No âmbito do Campus Artístico da Associação do Porto de Paralisia Cerebral (APPC), que decorre até sábado, cruzando teatro, dança, DJ, cenografia/figurinos e caracterização em várias oficinas, a Lusa foi tentar perceber as dificuldades das pessoas com deficiência no acesso e participação na Cultura.

A impreparação das salas de espetáculo para receber, por exemplo, mais do que duas ou três pessoas em cadeiras de rodas e a quase inexistência de Língua Gestual Portuguesa nesses locais, somam-se à falta de convites aos jovens atores com deficiência para integrar companhias de teatro.

A mãe de um ator com deficiência intelectual, um ator amador com paralisia cerebral, uma diretora artística e uma mediadora artística refletiram sobre o problema, apontando as insuficiências e concordando estar praticamente tudo por fazer neste capítulo.

Luzia Magalhães, mãe do ator Jorge Mendes, refutou a ideia de que haja um estigma dos pais no acesso dos filhos à Cultura, devolvendo que "não há é onde os meter".

"O meu filho tem deficiência intelectual. Despertou para a cultura a partir dos 13, 14 anos. Ele gostava muito de musicais, mas não encontrava lugar para estar e ser feliz. Hoje, graças ao Campus, está a aprender o que é ser DJ", relatou, lembrando que desde que entrou para a companhia da APPC Era uma vez... Teatro "mudou e está mais sereno e focado".

Inês Carvalho, formadora e mediadora artística do Visões Úteis, projeto artístico sediado no Porto e que se define por colaborativo, pluridisciplinar e de autor, apontou às barreiras físicas nas salas de espetáculo que não estão preparadas para receber "um grupo de pessoas em cadeira de rodas que queira ir ver um espetáculo".

Na janela das oportunidades em face da diferença, a também atriz profissional sugeriu a possibilidade de "pessoas cegas visitarem um espaço cénico, tocar nos figurinos, mapear o espaço para depois poderem 'ver' o espetáculo à sua maneira".

Pessoa com paralisia cerebral e ator amador há 25 anos, metade da sua vida, Miguel Carvalho advertiu que "muitas vezes quem está à frente [das companhias de teatro] não tem abertura mental para perceber que não é de uma forma convencional que se pode fazer a comunicação, mas pode haver outra forma de comunicar".

"Estamos a fazer um caminho, mas ainda não está, sequer, no que é razoável", continuou Inês Carvalho, antes de Luzia Magalhães deixar o sublinhado de que "as pessoas [sem deficiência] acham que as pessoas com deficiência não são capazes".

Mais efusiva nas palavras, Mónica Cunha, diretora artística do Campus e da companhia Era uma vez... Teatro, assinalou que a companhia "tem 27 anos e trabalha diariamente das 10:00 às 17:00, com pessoas com e sem deficiência", antes de defender que "o teatro não tem de estar nas associações, mas sim na comunidade" e que as pessoas com deficiência "têm de ir à comunidade".

Assinalando, a propósito, que "não é fácil chegar às companhias de teatro", apontou o dedo "à comunidade artística do Porto" que acusou de estar "cada vez mais elitista".

Inês Carvalho retomou a palavra para afirmar, enquanto artista profissional, que "não consegue ver este grupo como amador" e que "tem qualidade profissional".

"O caminho está a começar, mas tem muitas falhas pelo meio. Tenta-se abrir, mas depois não se abre verdadeiramente. Não se pensa em tudo, não se é flexível, não se é criativo", disse, sobre o caminho por fazer nas companhias de teatro antes de sugerir a quem decide "conviver com as pessoas com deficiência e instituições" pois ficarão "deslumbradas com as possibilidades que existem e perceberão melhor como construir esse acesso".

Mónica Cunha aproveitou o mote para frisar que "continua a faltar o convite para integrar um espetáculo de uma companhia de teatro (aos atores e atrizes com deficiência]".

"Aqui são as barreiras atitudinais e não as físicas a bloquear a sociedade, num processo que é muito mais largo que a Cultura", concluiu.

*** Jorge Fonseca (texto) e José Coelho (fotos), da agência Lusa ***

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