Há muito que os irlandeses conseguem antecipar e assim conquistar projetos americanos de relevância para o seu país. Portugal, que tem alguns dos seus melhores espalhados pelo mundo, pode e deve seguir o exemplo. A ideia é fundamental para António Calçada de Sá, que, em entrevista ao SAPO, revela a ambição de captar oportunidades que ajudem Portugal a crescer e a vontade de levar a marca lusa cada vez mais longe, como sinónimo de capacidade e competência. Seja nos negócios seja na investigação, na cultura ou na educação.
A encerrar mais um ano de atividades, o presidente da direção do Conselho da Diáspora faz contas à atividade e marca metas para o próximo ano. Com 309 conselheiros espalhados pelo mundo, uma nova Diáspora Jovem a garantir a energia do sangue novo e mais eventos, iniciativas e desenvolvimentos na calha, Calçada de Sá assume a vontade de contribuir para uma diáspora de primeira linha, que se mova pela vontade de fazer crescer a riqueza e o prestígio do país.
O Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, que é presidente honorário do Conselho da Diáspora, lançou um desafio no evento anual, que aconteceu dia 22 no Palácio da Cidadela: disse esperar ainda mais exigência no próximo ano de trabalho do Conselho. Está preparado para responder à altura?
Costuma dizer-se que Deus cria-os e eles juntam-se (risos). O que o Presidente nos pede é o que eu queria que pedisse. Eu sempre estive ligado a projetos de crescimento, abracei a missão de criar riqueza — e aqui refiro-me a dinheiro mas também a desenvolvimento, à construção de projetos de que nos orgulhemos… –, essa tem sido a minha guia em todos estes anos de vida profissional e nem concebo que seja de outra forma. Por isso, o desafio é uma ordem e muito bem recebida. À volta dos desafios é que surgem as oportunidades, é assim que conseguimos ser a nossa melhor versão. A vida é mais bonita quando olhamos as coisas com vontade de lhes dar valor e crescimento.
É aí também que o papel dos jovens é mais relevante?
Sem dúvida. A Diáspora Jovem não é uma equipa B, é uma super equipa A. Tem toda aquela energia, aquele talento que não sabíamos que existia em homens e mulheres entre os 30 e 35 anos, que têm posições de destaque na banca, no retalho, na indústria farmacêutica, nos serviços a nível mundial, são doutores em neurociências, investigadores… e todos têm algo diferente do que nós éramos quando passámos por essa fase. Estes jovens têm uma infinitamente superior mobilidade, têm uma forma de trabalhar com níveis de flexibilidade que não existiam há um par de décadas; há ferramentas novas à sua disposição, mas o mindset deles também é diferente. E a resposta deles tem sido fantástica, em qualidade e velocidade. Ainda nos fazem uma OPA (risos)... Seria um magnífico problema.
A Diáspora Jovem tem infinitamente superior mobilidade, tem uma forma de trabalhar com níveis de flexibilidade que não existiam há um par de décadas e um mindset que faz toda a diferença.
Há cada vez mais pessoas envolvidas no Conselho?
Sim, isso vê-se nos eventos todos e por isso também tivemos de mudar encontros para a Nova SBE, porque já não cabíamos na Cidadela. Para a nossa reunião interna, vieram 120 pessoas de todo o mundo no dia 19 e juntámos mais de 200 no dia 20.
O que justifica esse ímpeto? É um novo dinamismo da Diáspora?
Sim, porque mais do que os eventos queremos que a Diáspora não seja um movimento de cima para baixo. Por isso também lançámos projetos de grande impacto, como os núcleos regionais de Portugal no mundo, que já são 14 e com representação em todos os continentes, pessoas que multiplicam pontos de contacto, que recebem e dão ideias para lançar projetos nas regiões que melhor conhecem. Também lançámos 12 centros de competências que vão mais à especialidade.
Como funcionam?
Por exemplo, um português que está num posto destacado na banca em Shangai e quer saber mais sobre o momento do sistema financeiro americano tem essa ligação com outro centro em Washington. Isto vale para todo o tipo de atividades, desde as empresas à cultura.
Não teme que a organização fique demasiado grande para ser eficaz?
