Os desacatos que decorrem desde segunda-feira após a morte de um homem baleado pela PSP espalharam-se hoje à noite a várias zonas de Lisboa, nomeadamente Carnaxide (Oeiras), Casal de Cambra (Sintra) e Damaia (Amadora), adiantou à Lusa fonte policial.
"Há focos de desordem em várias zonas da Área Metropolitana de Lisboa", referiu a mesma fonte.
No bairro da Portela, Carnaxide, registaram-se disparos de tiros, alguns dos quais da parte da PSP, que utilizou balas de borracha e que já conseguiu entrar no bairro.
Neste local, foi incendiado hoje à noite um autocarro, além de vários caixotes do lixo e uma viatura ligeira, disse fonte da PSP.
Pelas 23h45, registavam-se neste bairro novos focos de incêndio, de acordo com as imagens televisivas do local.
As equipas de intervenção rápida da PSP foram apedrejadas quando tentavam entrar no bairro da Cova da Moura, na Amadora, de acordo com a SIC Notícias. A PSP diz que foram mobilizados todos os agentes das sete esquadras que existem na Amadora, incluindo das unidades especiais.
No concelho de Sintra foi arremessado um objeto contra a esquadra da PSP de Casal de Cambra, sem causar danos, acrescentou a fonte.
Na Damaia houve desacatos em várias ruas, nomeadamente o arremesso de petardos e de pedras na via pública, bem como fogo posto em vários caixotes do lixo.
Antes, ao início da noite, um autocarro tinha sido incendiado no bairro do Zambujal, onde decorreram pela segunda noite desacatos.
Além do policiamento no bairro do Zambujal, a PSP reforçou os meios em vários locais, concertamente nas denominadas Zonas Urbanas Sensíveis (Zus).
Também hoje à noite a PSP indicou, em comunicado, que uma pessoa foi detida por posse de material combustível no bairro do Zambujal.
Grupo tenta incendiar posto de combustível
Na estrada que liga Alfragide à Damaia, um grupo usou um colchão para tentar incendiar um posto de combustível, de acordo com a SIC Notícias. Os agentes da PSP conseguiram combater de imediato o fogo com recurso a um extintor.
Foram também registadas ocorrências noutros pontos do concelho de Lisboa. Em Carnide e Campo de Ourique foram incendiados caixotes do lixo. Em Loures, um carro foi incendiado.
O primeiro autocarro
Pelas 19h05, as equipas de prevenção e intervenção rápida da PSP que se encontravam na praça de São José deslocaram-se para o interior do bairro, com duas carrinhas e seis motas.
Em declarações à Lusa, uma moradora relatou que o autocarro foi mandado parar por um grupo de jovens do bairro que, depois de o motorista sair, lançou fogo à viatura.
As chamas consumiram o veículo, tendo-se também ouvido explosões e disparos.
Entretanto, a polícia montou um perímetro de segurança no acesso à zona do fogo, muito próximo de prédios de habitação e, pelas 19h25, os bombeiros já se encontravam no local a combater as chamas.
Em comunicado, a Direção Nacional da PSP indica que, depois dos distúrbios ocorridos durante a madrugada, na sequência da morte de um morador baleado pela PSP na Cova da Moura, ao final da tarde voltaram a ocorrer "situações de desordem no interior do Bairro do Zambujal", nomeadamente "um episódio grave de violência urbana", com o roubo de um autocarro da Carris que foi incendiado.
"Apesar de vários esforços, não foi possível até ao momento detetar e intercetar os suspeitos deste crime violento, tendo, todavia, sido já efetuada uma detenção por posse de material combustível, que indiciava a sua utilização para deflagração de incêndio", acrescenta a PSP.
O ambiente tenso
A reportagem do Expresso, que chegou ao local, deu conta de um ambiente tenso, com dezenas de polícias armados posicionados debaixo de arcadas ou das entradas dos prédios, protegendo-se de eventuais agressões, pedindo aos moradores que entrem nas suas respetivas casas. Num primeiro momento, vários lasers de cor verde foram projetados para as janelas dos prédios.
A rua, que esta tarde esteve ocupada durante uma manifestação a pedir justiça, foi bloqueada em ambos os sentidos pelas autoridades. O fogo que consumiu o autocarro foi extinto e posteriormente foi alvo de perícias de elementos da Polícia Judiciária que chegaram ao local.
A entrada nas casas e a detenção
Fonte policial garantiu que nenhum agente tinha entrado em residências num momento inicial, mas enquanto as carrinhas da PSP patrulhavam a área ouviram-se petardos e foram arremessadas pedras de uma rua paralela e as autoridades puseram-se a caminho. Uma sobrinha de Odair Moniz, o homem que faleceu, garantiu ao Expresso que a polícia começou a bater às portas das casas dos prédios à volta do edifício onde a família vivia.
Contabilizando, houve duas situações de emergência médica: duas pessoas foram socorridas por bombeiros por inalação de fumos e altas temperaturas, junto de onde o autocarro ardeu.
O segundo autocarro
Horas mais tarde do autocarro da Carris que ardeu no bairro do Zambujal, outro autocarro foi incendiado na Portela de Carnaxide. Uma testemunha contou ao Expresso que um grupo de jovens de máscara pediu aos passageiros do veículo que saíssem e “pegaram-lhe fogo”.
Próximo do local onde o autocarro foi incendiado, um grupo de jovens queimou pneus e caixotes do lixo, dispondo-os na estrada, tornando impossível a circulação automóvel.
Em declarações aos jornalistas no bairro do Zambujal, na Amadora, o superintendente Manuel Gonçalves garantiu que as forças policiais estão a investigar para encontrar os responsáveis pelos desacatos, recorrendo ao auxílio das imagens de videovigilância do concelho.
Segunda noite de protestos
Na véspera, na noite de segunda-feira, pelo menos 30 pessoas causaram distúrbios no bairro do Zambujal, em Lisboa, onde morava o homem morto a tiro pela PSP na Cova da Moura. Vários caixotes do lixo foram incendiados e pelo menos uma pessoa ficou ferida, mas ninguém foi detido.
Pouco depois das 21h00 foram incendidados caixotes do lixo e outros virados ao contrário para impedir a entrada das autoridades.
Os bombeiros foram chamados e terão sido mal recebidos. Pediram ajuda à polícia, que destacou equipas de intervenção rápida da PSP e da Unidade Especial de Polícia.
Odair Moniz, de 43 anos, foi baleado por um agente da PSP na madrugada de segunda-feira, no Bairro da Cova da Moura, na Amadora, e morreu pouco depois, no Hospital São Francisco Xavier, em Lisboa.
Segundo a direção nacional da PSP, o homem pôs-se "em fuga" de carro depois de ver uma viatura policial na Avenida da República, na Amadora, e "entrou em despiste" na Cova da Moura, onde, ao ser abordado pelos agentes, "terá resistido à detenção e tentado agredi-los com recurso a arma branca".
A associação SOS Racismo e o movimento Vida Justa contestaram a versão policial e exigem uma investigação "séria e isenta" para apurar "todas as responsabilidades", considerando que está em causa "uma cultura de impunidade" nas polícias. De acordo com os relatos recolhidos no bairro pelo Vida Justa, o que houve foram "dois tiros num trabalhador desarmado".
Na segunda-feira, o Ministério da Administração Interna determinou à Inspeção-Geral da Administração Interna a abertura de um inquérito urgente e também a PSP anunciou a abertura de um inquérito interno para apurar as circunstâncias da ocorrência. O agente que baleou o homem foi entretanto constituído arguido, indicou fonte da Polícia Judiciária.
Notícia atualizada às 7h20 de 23/10