Das quase 800 mil ocorrências na aplicação Na Minha Rua, 600 mil são sobre higiene urbana. O problema é recorrente e a tempos regulares vê-se, nos jornais e pelas redes sociais, fotos de sacos e detritos amontoados à volta de caixotes, lixo espalhado em redor de ecopontos, atraindo gaivotas, baratas e pragas.
O problema é assumido pelo próprio presidente da Câmara de Lisboa, Carlos Moedas, que no Orçamento Municipal para 2025 propôs um aumento de 65% nas verbas para a higiene urbana, num total de 38 milhões de euros, e, em entrevista ao SAPO, admitia não conseguir "resolver de um dia para o outro tudo quanto resulta da descentralização desse trabalho, nomeadamente a recolha do lixo pelas freguesias e pela câmara".
Mas se todos conhecem o problema, porque não se resolve?
Há um acumulado de razões que complicam a solução, mas a principal decorre do processo de descentralização da pasta da Higiene Urbana, que resultou na saída de 800 cantoneiros para as freguesias e bloqueou tarefas específicas para as juntas e para a câmara, criando situações bizarras.
É à CML que cabe recolher o lixo grande e os caixotes, mas o que está em volta e a limpeza das ruas é atribuição das juntas. E os trabalhadores da freguesia não vêm no mesmo dia do que os da câmara, deixando o lixo acumular-se. "Os moradores queixam-se, e com razão", assume Moedas, que tem feito um esforço de investimento e reorganização das estrutura de higiene urbana da cidade (veja mais abaixo).
O que aconteceu com a descentralização da gestão da higiene urbana?
Na prática, desde 2014, quando se operou a divisão de competências entre CML e juntas, Lisboa passou a ter 25 sistemas de limpeza urbana diferentes, um da câmara e outros 24 das freguesias. Conforme explicava a deputada municipal do PEV, Cláudia Madeira, na sua intervenção em reunião da Assembleia Municipal do final de outubro, "a CML é responsável pela recolha grande e pelos caixotes e as juntas pela higiene das ruas". E lamentava: "É a câmara que despeja o contentor, mas se estiver a transbordar e se acumularem sacos à volta, essa limpeza e recolha cabe à junta."
Há, portanto, um problema de organização, que se junta à falta de meios humanos, mas também às necessidades crescentes que a evolução do número de moradores e turistas tem trazido à cidade.
"Nós temos um acordo com os trabalhadores que é muito antigo e que determina que ao domingo não há recolha de lixo", explicou ao SAPO Carlos Moedas, apontando que também isso causa acumulação e impacto. "São mais de 900 toneladas de lixo que se produzem num dia, por isso há que encontrar soluções; porque uma cidade da dimensão de Lisboa não pode não recolher lixo ao domingo."
Mas afinal o que tem feito a CML pela higiene urbana?
Os esforços são revelados pelo próprio presidente da câmara, num vídeo publicado hoje no LinkedIn, em que faz contas ao trabalho desenvolvido ao longo dos seus três anos de mandato. E cujo reforço de maios humanos nesta área, até ao final de 2025, chegará a 500 cantoneiros contratados.
Contrariando os que argumentam que há falta de vontade em investir na mudança ou que apenas se "despeja dinheiro para cima dos problemas", como há dias criticou o presidente da Junta de Santa Maria Maior, em declarações à Renascença, a autarquia aponta a contratação de 400 cantoneiros e 25 motoristas, para os quais foi aprovado o subsídio de penosidade e insalubridade (que visa compensar os trabalhadores por condições de trabalho particularmente exigentes), além da aquisição de 79 novas viaturas que permitiram recolher mais 8 mil toneladas de lixo do que no ano passado. Em nome de mais eficácia, foram criados 17 novos circuitos de recolha e reforçados os existentes, aumentando a cadência da recolha de lixo também graças às três novas Unidades de Higiene Urbana criadas.
Em resposta às queixas das juntas, de que o dinheiro que recebiam não chegava para o que lhes cabia fazer, Moedas fez ainda novos contratos que implicam um reforço de 25 milhões de euros para as freguesias. Fonte camarária citada pelo ECO aponta que "o valor total da delegação de competências nas freguesias, durante os quatro anos deste mandato, ascenderá a 466 milhões de euros, 13% acima do anterior".
Um documento estratégico para a gestão dos resíduos, mais ações de fiscalização e sensibilização da população e a introdução de inovação e tecnologia nas áreas de higiene urbana são outras medidas promovidas pela CML. "O sistema de monitorização eletrónico em todas as nossas viaturas e os sensores de enchimento em equipamentos na via pública, como as papeleiras inteligentes, fornecem indicadores operacionais que nos ajudam a tomar as decisões sobre onde e quando devemos reforçar os nossos circuitos de remoção. São exemplos onde a informação é fundamental e importante para que nós possamos acompanhar esta exigência nova da cidade", explica Nuno Vinagre, do departamento de Higiene Urbana da CML.
A autarquia anunciou ainda há dias, na apresentação do Orçamento Municipal para o próximo ano, a abertura de novo concurso para contratar mais 100 cantoneiros. "Os concursos têm o tempo que têm, nunca são tão rápidos como gostaríamos", mas assim que o orçamento esteja aprovado o executivo avançará para "os procedimentos contratuais, ainda neste ano", vincou o vice-presidente, Filipe Anacoreta Correia.
O fator humano
Só entre janeiro e junho, as equipas da Higiene Urbana da Câmara de Lisboa recolheram mais de 3 mil toneladas de resíduos volumosos, em quase 40 mil ações de limpeza pela cidade. São sofás, eletrodomésticos, móveis e outros monos abandonados diariamente nas ruas, mas que facilmente poderiam não ser um problema. Quem precise de se ver livre deste tipo de lixo, só precisa de ligar para o 800 910 211 ou entrar na aplicação Na Minha Rua e agendar o dia da recolha com os serviços da CML.
De resto, mesmo o lixo comum ou reciclável levanta problemas, seja pela falta de respeito pelos horários (os caixotes só devem estar na rua entre as 18.00 e as 10.00) seja pelo mau uso dos contentores. Uma única equipa de higiene urbana pode recolher 20 ou mais toneladas de resíduos numa única noite. Mas muitas vezes há sacos, caixas, latas e garrafas fora dos caixotes e ecopontos, encostados a paredes de prédios ou simplesmente largados nos passeios e áreas ajardinadas, apesar das sucessivas ações de fiscalização e sensibilização das equipas municipais junto de lisboetas individuais e comerciantes.
A recolha de resíduos é feita em dias diferentes, conforme a freguesia, havendo tipicamente um dia (quarta ou quinta-feira) para recolha de papel (azul), dois intercalados para as embalagens (amarelo) e três dias de recolha de lixo indiferenciado por semana (consulte aqui o mapa interativo de recolha por freguesias). Ao domingo, não há recolha. Uma situação que Carlos Moedas quer ver alterada, à semelhança do que vem acontecendo nas cidades europeias, com a crescente pressão populacional nas cidades.