
Manuel Viana, médico de família, fala sobre o programa destas jornadas, que promete não deixar a desejar em termos de abrangência. Num evento que reflete a natureza holística e transversal da Medicina Geral e Familiar, Manuel Viana refere que a Comissão Organizadora apostou, à semelhança das outras edições, numa abordagem prática e inovadora, com especial ênfase em temas que impactam diretamente o quotidiano dos profissionais de saúde.
Obesidade: doença crónica e desafiante
A obesidade é um problema de saúde pública que se transformou numa verdadeira pandemia do século XXI. Segundo Manuel Viana, que vai moderar, no primeiro dia das jornadas, uma sessão sobre este tema, “a obesidade não é apenas um fator de risco para outras doenças, mas sim uma doença crónica em si mesma, muitas vezes subdiagnosticada e estigmatizada.”
De acordo com o médico, as novas terapêuticas, que atuam no sistema nervoso central e no sistema digestivo, promovendo saciedade precoce e melhor controlo metabólico, são uma mais-valia no combate a esta pandemia, uma vez que um dos seus objetivos é evitar que o doente chegue ao ponto de necessitar de intervenções cirúrgicas, como a cirurgia bariátrica.
No entanto, e de acordo com Manuel Viana, o custo elevado destes tratamentos e a falta de comparticipação pelo Serviço Nacional de Saúde representam barreiras significativas, levando a “interrupções terapêuticas e ao reganho de peso”, o que pode agravar comorbilidades. “A abordagem terapêutica deve ser contínua”, afirma, alertando para o facto de a obesidade ainda ser encarada como uma simples questão de estilo de vida ou de falta de força de vontade, ignorando a forte componente genética e biológica subjacente.
E salienta: “É crucial que a obesidade seja reconhecida como uma doença crónica grave para que os tratamentos sejam acessíveis a quem precisa.”
Além do tema da obesidade, este primeiro dia será composto por sessões, mesas redondas e casos clínicos Flash, sobre Pediatria e Ortopedia Infantil, focada na consulta aberta em idade pré-escolar, “uma situação bastante comum” no dia a dia dos médicos de família; novas vacinas, incluindo as do vírus sincicial respiratório e da pneumonia; prevenção de fraturas, onde, sobretudo, será discutida a osteoporose; cervicalgias e lombalgias, que “estão entre os motivos mais frequentes de consulta”; doença pulmonar obstrutiva crónica; e disbiose, um tema “inovador”.
Doente Idoso: A urgência de uma abordagem personalizada
No segundo dia do evento, Manuel Viana vai fazer uma apresentação subordinada ao tema: “Idoso Frágil – o que saber para melhor tratar?”. Em entrevista, o médico destaca que “o idoso frágil não pode ser tratado da mesma forma que um idoso robusto”. Tal como refere, a fragilidade – que vai muito além da mera idade cronológica – impõe desafios particulares. Os estudos científicos, que são frequentemente feitos com populações mais jovens e robustas, podem conduzir a prescrições inadequadas em doentes frágeis, logo mais vulneráveis.
“Se não tivermos cuidado podemos causar mais problemas aos doentes do que benefícios, ao prescrevermos medicamentos e ao propormos tratamentos sem uma avaliação adequada”, afirma.
Tal como desenvolve, esta fragilidade, a prescrição incorreta e a falta de acompanhamento médico aumenta a suscetibilidade destes doentes a eventos adversos, como quedas, hospitalizações, institucionalizações e a própria morte.
Para Manuel Viana, a solução passa por uma avaliação geriátrica global – que abrange aspetos físicos, psicológicos, sociais e funcionais – e pela criação de consultas específicas para idosos frágeis, algo que, segundo afirma, exigiria uma reorganização do sistema de saúde. “Consultas mais longas e individualizadas são essenciais para garantir que cada doente idoso receba o cuidado adequado às suas condições particulares.”
Este dia de jornadas vai começar com comunicações livres, onde vão ser premiados os melhores trabalhos de investigação clínica, revisões de temas e casos clínicos; e vão ser abordados ao longo do dia outros temas, por exemplo da área da Otorrinolaringologia, como vertigens, tonturas, acufenos e outros temas “pertinentes à prática clínica diária”, tais como: a saúde da mulher – menopausa e hemorragia uterina anormal; a inteligência artificial/machine learning, uma área inovadora que, embora cheia de potencial, “levanta desafios éticos”, nomeadamente devido à chamada “black box” da IA.
Inovação e integração: o coração das jornadas
No sábado, vão ser realizadas sessões sobre “enxaqueca na prática clínica”, “cessação tabágica”, “guia prático da imagem cardíaca em MGF” e por fim, será realizada uma sessão sobre “Medicina Sexual”, seguindo-se a entrega de prémios para os melhores trabalhos apresentados.
Em relação à escolha dos temas e a sua multidisciplinariedade, o presidente das jornadas refere: “O segredo tem sido manter o foco na prática clínica, privilegiando a troca de experiências entre médicos de família e outras especialidades, com o objetivo de que os participantes saiam do evento com conhecimentos aplicáveis na sua prática diária.
“Esta diversidade de temas e a abordagem multidisciplinar demonstram um compromisso não só com a atualização dos conhecimentos, mas também com a implementação de práticas que respondam aos desafios reais do quotidiano clínico”.
Sílvia Malheiro
Notícia relacionada
Jornadas Multidisciplinares de MGF afirmam-se como o maior evento médico nacional