“As pessoas costumam amar a verdade quando
esta as ilumina, porém tendem a odiá-la quando
as confronta”.
Santo Agostinho (“Confissões”)
Após levantar questões sobre o bom senso de fazer um “novo” Aeroporto de Lisboa (leia aqui), vejamos agora a questão do TGV.
O “Caminho-de-Ferro” começou no nosso País, em 1856, com a inauguração da linha Lisboa — Carregado; esta linha chegou à fronteira espanhola, em 1863. Desenvolveu-se tendo sempre em conta os interesses estratégicos e de defesa (a bitola era diferente da espanhola, na fronteira, o que hoje já não faz sentido, mas na altura fazia), relativamente à Espanha — que pretendeu sempre que a nossa ligação com o país vizinho passasse por Madrid, quando o interesse português é chegar rapidamente a França ou a portos espanhóis que permitam o tráfego de mercadorias de, e para o nosso país, do modo mais directo e económico — e ficou basicamente concluída nos anos 30 do século passado, tendo sofrido muitas dificuldades devido à grande agitação política que percorreu o país no fim da Monarquia e sobretudo na I República. As consequências das duas guerras mundiais também prejudicaram o desenvolvimento e operação do caminho-de-ferro. A máxima extensão da rede foi atingida em 1949.
Após a Segunda Guerra Mundial o transporte aéreo e rodoviário foi ganhando terreno relativamente à ferrovia.
Para revitalizar o caminho-de-ferro os três primeiros Planos de Fomento dedicaram-lhe avultadas somas, tendo o primeiro plano atribuído 100 milhões de escudos/ano entre 1953 e 1958; Valor semelhante foi atribuído no plano seguinte entre 1959 e 1964, tendo crescido para 300 milhões, entre 1965 e 1976. Recebeu ainda apoios financeiros do “Plano Marshall”, com os quais se adquiriram locomotivas e outro material circulante. Mas continuou a haver problemas nomeadamente na qualidade de algumas infra-estruturas, o que limitava a correcta exploração de muitas linhas.
Após o 25 de Abril de 74, a CP (Comboios de Portugal) foi nacionalizada, em 1975; o material e as linhas existentes deterioraram-se rapidamente devido a greves, depredações, degradação da manutenção, aumentos salariais descontrolados, quebra da hierarquia, ocupação dos cargos de chefia por gente impreparada e aleivosa dos Partidos, etc. A indústria ligada ao caminho-de-ferro cujo expoente era a empresa “Sorefame” foi sendo destruída.
Após a entrada para a CEE, em 1986, e com o início de alguma recuperação económica e social, sobretudo a partir do primeiro governo do Professor Cavaco Silva, tomou-se uma opção "estratégica" que se pode considerar nefasta, que foi a de privilegiar a construção de auto-estradas e dar preferência ao transporte rodoviário de pessoas e mercadorias, em desfavor do caminho-de-ferro, que, bem explorado, é muito mais económico, menos poluente, mais seguro e ajuda a evitar o excesso de veículos nas cidades e estradas.[1]
Actualmente existem 3.621,6 km de vias-férreas, das quais apenas 2.526km se encontram em exploração, dos quais 1916 km em via única e 610 km em via dupla. Apenas 1791,2 km da rede em exploração está electrificada, ou seja 70,8% do total. Existem três ligações internacionais com a rede ferroviária espanhola em Valença, Vilar Formoso e Elvas. A maior parte da via em funcionamento é de via larga, na bitola ibérica. A exploração de passageiros e carga é efectuada maioritariamente pela empresa “Comboios de Portugal” (e outras empresas como a “Fertagus”, Medwaay e Takargo), ao passo que a manutenção da via e apoio ao tráfego é da responsabilidade da empresa “Infra-estruturas de Portugal”.[2]
Sem embargo, na década de 90, foi feito um esforço de modernização e inauguradas algumas importantes infra-estruturas, como foram a ponte de S. João, no Porto, em 1991; a Gare do Oriente, em 1998 e introduzidas novas séries de material circulante, de que é exemplo as automotoras do “Alfa Pendular”, em 1999.
O modo como foram elaborados os contratos de construção das auto-estradas (alguns dos quais excessivos e roubando espaço a outras actividades, nomeadamente agrícolas), amarraram os contribuintes a uma carga brutal de portagens, até ver, para todo o sempre.
Tudo ficou agravado por não ter sido gizado um plano estratégico geral e integrado de transporte de mercadorias e passageiros, a nível do todo nacional, que tentasse harmonizar o melhor possível a realidade com a perspectiva de futuro e em que os diferentes meios de transporte não fossem concorrentes, mas complementares. Algumas tentativas posteriores em melhorarem o sistema têm sofrido por via deste pecado original; o actual sistema político baseado em Partidos Políticos absolutamente deficientes em tudo; corrupção extensa e justiça inoperante tornam qualquer solução adequada como miragem virtual...
