O vício no jogo é o único vício que produz viciados de espécies completamente diferentes. Tanto que é difícil imaginar um viciado no jogo e atribuir-lhe rapidamente um nome. O mesmo não acontece com o alcoolismo. Se vos pedirem para pensar num alcoólico, vão automaticamente pensar no nome Armando.

Por outro lado, como é que se chama a um dependente de casinos? Talvez primeiro-ministro.

O praticante assíduo do jogo tem a sua personalidade moldada em função do tipo de jogo em que se especializou.

O federado da sueca, copas ou sobe e desce, é um ser de memória seletiva, capaz de guardar rancor a jogadas durante anos, mas não saber o nome do próprio parceiro. Implacavelmente bipolar, diz frases como: “Lerpastes”, “Quem parte logo dá” e “Se tu não tens baldado aquela manilha em 2002…”.

Acho que podemos concordar que existem vícios com mais prestígio do que outros. Não é por acaso que o workaholic é promovido e o alcoholic é despedido. O que não levanta grandes objeções, diga-se. Talvez seja mais complexo quando o workaholic é enólogo.

Acontece o mesmo dentro do vício do jogo. Há jogos bem mais prestigiantes do que outros. O BlackJack, por exemplo, cujo nome diz respeito a um sujeito que se chamava Jack e era – claramente – futebolista da seleção francesa.

Um jogo cuja premissa base é o jogador poder fazer até 21, mais do que isso rebenta – qual camadas jovens do Hamas – e em que, como em qualquer relação de dependência, ganha sempre o dealer. Prestigiante.

Por oposição, obviamente, raspadinhas. Eu não compro raspadinhas, até porque há uma diferença entre ser viciado e ser ressaca. Mas uma vez comprei. Foi uma experiência traumática.

Levava na carteira apenas uma moeda de um euro, que usei para comprar a dita cuja. Vi-me encurralado numa situação insólita, em que não tinha como a raspar. Humilhantemente, pedi ao senhor que ma vendeu se me podia emprestar a minha própria moeda para o fazer.

Raspei. Ganhei um euro. Olhámos um para o outro como quem conclui com inevitabilidade: "estamos a perder o nosso tempo, e ninguém se está a divertir".

Não podia resignar-me e simplesmente manter a moeda que tinha levado à rua. O que é que isso diria sobre mim? Que estou confortável com a ideia de ser permanentemente o meu pai na cozinha: zero receitas?

Decidi comprar outra. Desta vez mantive a moeda, para que pudesse usá-la para raspar, que eu não cometo o mesmo erro duas vezes.

Começou a formar-se fila, então tive de me afastar da caixa, em direção ao canto dos raspadores – uma espécie de aglomerado à volta da carrinha da metadona, em que a carrinha é uma mesa alta da Santa Casa e a metadona uma tremenda falta de amor próprio.

Raspei. Prémio de zero euros. Levanto a cabeça e olho para a caixa. Estão seis pessoas na fila. Nisto o senhor da papelaria olha para mim especado e, visivelmente surpreendido por eu não ter ido ainda embora, berra: "Então? Tem prémio?".

E eu: "Não, era para lhe devolver a moeda."

Comediante Estagiário