Enquanto nas redes sociais baseadas no Ocidente os dados só podem ser obtidos (normalmente...) através de processos judiciais, no TikTok, que é uma subsidiária da chinesa ByteDance, o governo de Pequim pode invocar uma lei de 2017 para aceder, em segredo, a todos os dados sobre utilizadores estrangeiros na posse de qualquer empresa chinesa. E é importante lembrar que, na China, não existe nem uma verdadeira separação entre poder judicial e governo nem as empresas privadas o são totalmente, sobretudo as de grande dimensão.
Mas em algo têm razão os defensores do TikTok: O TikTok não é fundamentalmente diferente das outras redes sociais que precisam de ser melhor reguladas quanto à quantidade de dados que obtêm e usam de nós: Não nos podemos esquecer das 50 milhões de pessoas apanhadas no caso Cambridge Analytica e da forma como foram usadas para fazer eleger Donald Trump.
Afinal, se um produto é gratuito não podemos ter dúvidas de que, nesse caso, o produto somos nós — uma frase amplamente conhecida por quem estuda as redes sociais.
1. A questão dos conteúdos
Ou seja, a facilidade com que as pessoas podem aceder a conteúdos perigosos ou nocivos.
Um estudo recente sobre manipulação de resultados eleitorais mostrou que, entre todas as redes sociais, o TikTok era o mais viciante mas também o que permitia pior informação, sendo que, nesse estudo, 90% dos conteúdos falsos conseguiram passar com sucesso. O TikTok está também pleno de conteúdos perigosos sobre como abortar em casa, é usado por redes criminosas para tráfico de droga, para aprender a arrombar portas, por exemplo. Houve recentemente um desafio para abrir portas de carro e já houve pelo menos 20 mortes no "desafio do apagão" em que as pessoas se filmam a auto-asfixiar com artigos domésticos para depois ficarem inconscientes e sentirem a adrenalina de regressarem à consciência. Destas 20 mortes, 15 eram crianças com 12 anos ou menos, o que revela um problema grave de controlo de adesão numa rede que supostamente não devia deixar entrar ninguém com menos de 13 anos. Isto mostra também a incompetência criminosa de numa rede que vale 15 mil milhões de dólares e tem de lucro uns estimados mil milhões.
2. A segurança dos dados
A aplicação no telemóvel pode conceder acesso ao equipamento e saber o que ali se encontra, tal como os seus hábitos de navegação, as aplicações instaladas, o seu histórico, os seus dados biométricos, bem como as suas preferências pessoais.
Em 2020, o TikTok foi apanhado a aceder a todo o conteúdo dos copy/pastes em telemóveis iPhone com o iOS 14. Desde então dizem que o deixaram de fazer (e é verdade que não foram os únicos) mas também nunca tinham dito que o estavam ou conseguiam fazer...
Se usarmos, no TikTok, a mesma password que usamos noutras aplicações, podemos estar a dar acesso a essas aplicações a quem tem controla esta rede social e, sejamos sinceros, quantos de nós, usam a mesma password para tudo?...
Por outro lado, quando abrimos uma conta no TikTok, esta tenta aceder aos contactos, calendário e localização no nosso telemóvel: se concordarmos, a rede social passa a ter acesso aos nomes e números dos nossos contactos. Imaginemos que isto aconteceu no telemóvel de André Ventura... ou Carlos Moedas (conhecidos utilizadores TikTok) ou de um general do exército ou de um responsável de um qualquer serviço crítico que tem no seu telemóvel, por exemplo, o número de um serviço de acompanhantes ou de um conhecido traficante de drogas: Ficamos logo com matéria de interesse para qualquer serviço de informações. E se usarmos o login do Facebook para autenticar no TikTok, disponibilizamos parte da informação no perfil a quem controla a rede social, tal como a nossa rede de amigos ou dados demográficos.
Como sucede em qualquer rede social, devemos sempre partir do princípio de que tudo o que lá colocamos pode ser lido por terceiros. Os jovens podem não se preocupar com o que publicam hoje no TikTok e que julgam ser privado (para o operador da rede social nada é privado como provou um caso recente em que dois jornalistas americanos foram espiados por funcionários do TikTok), mas pensarão o mesmo daqui a dez ou vinte anos quando estiverem em cargos de responsabilidade e forem recrutados pelos serviços secretos chineses sob ameaça da revelação de conteúdos ilegais ou embaraçosos?...
3. A localização
Onde o utilizador se encontra é uma questão de privacidade.
Até 2020 o TikTok conseguia saber a nossa localização GPS e esses dados históricos continuam nas bases de dados da empresa, acessíveis a partir da China e ao alcance da lei de segurança nacional, que obriga que todas as empresas e indivíduos chineses cedam — sem o dizer — a dados do TikTok.
Actualmente, o TikTok regista o nosso IP o que não permite saber mais do que a cidade onde estamos, mas somem isso ao histórico com datas e horas e começamos a obter informação interessante a qualquer serviço de informações...
É verdade que um porta-voz do governo chinês já veio dizer que o seu governo numa pediu nem pedirá acesso a dados que violem as leis dos países de origem dos utilizadores... mas sejamos sinceros: há hoje em dia pelo menos 28 organizações de hackers (APTs) a lançarem campanhas de ciberguerra ou operações de hacking e phishing contra países ocidentais e infraestruturas críticas como empresas de comunicações, hospitais ou energia. Não consta que essa actividade, patrocinada pelo Estado chinês sob contrato por empresas privadas ou conduzida directamente pelo Exército Popular, com a sua "Unidade 61398" activa desde pelo menos 2011, seja legal nos países ocidentais.
4. A desinformação
O que é apresentado ao utilizador pode ser ajustado pelo algoritmo para criar uma narrativa, suprimindo algumas informações e dando destaque a outras para criar uma linha de pensamento alinhada com a mensagem que se quer fazer passar.
Isto mesmo foi o TikTok apanhado a fazer em 2019 ao remover conteúdos sobre a Praça de Tiananmen, a revolta de Hong Kong, e a promover conteúdos favoráveis ao regime de Pequim.
Quando Trump começou a falar de banir o TikTok nos EUA, a rede social tinha 800 milhões de utilizadores.
Hoje tem mais de 3.5 mil milhões. De facto, nenhuma rede social (como o Facebook ou o Instagram) cresceu tanto e tão depressa. E continua a crescer, tendo já hoje 150 milhões de utilizadores europeus dos quais 1.8 milhões de portugueses, sobretudo menores. É de realçar ainda que o segmento de mais de 35 anos é um dos que mais cresce, segundo as palavras do CEO da empresa ao Congresso dos EUA. Esta é a escala que pode alcançar a desinformação ou a manipulação de conteúdos determinada por ordem dos serviços de informação de Pequim.
Rui Martins | Eleito local em Lisboa pelo PS à Assembleia de Freguesia do Areeiro (Lisboa), dirigente associativo e fundador da Iniciativa CpC: Cidadãos pela Cibersegurança
O autor escreve de acordo com a antiga ortografia.