as grandes decisões em Portugal, nos últimos 200 anos foram sempre, para o bem e para o mal, tomadas em ditadura).
Hoje em dia, os órgãos do Estado a única coisa que fazem verdadeiramente é cobrar impostos, lançar dinheiro para cima dos problemas e viver da dívida e arranjar negócios para quando saírem dos cargos. E funcionam em função do telejornal. Por isso nada funciona institucionalmente e com prazos dilatados no tempo. Nem se resolve um único problema. Aliás os “partidos” andam em guerra civil soft permanente. Ora a vida das nações deve reger-se por objetivos nacionais permanentes que podem ser históricos ou conjunturais, exige consensos alargados sobre coisas basilares, capacidade de projeção política futura, que só um conhecimento e análise estratégica profunda pode sustentar e confiança e fé num destino comum. E na constituição e reforço de poder.
Infelizmente a Democracia real assente como está na prática contemporânea (como aliás já se tenha verificado no liberalismo inicial do século XIX, na realidade partidária da Monarquia Constitucional e sobretudo na agitação da I República) não tem servido estes pressupostos. E já inculcou, de novo, na mente dos portugueses que o "seu Estado não é uma pessoa de bem". A prática das coisas ensina-nos que o sistema não se regenera por si mesmo e só se degrada.
Conclusão
"Gavar os homens que tiverem préstimo para a República e mostrar aborrecimento às coisas a ela prejudiciais."
"Serey pay dos pobres e de quem não tem quem faça por eles."
Sebastião
(Manual que serviu de guia ao seu reinado)
Relativamente aos períodos tidos como democráticos da nossa já vetusta História, gostaria de vos recordar que, durante os 90 anos de Liberalismo em Portugal, de 1820 a 1910, houve: Seis monarcas (dois dos quais foram assassinados) e três regências; 142 governos, o que dá um governo e meio por ano; 42 parlamentos, dos quais 35 dissolvidos por meios violentos; 31 ditaduras – o que representa um terço do tempo fora da normalidade constitucional – e 51 revoluções, pronunciamentos, golpes de Estado, sedições, etc.
Por outro lado, os 16 anos da anarquia gerada pela I República resultaram oito chefes de Estado, dos quais um foi assassinado, dois exilados, um resignou, dois renunciaram e outro foi destituído (ou seja apenas um cumpriu o mandato); 45 governos (há quem conte 51), o que dá uma média de três governos por ano; oito parlamentos dos quais cinco foram dissolvidos violentamente e 11 ditaduras, o que apenas cinco anos em que se conseguiu cumprir a Constituição de 1911.
Como podem observar, a ditadura militar e o Estado Novo, tiveram amplas razões para se implantar... Acontece que nos 48 anos que já levamos depois do 25 de Abril de 74, já tivemos cinco Presidentes (eleitos) e 21 governos constitucionais (grosso modo, um governo cada 2,2 anos). Felizmente ainda não houve nenhum governante assassinado e não ocorreu qualquer golpe de Estado. É sinal de que se aprendeu alguma coisa com os erros do passado (e não ter havido falta de crédito).
Sem embargo entrámos em pré-bancarrota por três vezes o que acarretou outras tantas intervenções estrangeiras: do FMI, em 1977/8 e 1983 e do FMI/BCE, em 2010, sendo a dívida praticamente impagável. Mas quero salientar que tudo ocorreu depois de Portugal estar a crescer a 7%,em 1974 (no Ultramar era mais); de a guerra ter terminado, de o escudo ser uma das moedas mais fortes e estáveis do mundo; e de o regime anterior ter deixado umas das maiores reservas de ouro (cerca de 840 toneladas) e de divisas (50 milhões de contos) do mundo. E quero ainda lembrar que, a partir de 1986, passaram a entrar em Portugal fundos da CEE no valor de dois milhões de contos/dia – dos quais, até hoje, ninguém apresentou contas – o que representa a maior soma de riqueza entrada no país num tão curto espaço de tempo, que ultrapassa, em muito, o pecúlio obtido com as especiarias do Oriente, o ouro do Brasil e as riquezas de África.
