Com a venda da TAP marcada já para o próximo ano, o governo segue a agenda de auscultação a possíveis candidatos à compra da companhia aérea e bandeira, que se pretende reprivatizar nos próximos meses. Neste momento, o ministro dos Transportes está reunido com o gigante Air France-KLM, após ter já feito uma conversa prévia com outros dois grandes grupos, IAG (British Airways) e a alemã Lufthansa, conforme noticiou na sexta-feira o Eco. E o facto de, conforme noticiado, a gigante franco-neerlandesa estar disponível para assumir uma posição minoritária poder pesar como uma vantagem (ainda que os outros grupos interessados estejam, ao que tudo indica, igualmente disponíveis para adquirir menos de metade do capital), há questões nesta opção que preocupam especialistas em aviação. A começar pela diminuição de peso de Portugal, caso o negócio se faça com esta transportadora.
"A aliança liderada pela Air France-KLM, a SkyTeam, inclui a espanhola Air Europa, que utiliza o hub de Madrid para conectar a Europa e as Américas, numa operação muito semelhante à da TAP", lembra a SkyExpert. "Por outro lado, a SkyTeam é, de todas as alianças, aquela que tem menos companhias a voar para Portugal, o que exigirá um maior esforço para alinhar e maximizar a conectividade com a rede da TAP num aeroporto da Portela dito 'esgotado', acrescenta ainda a empresa de consultoria especializada em aviação, aeroportos e turismo.
Entre os possíveis conflitos de interesse em relação à compatibilidade da Air France-KLM com a TAP e com o setor aeronáutico nacional, os especialistas destacam ainda a ampla presença que o grupo internacional tem em rotas privilegiadas pela TAP e que constituem uma notável fonte de negócio e de receita: os destinos no Brasil e em África. "O Grupo Air France-KLM é, comparativamente aos outros grupos aeronáuticos interessados, aquele que apresenta a maior sobreposição de destinos com a TAP. Isso é especialmente evidente no Brasil, quer em número de frequências quer em destinos, que incluem São Paulo, Rio de Janeiro, Fortaleza, Salvador e Belém", lembram os especialistas, alertando ainda para o facto de, historicamente, a Air France já ter operado para Recife e, mais recentemente, Brasília. "Em África, o grupo tem uma posição consolidada em vários mercados da TAP como Senegal, Gana, Guiné e Angola, além do que a companhia low-cost do grupo, a Transavia, oferece ligações diretas para várias ilhas de Cabo Verde."
Considerando ainda que existe neste negócio uma fragilidade no que respeita às rotas para a América do Norte, já que a Air France-KLM conta com a gigante Delta Airlines, assumindo uma posição menos robusta no mercado Europa-América do Norte do que alianças concorrentes - "a integração da TAP numa joint-venture forte é decisiva para o sucesso neste eixo altamente competitivo" -, a SkyExpert sugere "uma profunda reflexão sobre as implicações de uma possível aquisição da TAP pelo Grupo Air France-KLM, especialmente considerando o domínio francês em setores-chave da aviação nacional". Em causa estão as aeronaves da TAP e da Azores Airlines, que cumprem contratos assinados com a Airbus, sendo a concessão dos aeroportos nacionais pertença da também francesa Vinci. "Como será se também a principal companhia aérea de Lisboa ficar nas mãos da Air France-KLM?", questionam os especialistas.
Por fim, a SkyExpert lembra o "histórico conturbado de integração com a Europa do Sul", recordando as dificuldades enfrentadas pelo grupo na integração da companhia estatal Alitalia, onde a Air France-KLM chegou a deter 25% do capital. "O choque cultural de gestão e de estratégia foi seguido de acusações sobre uma possível centralização de operações em hubs como Paris e Amesterdão, em detrimento de Milão ou de Roma."
O ministro Miguel Pinto Luz está neste momento reunido com a gigante franco-neerlandesa, mas ainda há muito por definir quanto à reprivatização da companhia de bandeira nacional. Incluindo a percentagem da companhia que sairá das mãos do Estado para a posse de privados, cuja definição passará ainda por reuniões que o governo já se dispôs a fazer com os restantes partidos políticos.