Um dos desejos que muitos de nós temos para este novo ano é que se encerrem os confinamentos sucessivos a que infelizmente nos habituámos. Ainda serão escritas muitas páginas sobre os impactos causados na sociedade pela necessidade de distanciamento social a que a pandemia nos sujeitou.
Um dos potenciais efeitos que merece ser estudado pelos investigadores em particular, mas também ser analisado pela comunidade de um modo geral, é o impacto que a pandemia teve na participação cívica, no movimento associativo e na mobilização popular.
As salas de zoom não substituem o calor humano dos auditórios, nem promovem o contacto humano necessário para que se criem pontes transformadoras da sociedade.
As restrições forçaram as pessoas a ficar em casa e, por isso, limitaram a possibilidade dos fóruns de discussão e de ação na praça pública. Muitos de nós adaptámo-nos ao mundo online. No entanto, não há substituto equivalente para os encontros presenciais e os seus benefícios, tanto para o debate de ideias, como para a criação de laços de fraternidade entre pessoas que defendem causas comuns.
É difícil pedir ideias sobre como melhorar um bairro quando as pessoas têm medo de um vírus. É difícil contactar as pessoas quando deixam de ter uma vida de bairro, porque estão confinadas ao seu apartamento. A pandemia demonstrou o quão essenciais certos aspetos das nossas vidas em sociedade são, por mais simples que pareçam - do café de manhã no sítio habitual à ida aos correios na esquina, passando pela visita ao talho do bairro. Quiçá uma oportunidade para (re)aprendermos a valorizar os mecanismos participativos disponíveis na nossa vida diária, mesmo no plano micro do nosso quarteirão.
Ainda assim todos fomos convidados a refletir sobre a importância do ato de votar num contexto de pandemia. Os portugueses marcaram presença nas urnas revelando uma vontade inequívoca de afirmar a democracia nos três atos eleitorais que decorreram durante a pandemia. Os portugueses puderam eleger assim desde o Presidente da República ao Presidente da Junta de Freguesia.
O fim dos condicionamentos é a oportunidade para recuperarmos e reafirmarmos os processos que estavam a ser desenvolvidos no âmbito da democracia participativa.
A democracia não se esgota no ato de colocar o voto na urna. É verdade que, enquanto cidadãos, atribuímos um mandato aos eleitos para nos representarem. Contudo, também é verdade que podemos, durante esse mandato, contribuir com propostas ou ideias junto dos nossos representantes.
As forças vivas da sociedade têm um papel da maior importância para colocar na agenda pública ou mediática as causas que entendem ser necessárias, prementes ou urgentes, dando-lhes visibilidade. Uma democracia dinâmica não se pode esgotar no ato eleitoral. No seu artigo segundo, a Constituição atribui dignidade constitucional ao aprofundamento da democracia participativa. Não nos podemos esquecer disso.
O ordenamento jurídico português contempla variados mecanismos e processos de participação, quer individual, quer coletiva. A transformação da sociedade começa nos atos. De um simples e-mail à nossa Junta de Freguesia a informar de um buraco no passeio à sugestão de que precisamos de mais árvores e zonas de sombra. Participar ou intervir numa reunião pública dos órgãos executivos ou legislativos das Freguesias ou dos Municípios pode fazer muita diferença nas decisões ali tomadas. O mesmo vale para participar numa consulta pública ou numa petição, integrar um projeto associativo ou um movimento político.
A democracia participativa complementa e expande a esfera de atuação da democracia representativa. Os cidadãos têm um papel fundamental tanto ao atribuir legitimidade aos eleitos, como ao complementar o trabalho dos eleitos através de uma participação ativa.
Se a pandemia nos mostrou a importância do contacto humano, desejo que o novo ano nos mostre a importância do ativismo cívico. É com este espírito que começo o novo ano: o de nos unirmos para revigorar os processos participativos em Portugal.
Maycon Santos | Licenciado em Ciência Política e Eleito Local pelo Partido Socialista na Junta de Freguesia da Penha de França | mayconsantos.lx