JOSÉ SENA GOULÃO

A procuradora-geral da República rejeita “em absoluto” as críticas de que é alvo e garante que não pondera demitir-se, nem para preservar a instituição. Em entrevista à RTP, Lucília Gago fala numa “campanha orquestrada” contra a Procuradoria-Geral da República (PGR) e rejeita responsabilidade pela demissão de António Costa.

Naquela que foi a primeira entrevista dada desde a polémica queda do governo socialista – e que Lucília Gago garante ter sido agendada antes dos requerimentos dos deputados para dar explicações na Assembleia da República, negando ter pedido qualquer adiamento -, a procuradora declara que há “pessoas com responsabilidades de relevo na vida da nação” que fazem parte de uma campanha para denegrir a PGR.

“Estou absolutamente consciente de que há uma campanha orquestrada”, declarou.

O caso Costa: "MP não tem de se preocupar com consequências"

Sobre o controverso parágrafo do comunicado do Ministério Público (MP) que envolvia António Costa na Operação Influencer e que levou à demissão do então primeiro-ministro, Lucília Gago começa por admitir que o parágrafo foi concebido por ela própria, em conjunto com o gabinete de imprensa da PGR.

“É da minha inteira responsabilidade a sua inclusão. Não o escondo”, declara.

A procuradora-geral da República alega que “ninguém iria perceber” e que se falaria numa “tentativa de branquear”, caso a referência a António Costa não tivesse sido feita.

“Não acho, por questões de transparência, que devia ser omitida essa referência”, sublinhou.

Lucília Gago admite que, quando redigiu o parágrafo, era “evidente” que se antevia “uma reação forte”, mas rejeita qualquer responsabilidade na demissão de António Costa, que diz ter feito a “avaliação pessoal e política” que entendeu da situação.

“O Ministério Público fez o seu trabalho. Com transparência, revelou o que tinha a revelar. Não tinha mais que se preocupar, não o deve fazer, com as consequências”, alegou a procuradora-geral.

Lucília Gago sublinhou que “ninguém disse” que António Costa era, à data, “indiciado ou sequer suspeito” da prática de crimes e insiste que o MP deve instaurar inquéritos sempre que há denúncias, como era o caso, que implicam alguém num eventual crime – mesmo que ainda não haja indícios fortes.

“Não se pode ter dois pesos e duas medidas. Não se pode dizer que todos os cidadãos são iguais perante a lei e depois querer dispensar tratamento diferente”, alegou, rejeitando a ideia de um “golpe de estado” por parte do MP.

A procuradora-geral da República frisou por várias vezes, ao longo da entrevista, que o inquérito ainda decorredeixando no ar a ideia de que António Costa ainda pode vir a ser constituído arguido, apesar de, nesta altura, ter apenas o “estatuto de testemunha”.

“Não foi constituído como arguido naquele momento em que foi ouvido. Se o inquérito não foi encerrado, é porque algo a tal obstará. Haverá diligências (...) ainda a impedir o despacho final”, notou.

Questionada sobre se, no caso de o inquérito ser arquivado, o Ministério Público deve um pedido de desculpas a António Costa, Lucilia Gago nega-o. “De modo algum”, respondeu. “Há apenas da parte do Ministério Público o dever de averiguar, investigar.”

“Está a dar-se a entender que há uma qualquer vontade de perseguir políticos. Não há essa vontade no Ministério Público. Isso é absurdo”, atirou.

Questionada sobre o motivo pelo qual não veio prestar quaisquer esclarecimentos, até agora, sobre o caso, Lucília Gago admite que a ausência de explicações pode ter sido entendida como “arrogância”. Defende-se, contudo, alegando acreditar que “a discrição é melhor do que espalhafato”.

“Não preciso de popularidade, não preciso de estrelato”, acrescentou.

As detenções na Madeira e as escutas a Galamba

Em relação à operação que levou à queda do Governo da Madeira e que foi polémica pela quantidade de tempo que os suspeitos estiveram detidos, antes de serem ouvidos pela Justiça - suspeitos esses que acabariam por sair em liberdade -, Lucília Gago admite que a situação em causa não foi “normal” e pede desculpas.

“Não acho normal”, admitiu. “Lamento que isso tenha acontecido.”

A procuradora-geral da República atira, no entanto, parte da responsabilidade para a greve dos oficiais de justiça que decorria na altura. “Não contribuiu para o bom funcionamento das diligências”, aponta.

Questionada também, ainda em relação à Operação Influencer, sobre otempo durante o qual o ex-ministro das Infraestruturas, João Galamba, esteve sob escuta– quatro anos -, Lucília Gago reconhece que “não é desejável” nem “comum, mas defende a decisão.

E considera a procuradora-geral que todas estas situações põem em causa a confiança no Ministério Público? Lucília Gago responde que não, mas admite que a Justiça não sai incólume.

“Penso que a imagem da Justiça sai muito fragilizada, sem dúvida.”

As declarações de Marcelo e da ministra da Justiça

A procuradora-geral da República foi ainda questionada quanto às palavras do Presidente da República a propósito da investigação ao caso das gémeas luso-brasileiras tratadas no Hospital Santa Maria. Recorde-se que Marcelo Rebelo de Sousa associou o momento da abertura do inquérito a algo “maquiavélico”.

Lucília Gago confessa ter tido de ouvir essas palavras “repetidas vezes”, tal a “perplexidade”, “surpresa” e “desconforto” com que as escutou.

“Não as recebi com agrado”, admitiu.

A procuradora-geral da República rejeita que haja “quaisquer critérios” políticos na atuação do MP. “Esse propósito não existiu, de todo”, sublinhou, acrescentando que a investigação foi tornada conhecida naquela altura porque “quis o destino que tivesse assim ocorrido”.

Questionada sobre outros casos em que as operações do Ministério Público têm coincidido com datas importantes, como vésperas de eleições, Lucília Gago voltou a rejeitar tal associação.

“Não acredito, de todo, que no terreno os colegas magistrados do MP escolham datas.”

Mas o maior ataque proferido pela procuradora-geral é mesmo dirigido à atual ministra da Justiça. Lucília Gago não gostou de ouvir Rita Alarcão Júdice dizer que era preciso um novo procurador-geral da República que pusesse “ordem na casa”.

“Fiquei algo incrédula e até perplexa. São declarações indecifráveis e graves”, acusa.

A ainda procuradora-geral entende que a ministra a acusou de “falta de liderança” e “capacidade de comunicação”.

“Imputa ao Ministério Público todas as coisas más que acontecem na Justiça. Rejeito em absoluto”, finaliza.