“João e ”Maria" tinham sido atraídos há dois anos, através de um site, que se revelou falso. Esta é apenas uma das centenas de histórias, dos milhões de euros que têm sido roubados a investidores portugueses.

São nomes fictícios, são portugueses, são vítimas de burla. João, assim fica registado nesta história, tem uma ligação afetiva a Maria, que na vida real tem outro nome, uma história de vida feita de trabalho, de esforço, de acreditar que lá mais adiante, nos tempos da reforma, poderá haver um confortável descanso.

É tudo o que não teve, nos últimos tempos. A vida ficou virada do avesso, desde esse dia, há dois anos, quando viram um anúncio, uma falsa publicidade, com Elon Musk, o empresário e multimilionário dono da Tesla, supostamente a dizer que ao investir em criptomoedas, a partir de um determinado site, alguma riqueza poderia ser o princípio de uma fortuna.

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“Enviei 250 euros de início e depois pediram-me mais mil. Entretanto, só depois é que comecei a pesquisar e descobri que a empresa não estava regulamentada, mas aí já era tarde" , diz João. Europa Trade Capital era o nome dessa empresa, assinalada em vários site oficiais em diferentes páginas credíveis como sendo uma fraude.

Depois do registo, passaram a ter um gestor: "A pessoa que me fazia os investimentos e que me tratava dos investimentos, diariamente, diariamente investia em petróleo, ouro, até vacas ele chegou a investir, na África do Sul, e o meu valor estava sempre a aumentar. Falávamos todos os dias."

João foi informado que esse gestor tinha sido, entretanto, substituído. A voz do outro lado era agora de uma mulher. Além disso, o valor lá deixado tinha disparado para 27 mil euros. “Mas eu nunca liguei, porque entretanto ela queria que eu pusesse mais dinheiro. estamos a falar de há cerca de dois anos, na Europa Trade Capital, ainda. Queria que eu pusesse mais dinheiro e eu disse que não e deixaram de me contactar”, explica.

O pior ainda estava para vir. Apesar de, na altura, acharem que o assunto estava arrumado, que tinham perdido apenas pouco mais de mil euros, quem está por detrás destas burlas, deixou o tempo passar para regressar, mais tarde, ao ataque.

O uso de figuras públicas (sem autorização)

A porta para esta burla abre-se, quase sempre, através de um registo num site. Quase sempre, assim tem sido nos últimos tempos, estas páginas são publicadas em redes sociais, como o Facebook. Referem que uma determinada figura pública, numa entrevista, fez polémicas declarações a apelar a um investimento em criptomoedas. É tudo falso, sendo que tudo é feito de forma a enganar quem possa estar mais distraído, usado imagens de sites verdadeiros, como o Eco ou o Expresso.

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Nesta investigação, decidimos fazer um registo e esperar. Depois de algumas tentativas, numa das diferentes páginas pelas quais passámos, foi deixado o nome, a morada de email e o contacto telefónico. Cinco minutos depois o telefone toca. Do outro lado, alguém que se apresenta como sendo Daniel Leandro Sousa. Referimos que vimos uma suposta entrevista ao jornalista da SIC, Pedro Andersson. “Ok, perfeito, precisamente, eu estou entrando em contacto para ser o seu suporte, já que demonstrou interesse, para resolver alguns problemas, responder a algumas perguntas, para ajudar a ativar a sua conta”, diz-nos.

Depois do registo é enviado um email, no qual são solicitados, de imediato, os documentos de identificação. Não existe, no entanto, quaisquer documentos, habituais numa situação como esta, que sejam apresentados para respetiva assinatura.

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O cliente fica ainda com acesso a uma página pessoal, para acompanhar os supostos investimentos, e ao tal gestor de conta.

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Seguimos o curso, nesta primeira conversa, aos detalhes da conversa, para perceber o que nos podia ser dito, até onde a verdade se diluía na mentira. Pedimos uma referência, um local físico, onde pudéssemos entrar e conhecer o rosto da voz do outro lado da linha. Disse estar a falar a partir do Porto. “Ok, não há problema, a gente pode...vamos fazer o seguinte...pode confirmar-me o email do registo, ok? Vai receber informações de nós pelo email”, refere.

Adiante, sem grandes detalhes, sem referência a contratos a assinar ou documentos que sirvam de proteção ao cliente, vai sendo dito que todo o contacto é digital. E neste caso, quem está do outro lado da linha, ainda tenta aliciar com um desconto. "Normalmente, cada pessoa, para dar início, para ativar a sua conta, faz um movimento de 250 euros. E como estamos no mês de maio, temos habilitado um valor promocional, tudo para conforto do cliente, convidamos o cliente a dar um montante mínimo, pelo qual, o valor promocional que está a funcionar é de 185 euros", refere.

Quando a burla se torna num inferno

O tempo passou por João e Maria, já assumindo como perdidos os mais de mil euros, deixando nas costas da memória o suposto investimento marcado pelo prejuízo. Ainda assim, reconhecem que sabiam do risco, sem saberem da burla. A 20 de fevereiro deste ano, recebem uma nova chamada, de uma outra suposta empresa. Do outro lado da linha, alguém dizia que a Europa Trade Capital tinha falido e que tinham ficado com todos os ativos. Em carteira, os dois teriam agora 43 mil euros.