E daqui decorre naturalmente um aumento dos problemas relacionados com a eventual nova localização de um novo aeroporto que sirva a área de Lisboa. Parece até que agora é um pressuposto fazer uma paragem do hipotético TGV no hipotético local do hipotético novo aeroporto, como se de um jogo de xadrez se tratasse.
“TGV” é o acrónimo francês de “Train à Grande Vitesse”- trem de alta velocidade. Foi desenvolvido a partir do final dos anos sessenta, pela empresa “Alstom” e pela Companhia de Caminhos de Ferro Franceses (SNCF) e o primeiro troço foi inaugurado em 1981, entre Paris e Lyon. O TGV pode operar até velocidades de 320 Km/H e destinou-se a superar o congestionamento de passageiros já existente e a ser concorrencial com a ligação aérea entre aquelas duas cidades. Outros países europeus seguiram o exemplo da França e instalaram algumas linhas de TGV, como a Bélgica, Holanda, Itália, Alemanha, Suíça, Espanha e Grã-Bretanha, que se unem entre si.
E, de facto, apostar no caminho-de-ferro, parece ser uma boa opção para Portugal (a não ser nas ilhas, pois não têm dimensão nem orografia para tal — a não ser em linhas de "eléctricos", até porque o excesso de carros é mais que evidente na Madeira, e vai a caminho do mesmo nalgumas ilhas dos Açores) — sobretudo nos eixos Faro-Lisboa-Porto-Braga; Lisboa-Guarda-Vilar Formoso; Lisboa-Évora-Elvas e Lisboa-Faro, bem como nos transportes suburbanos das maiores cidades (não podem é andar sempre em greve...). E todos os portos nacionais devem ser servidos por terminais de caminho-de-ferro para transporte de mercadorias (caso o volume o justifique), com prioridade actual para Sines, cuja ligação a Elvas já está a ser construída.
E tudo isto deve estar debaixo do controlo nacional — ou previsto e preparado, para rapidamente passar — pois são aspectos fulcrais para a Segurança e Defesa Nacionais, algo que todos os poderes públicos têm desprezado e as chefias militares e policiais, aparentemente, se "escusam ou esquecem", a dar o seu parecer estratégico por razões que só elas saberão explicar.
Mas seguramente o que não precisamos é de um TGV, por razões ainda mais apropriadas do que um novo aeroporto, pois o país não tem dimensão e riqueza que justifique tal empreendimento e quando nem sequer temos a actual rede devidamente capacitada, cujo exemplo mais flagrante é a ligação entre Lisboa e Porto (note-se que foi inaugurada em 1864, até Vila Nova de Gaia, chegando a Campanhã, em 1877!). Não obstante, querem agora fazer uma nova linha mais ou menos paralela à actual, num percurso que tem pouco mais de 300Km (quando o TGV só é rentável a partir dos 500Km), com várias estações pelo meio (mais uma se viermos a contar com a do novo aeroporto?) e um prolongamento até Vigo (?), o que custará vários milhares de milhões de euros; obrigará à expropriação de centenas de casas e terrenos numa área densamente povoada e retirará milhares de hectares de terreno de outras ocupações! Tudo para ganhar 20 minutos no tempo de ligação às duas maiores cidades do país?!
E quanto à questão da bitola ela deve ser escolhida em termos de ser a mais económica a longo prazo, sendo que o termo "económico" engloba vários outros como disponibilidade financeira, investimento em material circulante, agilização da operação, uniformização de equipamentos e procedimentos, etc., agora que as preocupações de segurança parecem estar ultrapassadas.
E se pensam que o TGV seria uma coisa boa para se aproveitar os fundos europeus e ligar Portugal à rede europeia do mesmo, desiludam-se pois o último relatório especial, elaborado em 2018, pelo Tribunal de Contas Europeu sobre essa rede, é muito critico de tudo o que se tem feito, chegando a classificá-la de “manta de retalhos; de linhas nacionais mal ligadas”; muito dispendiosa, em muitos casos desnecessária; com velocidades médias muito abaixo do previsto; com elevadas demoras no planeamento e execução (média de 16 anos), com muitas derrapagens de custos e baixa sustentação!
E, em tudo isto, não é necessário "regulamentar" os “lobbys”, como começou a estar na moda dizer, o que é necessário é acabar com os que existam e cumprir e, ou, adequar, a legislação. O único "lobby" que pode haver neste âmbito é o “interesse nacional", o que a actual estrutura do "Poder" em Portugal e grande parte das pessoas que a integra, não parece estar em condições de garantir.
Exemplo (pode-se adiantar muitos mais) do que se acabou de dizer é o desvario completamente irracional com que se andam a “semear” centenas de milhares de hectares de painéis solares pelo país, sendo que só do ar é que se pode avaliar devidamente a “catástrofe”.[3]
E quando se estima que o País já produza cerca de 60% da sua electricidade de origem renovável, sobretudo hidroeléctrica e eólica.
