Zefi tem 27 anos e é natural de Atenas, na Grécia, onde tem trabalhado na área económica. Paralelamente à sua formação, vai fazendo algumas missões de voluntariado: primeiro na Croácia e depois em Itália. Mais recentemente, decidiu despedir-se “porque queria fazer algo mais relevante” e, desta vez, o destino foi a ilha de Lesbos. Depois de uns meses no campo de Moria numa ONG, regressou a Atenas para trabalhar numa empresa de investimento.
Enquanto tenta encontrar uma solução que concilie a sua área de formação com a vertente humanitária, vai agendando outras formas de regressar à ilha e dar continuidade ao trabalho que esteve a desenvolver.
Entretanto, Zefi conta ao SAPO a sua experiência no centro de uma das maiores crises humanitárias da atualidade.
Como foi a tua chegada ao campo de refugiados?
Foi um choque. Não que eu não o esperasse, para ser honesta, mas quando se vê com os próprios olhos é completamente diferente. O que mais me impressionou foi ver as condições em que estavam as pessoas mais vulneráveis, como os menores.
Há crianças que estão a viver em circunstâncias que são contra as leis internacionais.
As crianças não podem estar num centro de retenção – que é o que o campo é – e isto impressionou-me muito.
Porque decidiste ir para Moria?
Sinto muita revolta por isto estar a acontecer no meu país, mas também sinto que há uma responsabilidade que é da União Europeia, porque está a deixar um país lidar com toda esta situação. É um sentimento misto, muita revolta contra o governo mas também contra as polícias europeias.
Já tinha alguma experiência de voluntariado noutros campos internacionais, mas, além de querer ganhar experiência, queria realmente ver como era o campo por dentro. O acesso à informação é muito pobre. Sinto que não se quer chamar muito a atenção sobre o que se está a passar no campo.
Porque acontece esta dificuldade de acesso à informação?
Acho que sobretudo é uma questão política. Há imensa propaganda na Grécia sobre refugiados e muita população a pensar que os refugiados são um problema. Parece-me que funciona melhor para o governo e para a União Europeia esconderem a situação.
O que achas que a União Europeia poderia fazer?
Certamente, deveria tomar alguma parte da responsabilidade. E talvez mandar assistência e ajuda. Enviam financiamento, mas não sabem ou não asseguram onde é que este financiamento é realmente usado.
Sinto que a UE envia o dinheiro e depois não quer saber.
Certamente que há edifícios que não estão a ser usados e que podiam acomodar estas pessoas. Podia também distribuir-se todas estas pessoas para outros países porque é impossível para uma ilha como Lesbos receber milhares de pessoas.
Como é a relação da população local com os refugiados e os campos?
Reparei que havia muita raiva contra os refugiados. Os locais estão muito frustrados com a situação, ao ponto de serem agressivos com os refugiados, mas também com os voluntários e trabalhadores das organizações internacionais.
Inicialmente, não gostei mesmo nada do que vi, mas fiquei tempo suficiente para perceber que eles têm alguma razão: as ONG às vezes pioram a situação para os habitantes da ilha, porque em vez de trabalharem a longo prazo, trabalham para o imediato e às vezes os locais sentem-se desrespeitados.
As ONG trabalham com os refugiados mas o impacto que isto tem nos locais parece um pouco esquecido.
Como por exemplo?
Todas as ONG queriam estar envolvidas no novo campo, mas nunca pensaram que Moria ardeu por uma razão, então por que razões vão construir um novo campo? Parece que é ajudar o governo e a União Europeia a construir mais centros de detenção para o futuro.
Eu acho que esta situação também irrita os locais porque parece que estão a contribuir para que a situação se mantenha e tenha continuidade a longo prazo.
Os locais sentem-se abandonados, não têm apoio nem das organizações, nem do governo. Eles são deixados completamente sozinhos a lidar com a situação e percebo que se sintam muito frustrados.
Qual é que achas que pode vir a ser a solução?
É necessário cooperar com a comunidade local, para que a comunidade perceba melhor e possa ajudar também na integração. Não podem ser as ONG a agirem sozinhas. Isto deve ser feito com os locais e deveria haver mais cooperação entre estas organizações e as instituições governamentais.
Qual era o teu trabalho em Moria?
O meu trabalho no primeiro campo passava por fazer a fila e tratar da distribuição de comida. Também trabalhava como assistente social na secção de menores, principalmente com adolescentes.
Com o incêndio muita coisa mudou. Foi muito intenso para todos, especialmente para os que foram forçados a ir para o campo. Houve pressões e ameaças. Diziam que se não fossem para o campo que lhes cancelavam o processo de asilo, etc. Isto é contra as leis internacionais. Foi muito frustrante.
Quais são os maiores problemas dentro do campo?
Os conflitos e a violência, principalmente à noite, entre as diferentes nacionalidades são sem dúvida um dos maiores problemas.
Não há segurança no campo e isto traduz-se ainda em condições dificílimas, especialmente para as mulheres e crianças, que estão expostas a muita violência e violações.
Há também a questão da sobrelotação das tendas. As pessoas não estavam autorizadas a sair do campo por causa da COVID-19, mas ao mesmo tempo estavam pessoas de várias famílias na mesma tenda...
A secção dos homens solteiros tem tendas que abrigam cem pessoas.
E a pandemia, claro, também é um grave problema, principalmente porque não há acesso a água potável.
Este campo é muito exposto ao vento, porque é perto do mar, há muita chuva. As tendas são inundadas quando há chuvas ou cheias. É completamente impossível e insustentável viver ali e principalmente durante o inverno.
Como te motivas para querer continuar a trabalhar nessa área?
É um trabalho muito difícil. As condições são péssimas e piores do que as do primeiro campo de Moria, mas vimos que a União Europeia tem soluções. Depois do incêndio, os menores não acompanhados foram todos transferidos, por exemplo.
Quando se vê o contexto em que algumas pessoas vivem e se cria uma relação, tanto com os outros voluntários como com os refugiados, tornamo-nos amigos e não queremos deixar ninguém sozinho nessa situação. É muito importante saber que há alguém em que se pode confiar.
Aceitaram-me muito bem e, como eu sou de Atenas, houve interesse em saber um pouco mais sobre a Grécia. Muitos querem chegar à capital para partir para outros países europeus, mas outros querem aprender grego para poderem trabalhar cá.
Não há muitos voluntários gregos porque a crise ainda se faz sentir e não há muitas pessoas com disponibilidade financeira para o fazer. A maior parte dos voluntários são de países mais ricos.
O que achas que cada um pode fazer para ajudar a terminar esta crise humanitária?
Eu acho que as pessoas podem fazer pressão aos políticos para agirem. Podemos organizar e fazer protestos à volta da Europa e lutar para que os direitos humanos sejam respeitados e por melhores condições de vida para os requerentes de asilo.
A pandemia ajuda a esquecer o que se está a passar. O fogo foi um grito de socorro, a pedir ajuda e a relembrar o que se estava ali a passar.
Temos também de sair desta situação turva e dar palavra a quem lá está dentro, temos de continuar a informar sobre o que se passa no campo.