"Mas para levantar aquele valor tinha de mandar para lá 3750 euros, depois já era mais 7800 euros, e no fim tinha de mandar mais 23 mil euros. Mas neste entretanto, quando estamos para fazer um destes três pagamentos, não me recordo qual deles, aparece que aqueles 43 mil já tinham dado origem a um segundo valor que era de 101 mil euros. Portanto, eu tinha lá no total 144 mil euros", refere João

Durante dois meses as ameaças tornaram-se constantes. “Era medo, mesmo. Que se nós não atendêssemos e se nós não seguíssemos as instruções deles, as consequências do pagamento seriam ainda superiores. E depois havia também a situação de que eles nos diziam que se nós não pagássemos que o investimento ia lá ficar, e o pagamento ia ser superior, não queríamos voltar a passar pela pressão psicológica outra vez”, refere Maria.

Wilfredo Lee

A 20 de abril fecharam a torneira e deixaram de atender as chamadas. Tinham já perdido 35 mil euros. "O dinheiro realmente é um dinheiro de poupanças de vida, mas, sem dúvida alguma, a pressão psicológica foi o pior de aguentar. Tanto que eu, ainda hoje, o que penso é na pressão psicológica", diz Maria

E depois, a vergonha…

Quando o telefone toca, é quase sempre pelos piores motivos. A Linha Internet Segura faz a ponte entre quem é uma voz amiga e verdadeira, junto dos que foram traídos e enganados nestes esquemas fraudulentos. São várias as histórias e relatos, entre eles, uma psicóloga já perto da reforma, empresária, perdeu mais de 20 mil euros.

"Foi um processo muito difícil de aceitar aquilo que lhe estava a acontecer. E foi um processo em chamada, nos vários atendimentos, em que aos poucos se foi abrindo, se foi apercebendo do quão a situação a impactava e o quão vulnerável estava”, relata Carolina Soares, responsável pela Linha Internet Segura. Recorda ainda o receio, o medo que atravessava esta vítima de burla, as questões que levantava: “como é que eu agora vou falar, como é que eu transmito isto aos meus colegas, aos meus parceiros com quem trabalho".

No ano passado tiveram mais de 300 denúncias, num cenário de 700, relacionadas com crimes cometidos no mundo digital. Deste universo, mais de uma centena estava relacionada com os investimentos online em criptomoedas. Quando lhes ligam, as vítimas estão em desespero, depois de meses mergulhados num fosso de pressão.

"Esta situação de assédio e de perseguição, que é muito difícil de evitar, porque entretanto uma série de dados já foram partilhados. eles já têm acesso ao contacto telefónico, ao email, se calhar mais de uma pessoa na família. É quase impossível restringir o acesso destas pessoas à vítima. E é implacável, é implacável ao longo de muitos meses", refere Carolina Soares.

Bill Hinton

Relatos no Portal da Queixa

Também no Portal da Queixa têm entrado denúncias de quem foi enganado, depois de cair nesta ratoeira digital, com um suposto rosto de um famoso a encaminhar a vítima para um falso investimento. No ano passado, houve 12 relatos. Neste ano, e apenas de janeiro a abril, foram já sete casos expostos nesta página.

E são dados alguns exemplos:

Luciano

5 de abril de 2024

"Tudo começou a 6 de dezembro de 2023, através de um anúncio fraudulento na internet que envolvia portugueses famosos. Eu cometi o erro ao fornecer minhas informações de contato e a partir de então MINHA VIDA SE TORNOU UM INFERNO. As pessoas que entraram em contato comigo são treinadas sobre como enganar as pessoas, a fim de roubar o máximo de dinheiro delas."

Tânia Silva

5 de abril de 2024

"Bom dia, Vi uma 'notícia' da Joana Amaral Dias que no 1º momento achei que seria verídica e quase caí no conto do vigário...Cheguei a inscrever-me no site só que logo descobri que era uma fraude e no mesmo instante, solicitei a desativação da minha inscrição mas em vão! Eles não param de ligar de todo o MUNDO!"

Ana Valido

14 de março de 2024

"Vi um anúncio na Net falando de uma entrevista de Manuel Goucha à psicóloga Joana Amaral Pais em que esta sugeria ao entrevistador ganhar dinheiro investindo num site cuja sigla aparecia clicando aí. Pareceu tentador e no dia 8 de Março deste ano 2024 resolvi investir 250€. Entretanto sábado dia 9 de Março houve um problema grave de saúde de um familiar que é acompanhado por mim e resolvi desistir do investimento"

Quanto à conversa que tivemos, depois de receber a chamada a partir de um destes sites, decidimos, na reta final, revelar que éramos jornalistas da SIC, que a chamada estava a ser gravada e que sabíamos que o site estava assinalado como sendo uma fraude, um esquema por detrás de uma burla.

“Mas porque o senhor diz isso? Eu tenho como mostrar para o senhor...o senhor quer o conceito de um dos nossos especialistas?", diz-nos o homem, do outro lado da linha. E acrescenta: “Como o senhor mesmo disse, não vamos ter nenhum tipo de avanço, do qual...o senhor não tem qualquer interesse...o senhor está a julgar”.Perguntamos depois se o site está registado e foi autorizado pelas autoridades portuguesas, entre Comissão do Mercado de Valores Mobiliários e Banco de Portugal. O que fica, depois da pergunta, são vários segundos de silêncio, até que, do outro lado, é colocado um ponto final nesta conversa.