Pelo meio também não nos vimos envolvidos em qualquer crise internacional grave, a não ser a bolha de especulação financeira que rebentou por alturas de 2008. Mesmo assim chegámos a um estado de desastre financeiro e económico que deixa a anos-luz o enorme buraco que havia em 1926... Convenhamos que é necessário ter-se reunido doses industriais de incompetência, desleixo, e muita ladroagem, para que tal fosse possível!
"Tenho lido muitas vezes a palavra democracia. Tenho-a ouvido proferir outras tantas.
O que nunca li, nem ouvi, foi uma definição precisa e rigorosa dela.
Na História o que geralmente falando constitui a principal feição do republicanismo democrático
é servir de prólogo ao cesarismo."
Alexandre Herculano
E quanto à Democracia? Pois não parece que estejamos nada bem.
Comecemos pela Constituição, além de larga cópia de defeitos conceptuais, é demasiado ideológica e específica. Fala uma única vez em Pátria (artº 276) e nenhuma vez em Nação. Para a CR a nação portuguesa não existe… Coloca os “direitos” à frente dos “deveres” – o que é uma fórmula suicidária – e impõe, através do seu artº 288, a forma republicana de governo. Ou seja se quisermos implantar a Monarquia teremos de recorrer a meios violentos… Bastava este último artigo para classificar a CR como antidemocrática!
Em segundo lugar é mentira que tenhamos uma Assembleia da República – devia ler-se “Res pública”. O que temos é uma assembleia de partidos, e de partidos que estão longe de cobrir o espetro político convencionado, pois só existem deputados do “centro” à “extrema-esquerda” (até ao aparecimento do Chega). Ora os portugueses estão longe de se reverem na representação partidária; onde estão, por ex., os representantes das restantes organizações políticas, cívicas e profissionais? O que temos, isso sim, é uma “ditadura” partidocrática e uma grande mentira política.
Os eleitores também não elegem os deputados por não haver círculos nominais. Apenas se vota no chefe do partido, que escolhe quem muito bem lhe apetece, não havendo aqui grande diferença com o que se passava ao tempo da União Nacional. Mesmo nas autarquias se devia votar em pessoas e não em partidos.
Os sindicatos, por outro lado deviam ser independentes dos partidos e não devia ser permitido serem correias de transmissão dos mesmos. E deviam, apenas, servir para dirimir questões laborais e não para fazer luta política.
Finalmente não se deveria validar o resultado das eleições se o número de abstenção e votos nulos e brancos (de que raro se fala) ultrapassassem os 50%. Isto impediria que se fabricassem maiorias a partir de minorias…
Nas decisões fundamentais para o futuro do país, mesmo aquelas em que está em causa a soberania nacional, tem-se recusado, por norma, a utilização do referendo, como tem sido o caso de tudo o que se relaciona com a CEE, mais tarde CE, agora UE.
Muito mais haveria a dizer e exemplos a apontar, mas creio já ter ilustrado o ponto. Para terminar, a implementação do “sistema democrático” entre nós, não tem servido, infelizmente, para caminharmos com passos seguros e sustentados para as “aspirações utópicas” da sociedade, a saber: a Segurança, a Justiça, e o Bem-Estar. Por esta ordem, pois a ordem dos termos não é arbitrária. Muito pelo contrário, tem degenerado constantemente em “demagogia” – a doença infantil da Democracia – e deixou-se enlear por doses demasiado elevadas de “Plutocracia”, “Corruptocracia”, “Bandalheirocracia” e “Cleptocracia”. Fez resvalar a sociedade para o “relativismo moral” e tem destruído e desbaratado, pedaço a pedaço, todo o poder nacional e enfraquecido e posto em causa a identidade e individualidade de Portugal.
Numa palavra, da Nação politicamente organizada, que é a definição clássica do Estado, passámos para a fórmula do Estado estar a subverter todos os fundamentos da nacionalidade. Esta é a situação mais perigosa de todas por que passámos, em 900 anos de História, e é a primeira vez que se regista e com ela somos confrontados. Convém entender tudo isto e reagir enquanto é tempo. Já começámos atrasados.
Oficial Piloto Aviador (Ref.)