Recentemente, um relatório da Direção-Geral da Saúde veio demonstrar os riscos associados à má alimentação, que está a matar mais do que o tabaco, citado pelo jornal Público, em  Maus Hábitos Alimentares Superam Tabaco no Risco de Morte”. Segundo este relatório, os maus hábitos alimentares foram o terceiro fator de risco que mais contribuiu para o total de mortes em Portugal, em 2021. Além disso, a obesidade também ultrapassou o tabaco como um dos principais fatores de risco para a morbilidade e mortalidade nos últimos anos.

De acordo com Maria João Gregório, Diretora do Programa Nacional para a Promoção da Alimentação Saudável, 10.168 mortes em 2021 podem ser atribuídas a hábitos alimentares inadequados, que resultam em doenças oncológicas, cardiovasculares, diabetes e doenças renais.

É unânime, na comunidade científica, que maus hábitos alimentares, obesidade e sedentarismo são fatores de risco para doenças cardiovasculares, hipertensão arterial, diabetes tipo II e doenças degenerativas. Diante disso, uma pergunta parece ser imperativa: Quando serão tomadas medidas para melhorar a situação daqueles que já contraíram essas doenças e para prevenir que outros as desenvolvam, contrariando assim a previsão de aumento da morbilidade e mortalidade nos próximos anos?

Nós, médicos, somos amplamente formados para tratar doenças, mas muito pouco para preveni-las. Todas essas doenças são vistas como crónicas, cujo tratamento consiste na toma de medicação contínua, sem regressão. São doenças de causa multifatorial, em que a epigenética tem um grande peso, ou seja, o ambiente é determinante. Tomando como exemplo a diabetes, o gene herdado para contrair a doença vai manifestar-se de acordo com o comportamento e o estilo de vida de quem o herdou. O portador pode escolher inibir o gene com alimentação saudável, peso adequado e exercício físico, ou ativar o gene fazendo o contrário, podendo assim manifestar a doença.

Mesmo nos pacientes que já são portadores da doença, o quadro clínico pode melhorar significativamente. É o caso dos pacientes com hipertensão arterial, que muitas vezes conseguem deixar a medicação ou diminuí-la quando atingem um peso adequado. O mesmo ocorre com os diabéticos, que frequentemente controlam a sua doença com medicação e uma alimentação inadequada, ao invés de utilizar a medicação apenas para cobrir o que não é possível controlar com uma alimentação adequada. Esse tratamento correto protegê-los-ia das complicações graves da doença.

Existe um fator que torna tudo isso muito complexo e difícil: a compulsão alimentar. Ela tem características de dependência e, como tal, faz com que a parte inteligente e racional não vença, deixando a vitória para a dependência, neste caso, a comida. Aliás, uma terrível derrota! Se em relação a outros produtos, como o caso do tabaco, isso é tão claro na sociedade, porque não o é em relação a outros produtos?

O mundo e as marcas aproveitam-se dessa característica do ser humano para colocar no mercado continuamente produtos alimentares que criam dependência. Essa dependência alimentar provoca sofrimento a uma percentagem muito alta da população, que sofre em silêncio. Desiludam-se os que pensam que é por opção que, apesar dos riscos, muitos não escolhem uma alimentação adequada para manter a sua diabetes tipo II controlada, a sua hipertensão arterial, o seu peso adequado e a sua obesidade resolvida. A verdade é que grande parte dos pacientes nem tem muita consciência disso!

É todo o ambiente à nossa volta. Basta ir ao supermercado e deparar-se com uma enorme panóplia de produtos alimentares muito nefastos ao organismo, cheios de calorias vazias que só engordam, prejudicam o organismo e nada nutrem. É o ambiente de amigos e familiares que insistem: "mas come só mais um bocadinho, é só hoje!" É o ambiente familiar em que se dá às crianças alimentações inadequadas com doces, refrigerantes, cereais cheios de açúcar. As pessoas não têm essa consciência e acabam por prejudicar muito os que mais amam, porque não existe a cultura da alimentação adequada.

E isto naturalmente exige medidas dos governos. Há necessidade de transmitir às pessoas essa característica que possuímos de dependência da comida! Melhor ainda, que a comida não saudável cria dependência! Que a abstinência dessa comida e um comportamento alimentar correto são a maneira de controlar essa compulsão. Aconselhar as pessoas a se alimentarem no perímetro dos supermercados, onde se encontram os alimentos frescos, vegetais, carne, peixe, iogurtes, e evitarem os produtos alimentares dos corredores, processados e nefastos para a saúde. Alertar para o fato de que é maus-tratos às crianças dar-lhes alimentos inadequados e levá-las ao excesso de peso.

Formar os profissionais de saúde com valências que visem a prevenção da doença. E muitas outras medidas poderiam ser tomadas com resultados se houvesse vontade e determinação no sentido de melhorar este quadro de mortalidade e morbilidade das doenças cardiovasculares, diabetes tipo II e doenças degenerativas.

Cidália Ferreira, Médica de Clínica Geral - Nutrição, Obesidade e Medicina Integrativa