O problema é que parece que o bom senso se eclipsou, deixando-nos uma sociedade que tudo exige e nada quer entregar. Não há modelos ou referências, só bandidos e aldrabões. Não há histórias de sucesso, só crimes e maus exemplos.

Dizia-se que a pandemia nos deixaria mais sensatos, mais solidários, mas a repentina constatação coletiva de mortalidade apenas potenciou a estupidez e o egoísmo dos espíritos obtusos que, armados de megafone, agora se arrogam direitos adquiridos pela mera existência e consideram tudo lhes ser devido sem que estejam dispostos a contribuir com coisa alguma para o bem comum.

A gestão paternalista de alguns governos — e confortável, note-se, porque deu muito jeito poder decretar e proibir, atirando dinheiro gratuito para cima dos problemas sem ter de prestar contas por absurdos como, "se alguns não podem aprender, ficam todos proibidos de ter aulas" —, se dúvidas houvesse, foi comprovadamente desastrosa. Porque ajudou a consolidar como certeza a impressão de que os adultos saíram da sala e que aos portugueses já não se pede que pensem, construam e ambicionem ser a sua melhor versão, apenas que obedeçam e recebam as esmolas para eles reservadas.

A ambição é mal vista, o lucro censurado, a vontade de crescer olhada de lado e a mera ideia de querer fazer mais do que os mínimos exigidos é socialmente cancelada como infeção a conter com urgência. A existência passou a centrar-se no que clamam os umbigos individuais, invejosos dos frames de outras vidas que lhes chegam pelos ecrãs. Queremos ter o mesmo — não importa como o conseguiram — e se não der, então que ninguém tenha nada. Alinha-se a régua e esquadro pela mediocridade, como quiseram fazer com a educação.

Em contrapartida, nos últimos anos incorporámos imensos direitos. Vemos desfilar nos noticiários comentados essas conquistas que tardam, engordando a fatura do que nos é devido.

Como o direito a ter uma casa sem ter de pagar por ela — os senhorios são chulos que vivem a "fazer negócio do que é um direito", quer os que não recebem o suficiente para isolar o telhado quer os que gastaram fortunas em reabilitação e agora querem recuperar o investimento (que ousadia!); e os bancos que se lixem, mais os seus lucros obscenos, mesmo que há uma década estivessem no buraco e por isso toda a economia, que continua ligada à máquina de financiamento, tenha sido atirada para o charco.

Como o direito a ter um rendimento mensal sem o incómodo de trabalhar muito ou sequer ir ao escritório, que essa ideia é de pessoas antigas... onde já se viu querer ter equipas coesas e focadas, em lugar intervalar projetos profissionais com máquinas de roupa e boleias aos filhos? As empresas são organizações do mal. E voltar ao escritório é tão 2019...

Boa, boa, aliás, seria a experiência dos 4 dias, aditivada de férias extra, feriados e pontes, para garantir que o trabalho não interfere com o nosso tempo pessoal e de lazer. Porque a vida não vale nada se tivermos de trabalhar para ganhar dinheiro para os gastos, como diria o guru Diogo Faro. A doença mental nem existiria, se pudéssemos apenas passear por aí, sem a angústia de termos de nos esforçar para produzir alguma coisa que mereça um salário. Seríamos felizes nómadas descomprometidos, a viver do que alguém construiu e produziu. Pelo menos enquanto alguém construísse e produzisse.

Como o direito a sermos tratados como nos sentimos, ainda que isso implique que se faça tábua rasa da Biologia e se ignore a Ciência e os fundamentos da própria civilização. Ainda que uma universidade se veja obrigada a comprar uma caixa de areia para o pátio, mas não tenha como impedir um aluno que quer ser tratado como gato de assistir às aulas. Como o direito a não ter filhos, mas sim cães e gatos e exigir para eles direitos semelhantes aos dos humanos e proteção ao nível da das crianças. Como o direito a impor aos outros as nossas regras e liberdades e a espalhar a nossa visão do mundo, censurando e cancelando quem ouse divergir da nossa opinião.

E, claro, o direito a viver num planeta limpo, em que não estejamos permanentemente reféns do stress climático, que nos faz andar por aí de régua no bolso a medir quanto falta para morrermos todos afogados. Desligue-se o gás, fechem as torneiras dos combustíveis de uma vez, proíba-se as viagens que não se façam a pé ou de bicicleta, destrua-se o plástico e boicote-se as indústrias. Passemos todos a produzir a própria comida no quintal e recuperemos a desvalorizada arte do patchwork para dar nova vida às roupas que já não usamos, trocando o aquecimento por mantas. Com a vantagem acrescida de que restará muito menos tempo para estragar obras de arte e atirar tinta a pessoas e património.

Não importa que não haja alternativa verde que garanta a energia de que o planeta precisa em quantidade e ao preço da que vem dos fósseis ou do nuclear. Convença-se os pobrezinhos de África, da Ásia, da América do Sul que isto é mais importante do que garantir que têm comida na mesa, emprego e perspetivas de ver os filhos crescer e ter uma vida mais confortável. São os nossos direitos que eles estão a pôr em risco com essa ideia de que a sua vida hoje vale mais do que o futuro dos nossos tetranetos. Como se atrevem?!

Diretora editorial