Depois, a desconfiança de haver redes organizadas para trazerem os enfermos com patologias de tratamento mais dispendioso, pondo em causa a sustentabilidade do nosso Sistema de Saúde, fez soar todos os alarmes. A direita cerrou fileiras e fez do assunto uma questão de salvação nacional dos Portugueses de gema. A esquerda, manteve-se fiel à sua hipocrisia habitual, preferindo negar a existência do problema.

É preciso notar que estes abusos ocorrem há muitos anos. Há mais de dez anos, quando ainda era Chefe de equipa de Urgência, lá vinha por vezes um Angolano ou um Moçambicano, diretamente do Aeroporto Sá Carneiro para a hemodiálise urgente do Santo António, por insuficiência renal terminal. O que mudou foi o brutal aumento do número de casos, que acompanhou a catadupa de emigrantes que nos chegam, muito para além das fronteiras da lusofonia, associado à visibilidade que a qualidade do nosso SNS tem noutros Países.

Por isso, o esforço legislativo faz sentido, porque o problema existe, e tem tendência a crescer ainda mais. A dificuldade será a da aplicação da lei. Temo que venha a ser apenas uma lei de faz-de-conta, só para que a direita e a esquerda lancem os seus foguetes e tudo ficar na mesma. O ex-diretor executivo do SNS não teve dúvidas em vir sossegar os médicos signatários de um manifesto posto a circular, no qual se recusavam a não dar o tratamento adequado ao doente que lhes chegasse. Dizia ele que quem vai barrar a entrada no SNS são os serviços administrativos, que expulsam o emigrante ilegal doente. Alguém acredita nisso?

Há uns anos, conheci a Molly Southworth, em Filadélfia, num Congresso do American College of Phisicians (ACP). Era uma Internista, de compleição frágil, que exercia Endocrinologia no Alasca. Quando lhe fiz notar a minha estranheza por ter escolhido trabalhar num sítio tão inóspito, disse-me que a principal razão de o ter feito era porque o Sistema de Saúde do Alasca era diferente. Ao contrário de qualquer outro lugar dos EUA, no Alasca o Sistema de Saúde era universal e gratuito, pelo que lhe era permitido escolher o melhor meio complementar de diagnóstico e tratamento, sem olhar aos custos. Não estava limitada pelas amarras das coberturas do seguro. Sentia-se livre para fazer Medicina Interna de qualidade aos esquimós!

Suponho que muitos Médicos se mantêm no SNS, porque prezam muito essa liberdade de poderem tratar bem, sem terem de olhar à condição social dos doentes que lhes chegam. Ao contrário da Medicina Privada, o exame a pedir ao doente não está limitado pela sua bolsa, nem se pedem exames a mais só porque sim. Quanto ao tratamento ou a Unidade de internamento onde o vai fazer, o Médico pode fazer a proposta apenas a pensar no que é melhor para o doente.

Isto tem um valor inestimável. Vejam lá se também querem acabar com isso!

João Araújo Correia,

Especialista em Medicina Interna na ULSSA-Porto

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