“A Alemanha está a cometer um erro catastrófico ao permitir a entrada de milhões de migrantes.” Esta frase de Donald Trump, proferida durante a recente campanha do agora reeleito Presidente dos Estados Unidos, ecoa de forma alarmante na Alemanha. Trump, com o seu discurso populista e nacionalista, representa uma ameaça que se reflete no panorama político alemão, onde ganham força as tendências isolacionistas e o slogan “Alemanha primeiro”. Este cenário põe em causa o papel da Alemanha no futuro da União Europeia e lança um alerta para o continente. A vitória de Trump nas eleições americanas representa um desafio económico e estratégico sem precedentes para a Alemanha.
A Alternativa para a Alemanha (AfD) é a face mais visível deste fenómeno populista. Com uma base de apoio crescente, sobretudo entre os homens jovens e eleitores do sul, muitos destes saturados com as guerras culturais promovidas pela esquerda, a AfD desafia os pilares políticos do país. Na Baviera, região tradicionalmente conservadora sob a liderança da União Social-Cristã — CSU, aliada bávara da União Democrata-Cristã (CDU) —, a AfD tem conquistado cada vez mais terreno, consolidando-se como a segunda maior força política nas últimas eleições europeias, com 16,5% dos votos. Este crescimento não é apenas uma questão numérica, antes representa uma inclinação ideológica que questiona abertamente os valores europeístas e cosmopolitas.
O descontentamento é claro e palpável. Muitos eleitores, desiludidos com a globalização, as políticas identitárias e ditas woke, e a política de portas abertas para refugiados e migrantes, procuram soluções simplistas e nacionalistas, vendo em Trump um exemplo a seguir. A política do “Alemanha primeiro” responde a quem vê o projeto europeu como um fardo económico que dilui a identidade nacional. Esta frustração é ainda mais acentuada por uma economia dependente das exportações, nomeadamente dos sectores automóvel e industrial, agora ameaçada por uma possível política protecionista americana sob a liderança de Trump. As tensões comerciais com os Estados Unidos poderão obrigar a Alemanha a repensar as suas prioridades económicas.
O professor Moritz Schularick, presidente do Instituto Kiel para a Economia Mundial, vê a vitória de Trump como um desafio económico e estratégico. Num cenário de crise interna, a Alemanha poderá enfrentar tarifas e restrições dos Estados Unidos, pressionando ainda mais o seu crescimento económico e afetando toda a Europa. Schularick considera que a dependência da segurança alemã em relação aos Estados Unidos foi um erro de cálculo, e defende um investimento urgente em capacidades de defesa autónomas, em parceria com França e outros países europeus. Para isso, os partidos democráticos devem ultrapassar divisões e levantar as restrições da regra de endividamento, reforçando a posição geopolítica europeia num mundo cada vez mais instável.
A economia, um dos pilares do modelo de sucesso alemão, enfrenta uma ameaça real de desaceleração se estas tendências persistirem. Uma Alemanha mais isolacionista pode sofrer um impacto económico severo, especialmente com a possível saída do Partido Democrático Livre (FDP) do Parlamento, caso não atinja a barreira dos 5% nas próximas eleições. Sem os liberais a moderar o discurso económico, a direita conservadora, pressionada pela AfD, poderá adotar um protecionismo que enfraqueça a integração económica europeia e prejudique o comércio interno na União Europeia.
A fragilidade do Partido Social-Democrata (SPD, centro-esquerda), sob a liderança de Olaf Scholz, agrava este cenário. Com uma liderança fraca, Scholz será possivelmente lembrado como um dos chanceleres menos preparados da Alemanha, deixando o partido à beira de uma derrota histórica. As previsões apontam para uma queda para o terceiro lugar nas eleições de 2025, o que abriria caminho a uma CDU/CSU pressionada a endurecer o discurso para travar o crescimento da AfD. A esquerda, particularmente a mais alinhada com os ideais woke, enfrenta uma provável derrota, afastando-a do centro de decisão política.
Se a Alemanha seguir este caminho nacionalista e protecionista, as repercussões serão profundas. A Europa, já fragilizada, poderá perder na Alemanha um aliado-chave, o que terá impacto na segurança do continente. Uma Alemanha menos comprometida com a NATO e com o apoio à Ucrânia deixará um vazio na defesa europeia, uma preocupação expressa por Josep Borrell, chefe da diplomacia europeia, ao afirmar que a NATO não pode ser uma aliança à la carte.
E é neste caldo político que as eleições de 2025 serão mais do que uma mera escolha governativa; serão uma decisão entre manter a Alemanha como âncora de estabilidade e liderança europeia ou ceder ao apelo do nacionalismo e da retração económica. Como os Estados Unidos, onde o Partido Republicano se radicalizou sob a influência de Trump, a Alemanha arrisca fragmentar-se em extremos que ponham em causa a coesão e os princípios democráticos.
A Europa precisa da Alemanha como força estabilizadora e defensora dos valores europeus. O futuro da União Europeia está indissociavelmente ligado à escolha que os alemães farão nas próximas eleições. A decisão entre resistir ao populismo ou ceder à tentação nacionalista determinará se a Alemanha continuará a ser o coração da Europa ou se se tornará um reflexo das divisões americanas e de Trump, com consequências inevitavelmente negativas para o continente.