A manipulação do medo é uma das ferramentas mais poderosas para controlar uma população. O medo é utilizado para subverter prioridades, transmitir ideologias ou até mesmo para angariar apoio popular relativamente a decisões humanamente erradas. Se existisse uma escala de Richter para o medo, o receio da própria morte certamente faria disparar os ponteiros ainda mais alto. Quando sentimos que a nossa existência — seja ela económica, social, racial, religiosa e, pior, a física — está ameaçada, tornamo-nos capazes de tudo.
Os lisboetas têm medo dos aviões, mas a verdade é que nem mesmo o "acidente" de Camarate conseguiu matar alguém que não fosse passageiro do próprio avião, apesar de ter danificado cinco habitações e três automóveis. Por outro lado, e apesar de morremos todos os dias por atropelamentos ou acidentes rodoviários, ainda ninguém sugeriu mudar as estradas para outro lugar fora da cidade. No resto do mundo, acidentes aéreos com mortes "porque um avião lhes caiu em cima” são extremamente raros, marginais e sem estatísticas relevantes. A exceção mais notória foi obviamente a do ataque do 11 de setembro, ocorrido há mais de duas décadas pelas razões e no contexto que todos conhecemos. Mesmo em situações extremas como a recente queda no Brasil de um avião no quintal de um condomínio situado longe de qualquer aeroporto, não houve um único morto "no chão" a não ser os ocupantes desse avião.
Apesar de tudo isto, muitos lisboetas são facilmente induzidos a terem uma profunda preocupação com os aparentes perigos de um aeroporto localizado dentro da cidade e das consequências de uma hipotética catástrofe aérea que nunca ocorreu e para a qual também não existe nenhum exemplo real. De um ponto de vista político, é extremamente conveniente entreter esse tipo medo porque ele legitimará contratos “públicos”, ajustes diretos e desvios orçamentais de milhares de milhões de euros. E, enquanto os políticos nos “curam” desse medo, os lisboetas esquecem-se da verdadeira ameaça que, de facto, lhes tirou a vida e lhes destruiu a cidade: a de um terramoto ou maremoto. Estas são, sem dúvida, as catástrofes que realmente podem afetar Lisboa de forma devastadora. E, para este risco real e iminente, estamos incrivelmente mal preparados.
Além disso, a escolha da localização do “novo” aeroporto em Alcochete levanta ainda mais questões. O Campo de Tiro inclui-se na zona 1.3 (sismo distante, de maior magnitude) e na zona 2.3 (sismo próximo de magnitude moderada) do Eurocódigo 8. Um risco que a Comissão “Dependente” classificou como "gerível". Mas para além do risco sísmico em si, é fundamental ter em conta as condições locais dos terrenos e o tipo de infraestrutura que neles se coloca. Dependendo das suas características, estas podem potenciar e ampliar os impactos e as consequências de um movimento sísmico. Embora alguns destes problemas possam ser tecnicamente resolúveis, é provável que aumentem o custo de construção. E, como bem sabemos…quem acabará por pagar essa fatura somos nós. Mas será então razoável construir o principal aeroporto do país numa zona com maior gravidade e com maior probabilidade sísmica existindo outras opções sem esse risco?!
A diferença entre perigo e medo é clara: um é real, o outro é uma escolha. E é tempo de escolhermos ter medo das coisas certas…a começar por quem toma estas decisões.
Docente em Sistemas de Transporte e consultor em aviação, aeroportos e turismo