É uma questão de gestão, e estamos focados nisso. O Conselho da Diáspora tem de funcionar como uma empresa, precisa de construir rede, e é isso que estamos a fazer, como as empresas têm uma rede de balcões ou agências, como qualquer multinacional se organizaria. Nós temos 309 conselheiros ligados através do All in One, uma rede privada tipo linkedin que tem podcasts, notícias, cruza emails particulares e ajuda a saber quem é quem e quem está onde. Esta rede tem de estar espalhada pelo mundo; o importante não é que haja um número certo, temos é de gerir bem esta rede e colocar lá dentro valor. É aquilo a que chamo o "fundo de comércio", o soft power que permite dar visibilidade a projetos que interessem à rede, contactos úteis, etc.
O Conselho da Diáspora tem de funcionar como uma empresa, precisa de construir rede de pessoas espalhadas por todo o mundo que se unam para criar valor para Portugal.
Mas como é que isto se materializa? Como é que uma diáspora pode ajudar a dar gás ao seu país?
Tornando-se relevante. Por exemplo, a diáspora da Irlanda nos Estados Unidos é muito importante: sempre que se perfila algum projeto importante americano para vir para a Europa, os irlandeses a viver nos EUA sabe com antecedência e muitas vezes conseguem ativar canais para captá-los para o seu país. Com isto, saem a ganhar todos e os stakeholders na Irlanda que possam estar interessados conseguem uma vantagem competitiva. O que fazemos, seja na academia, nas ciências, na cultura, nas artes, na cidadania ou nas empresas, é colocar valor na rede e assim alimentá-la. É um círculo virtuoso que envolve todos, porque a equipa consultiva e de direção executiva estão muito focadas nos diferentes projetos. O nosso comité de seguimento, apesar de todos trabalharem e estarem em diferentes pontos do mundo, reúne-se todas as segundas às 18.00.
E em que medida é que o trabalho do Conselho da Diáspora é diferente por exemplo do que faz a AICEP (Agência para o Investimento e Comércio Externo de Portugal)?
É bom que o pergunte, para ficar claro: nós não concorremos com ninguém. Queremos ser um sócio e um companheiro de viagem. Estamos a fazer diplomacia económica, sim, mas de forma genuína, para complementar e reforçar a resposta necessária às instituições portuguesas. Não queremos substituir o trabalho do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), da Economia, da AICEP, estamos aqui para os ajudar. Há pelo mundo muitos portugueses, sejam mais jovens ou seniores, dispostos a ajudar Portugal. E não temos nada de política, temos a nossa estratégia e não temos de ficar à espera de luz verde de instituições, ainda que façamos questão de manter sempre informados da nossa atividade a Casa Civil da Presidência, o Presidente da República, o MNE e inclusivamente informamos sempre o embaixador de Portugal no país sobre qualquer atividade que empreendamos. E todos podem opinar sobre eles.
Não queremos substituir o trabalho do Ministério dos Negócios Estrangeiros (MNE), da Economia, da AICEP, estamos aqui para os ajudar.
Onde é que o trabalho pode melhorar?
Nós usamos no Conselho da Diáspora um lema: este foi o best year ever e o próximo tem de ser o best ever again. O objetivo é sermos ainda mais potentes, termos mais pessoas na rede e pôr mais energia em projetos. Nestes fóruns, muitas vezes o problema é o day after. Existem outros encontros deste tipo, como Davos, cujos efeitos não sabemos verdadeiramente quais são. Nós temos alcançado todos os objetivos do Conselho da Diáspora em termos institucionais, tópicos em debate, participantes… mas temos de identificar agora que projetos têm que ver com atração de investimentos para Portugal, como melhor sermos uma alavanca para ajudar a AICEP e outras instituições a atrair projetos de cultura, de educação, de cidadania, de negócio. Temos de passar destes fóruns aos projetos. Isso já é execução, mais do que estratégia, e para sermos bem sucedidos temos de ter medidores.
E como é que isso está a ser feito?
