
Os resultados mais recentes do Relatório do Observatório Nacional das Doenças Respiratórias demonstram que as doenças respiratórias continuam a ser uma das principais causas de morbilidade e de mortalidade em Portugal. Quais são as patologias mais prevalentes?
Em Portugal, as doenças respiratórias crónicas representam uma preocupação crescente em termos de saúde pública. A DPOC (Doença Pulmonar Obstrutiva Crónica) continua a ser uma das patologias mais prevalentes e subdiagnosticadas, especialmente em fumadores ou ex-fumadores. A asma, a fibrose pulmonar, as bronquiectasias e as sequelas de infeções respiratórias graves, como a tuberculose e a covid-19, também contribuem significativamente para a morbilidade respiratória no nosso país.
Infelizmente, sintomas como o cansaço e a dispneia são ainda por vezes desvalorizados, tanto pelos doentes como pelos profissionais de saúde, e muitas vezes só em fases mais avançadas é que os doentes procuram ajuda. É preocupante que estas doenças, embora muitas vezes silenciosas nas fases iniciais, tenham um impacto tão significativo na qualidade de vida e na capacidade funcional dos doentes.
Qual a importância da Reabilitação Respiratória no prognóstico da doença e na qualidade de vida dos doentes, quer do ponto de vista físico quer psicológico?
A Reabilitação Respiratória é uma ferramenta terapêutica essencial para melhorar o prognóstico e a qualidade de vida dos doentes com patologia respiratória crónica. Muito mais do que melhorar escalas ou outcomes clínicos, o principal objetivo é devolver qualidade de vida à pessoa, na sua dimensão global. Para além de melhorar a capacidade de exercício, a força muscular e a gestão da falta de ar, o programa atua também no bem-estar emocional, na autoconfiança e na literacia em saúde. Muitos doentes relatam uma verdadeira transformação após a reabilitação, passando a conseguir realizar tarefas do dia a dia – como subir escadas, fazer compras ou participar em atividades sociais – que antes lhes estavam vedadas. Do ponto de vista clínico, conseguimos também reduzir exacerbações, internamentos e dependência de cuidados de saúde.
“É fundamental aumentar a oferta de programas de Reabilitação Respiratória no SNS, mas também fomentar parcerias com unidades privadas e comunitárias, com modelos inovadores que permitam um maior alcance, incluindo programas domiciliários ou híbridos”
Como avalia o acesso a este tipo de tratamento?
Apesar de ser um tratamento com evidência robusta e custo-efetivo, o acesso à Reabilitação Respiratória em Portugal ainda é limitado. A cobertura é desigual, dependendo fortemente da região e da capacidade instalada nos hospitais e centros de saúde. Muitos doentes são referenciados tarde ou não chegam sequer a ser encaminhados para programas de reabilitação, por desconhecimento ou por ausência de unidades próximas com esta valência. Sendo uma intervenção cujos benefícios estão bem documentos a melhoria do acesso aos programas de Reabilitação Respiratória deve ser uma prioridade nacional.
Como se poderá melhorar o acesso?
É fundamental aumentar a oferta de programas de Reabilitação Respiratória no SNS, mas também fomentar parcerias com unidades privadas e comunitárias, com modelos inovadores que permitam um maior alcance, incluindo programas domiciliários ou híbridos (presencial + remoto). Paralelamente, é crucial sensibilizar os profissionais de saúde para a importância da referenciação precoce e formar mais equipas multidisciplinares especializadas nesta área.
Relativamente aos cuidados respiratórios domiciliários, também há problemas de acesso?
Sim, ainda persistem dificuldades significativas no acesso aos cuidados respiratórios domiciliários, nomeadamente no que diz respeito à oxigenoterapia, ventilação não invasiva e ao acompanhamento técnico regular. Uma das principais barreiras sentidas pelos doentes prende-se com o difícil acesso a consultas e exames especializados, muitas vezes com tempos de espera prolongados e sem possibilidade de prescrição direta por parte dos cuidados de saúde primários.
Por exemplo, em situações de suspeita de apneia obstrutiva do sono, o estudo de sono é um exame cuja prescrição está restrita a médicos hospitalares, o que atrasa significativamente o diagnóstico e tratamento. Para colmatar estas limitações, é essencial reforçar a articulação entre os cuidados de saúde primários e hospitalares, simplificar os processos de referenciação e prescrição e garantir que os prestadores domiciliários mantêm padrões elevados de qualidade, com um acompanhamento técnico próximo e centrado nas necessidades reais dos doentes.
Maria João Garcia
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