Aproveitando a massiva propaganda — pois é disso que se trata — relativamente à necessidade de "fazer a transição energética" e às "alterações climáticas" que, na prática, não passa de um embuste para encobrir e propiciar negócios de muitos milhões noutros ramos de indústria – posto em marcha acelerada a partir do aparecimento na cena internacional do senhor Al Gore (que chegou a Vice Presidente dos EUA) — colocam-se os tais painéis solares, em terrenos apropriados para a Agricultura, Pastorícia e Silvicultura (em vez de apenas serem autorizados nos telhados das casas, ou em terrenos rochosos ou improdutivos, mesmo assim tendo em conta o prejuízo que causam na vida animal e vegetal da área) para já não falar no desfeitear da paisagem. Lembra-se ainda que os painéis solares são constituídos por uma quantidade de materiais, que se tem que arrancar do solo e subsolo – o principal componente é o silício, no estado cristalino ou amorfo, aplicado na construção das células fotovoltaicas — de difícil reciclagem e que têm que ser substituídos, ao fim de cerca de 20 anos. No fim disto tudo é necessário ponderar qual a vantagem que se tira. Recorda-se que as principais vantagens anunciadas, que os painéis representam são constituírem uma energia “limpa”; alternativa à energia fóssil e diminuir substancialmente os preços da electricidade assim obtida (cujos optimistas esperam baixar para 0,02 euros/KWh, dos actuais 0,20). Lamentavelmente como as empresas que andam nesta azáfama, não são portuguesas, as mais-valias não vão cá ficar.[4]
O comentário de um popular a toda esta situação, dito numa recente reportagem de uma estação televisiva sobre a questão na área de Castelo Branco, é bem reveladora e significativa, dizia ele: "então para salvarmos o planeta vamos ter de nos matar?"
O que se conjuga com este outro espanto: multinacionais estrangeiras (e não só) andam a comprar vastas herdades pelo país, sobretudo no Alentejo, a fim de plantarem... amendoeiras, que vão servir sobretudo para alimentar as divagações experimentais dos "Vegan".
Será disto que a Senhora Ministra da Agricultura se alimenta?
Lembro que neste momento Portugal e os portugueses, para além de irem ficar sem o seu terreno — que faz parte da alma nacional — só produzem 18% dos cereais que consome...
Pão é soberania (e sobrevivência) e ainda não consta que se consegue fazer pão de amêndoas.[5]
E, tanto mais que se poderia acrescentar…
O nosso País está ingovernável, insustentável e a desmoronar-se aos bocadinhos.
Convinha perceber as razões não só superficiais, mas profundas da situação a que chegámos.
Oficial Piloto Aviador
[1] Só entre 1986 e 1995, foram encerrados mais de 700 quilómetros de linhas, sobretudo em Trás-os-Montes e Alentejo, por serem considerados economicamente inviáveis.
[2] Alguns dados estatísticos (Fundação Manuel dos santos): pessoal ao serviço do transporte ferroviário, 1967 – 24.727; 2022 – 7.023;Mercadorias transportadas no sistema ferroviário, 2008 – 10.425.500 toneladas; 2022 – 9.310.307 T; passageiros transportados, 1967 – 138.019 milhões, 1984 – 214.646, 2022 – 171.653; acidentes, 2006 – 89 acidentes com 53 mortos e 33 feridos graves; 2013, 49 acidentes com 27 mortos e 14 feridos graves, 2022, 34 acidentes com 12 mortos e 13 feridos graves.
[3] Esta “plantação” de painéis foto – voltaicos, tem sido feita sobretudo pelas empresas “EDP”, “Akuo”, “Q Energy”e “Cestas”, naturalmente autorizadas pelo Governo.
[4] A energia solar fotovoltaica é a energia obtida através da conversão da luz (neste caso, solar) em electricidade por meio do efeito foto voltaico. A célula foto voltaica é um dispositivo fabricado com material semicondutor, representando a unidade fundamental neste processo de conversão. O termo “foto voltaico” apareceu na Grã-Bretanha no ano de 1849; vem do grego “phos”, que significa “luz” e de “voltaico”, com origem na descoberta da electricidade, em honra do Físico italiano Alessandro Volta.
[5] A amêndoa é um excelente fruto seco e responsável por alguns dos melhores doces nacionais. Havia em abundância no Algarve e na chamada região quente transmontana. Em tempos realizavam-se excursões ao Algarve (quando o Algarve ainda era terra de portugueses) e a Barca d' Alva para ver as amendoeiras em flor. Os terrenos eram apropriados para o seu cultivo e era complementar de outras produções agrícolas e silvícolas. O desleixo em que deixaram cair a Agricultura no fim dos anos 70 e na década de 80, fez com que a maior parte das amendoeiras envelhecesse, secasse e desaparecesse...