Com o nosso melhor critério. Temos 309 conselheiros, mas quantos devíamos ter para o ano? Há que definir as metas e trabalhar para lá chegar. Nos núcleos regionais e centros de competências, queremos garantir dois ou três grandes projetos, definir um ângulo orçamental e um plano de atividades e criar parâmetros de medição para atestar se estamos a seguir os objetivos fixados. O nosso trabalho não é tirar uma foto todos os anos para sair nos jornais. As coisas só funcionam com accountability e uma gestão mesmo profissional.
Nestes fóruns, muitas vezes o problema é o day after. Temos de passar dos fóruns aos projetos, à execução. E para isso é essencial que haja medição de metas e accountability.
No fecho de 2024, que contas faz a este ano, o que marcou as atividades do Conselho da Diáspora?
Este foi um ano muito bom para o Conselho da Diáspora, porque consolidámos e crescemos. Há aspetos importantes que fazem parte da marca e nós conseguimos crescer em vários âmbitos – nos jovens que se juntaram, no número total de conselheiros e em projetos. O Conselho nasceu com 22 fundadores e quando assumimos a nova estratégia não chegávamos a 80 conselheiros; agora somos 309 em cinco continentes e mais de 50 países. Estamos a crescer a passos firmes e fazemo-lo por Portugal, pelo prestígio de Portugal. O ano 2024 começou com uma assembleia geral incrível e temos neste momento o Conselho da Diáspora financeiramente robusto, temos contas em dia, a escrita toda em dia, o que nos faz dormir descansados.
É importante, esse aspeto financeiro?
Para mim, é essencial. E por isso foi uma das minhas principais prioridades termos músculo financeiro.
De que forma é que o Conselho se financia?
Os membros pagam uma quota anual e temos um apoio institucional da Câmara Municipal de Cascais (CMC), que é um grande companheiro de viagem, além do que nos chega de outros parceiros, sobretudo empresas. A CMC também nos cedeu um espaço para a sede, por trás dos Paços do Conselho.
Voltando à atividade deste ano...
Então, tivemos uma assembleia geral que foi um êxito, depois tivemos o Summer Meeting no Palácio da Cidadela, em julho, com 100 conselheiros de todo o mundo, e a 15 e 16 de julho realizou-se o EurAfrican Forum, que nesta sétima edição já é uma cimeira de grande importância. Neste ano, juntámos quatro ministros portugueses e africanos, representantes da Comissão Europeia, chefes de Estado, empresários africanos e europeus... Foram mais de 500 pessoas nos dois dias. E inaugurámos, neste mês de dezembro, o Euro Américas Forum, um novo formato que pretendia que fosse um sucesso tão grande quanto o EurAfrican. E não falhámos! Passaram pela Nova SBE 350 pessoas por dia, incluindo o presidente e o vice-presidente honorários do Conselho da Diáspora, Marcelo Rebelo de Sousa e Paulo Rangel, o antigo presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, o primeiro-ministro, Luís Montenegro… foi de facto um êxito que nem eu esperava conseguir em dezembro.
Já neste encontro anual de 22 de dezembro foram também apresentadas novas iniciativas.
Sim, são dois projetos muito relevantes que vêm beneficiar da muito desenvolvida filantropia americana e do empenho de dois membros destacados da nossa diáspora. O US Friends of Portuguese Universities o, promovido pelo (cônsul honorário em Houston) José Ivo (projeto que facilita donativos de cidadãos, residentes, organizações e empresas norte-americanas para melhorar a qualidade dos programas de ensino, projetos e infraestruturas de universidades em Portugal); e o Portugal-USA Cancer Initiative (programa de estágios de pós-doutoramento e investigação nos EUA para portugueses que desenvolvem trabalho na área do cancro), de Ron de Pinho (médico e investigador que dirigiu o MD Anderson Cancer Center, o maior centro oncológico do mundo). Os EUA são o país com mais atividade filantrópica e é lá que vive metade dos ricos de todo o mundo, e Portugal está, com estas duas iniciativas, a beneficiar dessa atividade.
E que mais novidades apresentaram?
Vale ainda a pena destacar o Diáspora+Erasmus, que desenvolvemos com a Fundação António Pragana, que traz jovens lusodescendentes a Portugal para cursos em campus de verão e estágios em empesas portuguesas. Muitos destes miúdos já nem falam a nossa língua ou nunca vieram a Portugal e esta é também uma forma de recuperar a ligação ao país.